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Pós-SXSW: o que a IA traz de desafios para quem produz conteúdo em texto

SXSW está acabando. E como sempre, muitas falas interessantes e algumas provocadoras. Foi assim como a palestra da Amy Webb, CEO do Future Today Institute e professora, e que tem uma das palestras mais disputadas no evento há anos.


A palestra de Amy Webb trouxe visão expandida de uma série de movimentos nas tecnologias, o que inclui tecnologias digitais, químicas e biológicas, a partir do seu 17º Relatório Anual de Tendências Tecnológicas, que este ano, tem quase 1000 páginas.


Recheado de nada mais e nada menos que 695 tendências distribuídas em 16 áreas, o relatório nos faz refletir sobre qual é o nosso lugar no meio de tudo isso. Na verdade, o que sobra nós, quando praticamente perdemos o domínio das nossas vidas. Isso porque as máquinas já sabem mais da gente do que nós mesmo, muitas vezes.


E claro, a inteligência artificial (IA) é o fio condutor, que a partir dos dados coletados de tudo e todos, através do que Amy chamou de “ecossistemas conectados”, está fazendo uma grande revolução já faz um tempinho.


Produção de conteúdo


Uma das áreas que vêm sentindo bastante esse impacto é a que produz conteúdo, que inclui o jornalismo, a imprensa e tudo que envolve mídias. E eu não estou falando apenas que o ChatGPT vai começar a produzir todo o conteúdo que vamos ver daqui pra frente, mas principalmente que a IA tem um impacto direto na forma como se produz conteúdo (e isso inclui até um artigo científico).


E aqui, a discussão da forma, é fundamental, já que a forma como se distribui e se consome o conteúdo também tem mudado e todas essas mudanças de formatos estão mudando tudo, já que podemos expandir essa discussão para conteúdo e continente de conhecimento e informação, mas também de produtos e serviços.


Mas agora eu quero focar no assunto que é justamente os conteúdos gerais em texto que são postados diariamente na internet, por meio de sites, veículos de mídias, blogs, redes sociais. E pra começar, trago duas questões: como vamos sobreviver às mudanças ou vamos assumir a extinção do que conhecemos hoje para algo que ainda não sabemos o que é?


Para ajudar na formatação das respostas de vocês, já que quero que me ajudem a pensar sobre, acredito que existam aqui quatro pontos fundamentais: (1) os leitores online estão cansados e diminuindo, (2) o público não é mais o mesmo, (3) a pesquisa por conteúdos mudou e (4) a monetização está cada vez mais escassa. 


Esse e outros pontos importantes que não vou citar agora têm levado ao que tenho visto quase que diariamente: demissões e mais demissões, por conta da crise no setor que foi gerada pela diminuição drástica da receita. Ao mesmo tempo, temos visto o aumento do número de influenciadores e produtores de conteúdo em redes sociais, mas que geralmente usam formatos audiovisuais.


Veja imagens do SXSW 2024

#01 e #02 – O público


Que os leitores estão cansados e diminuindo e o público não é mais o mesmo isso está claro. As pessoas estão esgotadas com as notícias, geralmente coisas ruins que acontecem e desafios terríveis que estamos enfrentando. Se a gente olhar muito pra isso só vai encontrar desânimo. Isso faz com que fujamos para as redes sociais, que é quase um refúgio do mundo, um “lugar” onde parece que tudo está bem, todos estão dando certo e a vida é legal e por isso instagramável. E nesse refúgio, praticamente só se dá bem os assuntos que dão engajamento, ao mesmo tempo que essas redes sociais tem deixado de promover links de notícia.


Outro fator importante é que nesse “lugar” tem muitas pessoas da Geração Z e Alpha e praticamente tudo o que sabemos sobre o consumo de mídia dessas gerações aponta para um nicho cada vez mais específico.


Uma análise rápida. Para a Geração Z, acompanhar notícias é um efeito colateral do tempo gasto em aplicativos de mídia social como o Instagram e o TikTok. Todos os grandes veículos de mídia e comunicação tiveram que se adaptar para atender a esse comportamento. Além disso, um dos efeitos mais interessantes é que, por utilizarem essas redes como um mecanismo de busca de conteúdos dos mais diversos, a GenZ obtém, sem grande trabalho, vários pontos de vista do mesmo assunto, incluindo histórias pessoais conectadas a eles e notícias que são por eles comentadas.


Vimos muito isso acontecer quando iniciou a Guerra na Ucrânia, no qual muitas pessoas que ganharam exponencialmente seguidores estavam no local de conflito, e postando em tempo real o que acontecia. Claro que isso fez com que muito conteúdo falso circulasse, mas ao mesmo tempo ficou claro que essas pessoas eram as próprias fontes primárias. Nesse sentido, fica difícil competir.


Uma pesquisa do Pew Research Center de 2023 revelou que um terço dos adultos com menos de 30 anos acessa regularmente o TikTok em busca de notícias, um aumento de 255% desde 2020. O mesmo com o Instagram que tem se consolidado como uma importante fonte de notícias nos Estados Unidos, segundo uma reportagem do New York Times. Essa mistura de notícia com entretenimento faz com que essas plataformas se tornem, de fato, um canal informativo, ao mesmo tempo que oferece oportunidades de renda para quem sabe adaptar conteúdo jornalístico para o formato digital.


Nos EUA vemos dois exemplo claros disso. O primeiro é o Mo News, perfil que também é uma plataforma. Ele foi fundado por Mosheh Oinounou, que usou toda a sua experiência em mídias tradicionais para transformar o conteúdo desses veículos em posts super acessíveis no Instagram. O número crescente de seguidores mostra o sucesso desse formato, e ratifica que as pessoas querem receber notícias, mas de forma descomplicadas e com análises objetivas. De novo chamo a atenção para o formato. A notícia não é gerada por eles. O que fazem é literalmente converter o conteúdo já publicado para que sejam bem mais atrativos para quem irá consumi-los nas redes.


O mesmo acontece para RocaNews, que usa as redes para combater desinformação e mobilizar usuários em torno de questões sociais. Pensado primeiro para o Instagram eles cresceram e hoje possuem newsletters e podcasts. Esses dois exemplos mostram como uma abordagem direta e personalizada casa com o que essa nova audiência deseja.


A GenZ também preza por conteúdos autênticos, e muitas vezes o que vemos nos veículos de notícia é um repeteco, um copia e cola e que geralmente descarta o link das fontes. Vemos o mesmo conteúdo sendo compartilhado indiscriminadamente. E aqui temos outro elemento chave que essa geração preza além da autenticidade, que é a originalidade, principalmente de como esses conteúdos chegam para cada pessoa. Não faz mais sentido, com IA e personalização automatizada por algoritmos, que todo mundo entre em um mesmo site. Pra quem quer sobreviver, o conteúdo original deve ser personalizado, ou seja, cada pessoa/cliente/consumidor/usuário deve ter uma experiência única.


Vejam vocês o sucesso do Netflix. Parte dele é por causa do algoritmo, que entende o que queremos ver. Cada conta tem sua “home”, porque cada pessoas tem suas preferências de conteúdo. Por isso mesmo, os veículos digitais devem dar, facilmente, o que cada pessoa deseja, sem que ela tenha que buscar o que interessa. A forma tem que mudar, e pra isso acontecer, a redação também tem que mudar. Não adianta mais um editor escolher o que é mais interessante ou importante. As pessoas devem fazer isso. Poderíamos ir até mais longe, já que o conteúdo original também poderia ser alterado de acordo com o que importa, o que também traz uma série de questões de direitos autorais, mas claro, a sumarização poderia instigar a pessoa a ler o conteúdo completo e original.


Nos próximos meses com certeza veremos novos modelos de negócio para esses veículos de mídia. Afinal, junto com as notícias duras, as pessoas querem também entretenimento e diversão.


#03 – A forma de pesquisar por conteúdos mudou


O fato de a pesquisa por conteúdos ter mudado drasticamente contribuiu para a diminuição da receita de quem escreve. Por isso #03 e #04 se conectam fortemente.


Pra vocês terem uma ideia, o Washington Post, que perdeu cerca de cem milhões de dólares no ano passado, ofereceu aquisições a 240 funcionários. E este jornal não é o único a passar por isso, basta uma pesquisa rápida.


Em fevereiro,  em comunicado enviado aos 900 funcionários do Vice Media Group, o CEO do grupo, Bruce Dixon, anunciou a suspensão da plataforma de conteúdo Vice.com. O grupo iniciará uma série de demissões e transição para produção em estúdio. Aqui no Brasil, não é diferente.  Em um texto de janeiro, Matthew Scott Goldstein já havia nos alertado que essa seria uma “wild ride”. E não é pra menos.


Em um artigo de dezembro do ano passado, o WSJ mostrou que o Google gera cerca de 40% do tráfego em mídias digitais. Apesar de muita gente ter o costume de já abrir diretamente alguns sites que gosta e visita com frequência, ou seja, sua busca de conteúdo nem passa pelo Google, tem uma série de canais interessantes e sites de mídia e de jornalismo independente que são “achados” através da busca.


Até aí, fazer um bom trabalho de SEO (Search Engine Optimization), ou seja, usar uma série de estratégias de otimização voltados para os mecanismos de busca, ajudava muito. Mas como já expliquei em outro texto, estamos passando por uma mudança radical de como os conteúdos são achados, anunciados e ranqueados na internet. Cada vez mais iremos iniciar uma conversa com um chatbot com IA, como o ChatGP, para perguntar sobre o que queremos, e teremos respostas prontas, que podem conter a fonte ou não. Essa extrema personalização de como navegamos na internet, subiu de nível e conseguiremos achar muito mais rápido o que precisamos, através de resumos e respostas atraentes.


Se antes dizíamos “pergunte ao Google” ou o “Google tem todas as respostas”, justamente porque era o buscador mais usado, agora que temos a pesquisa inteligente como o “Search Generative Experience” (SGE), do Google mesmo, a coisa mudou. E claro, não é só o Google que tem essa ferramenta, qualquer outra que busque conteúdos e faz pesquisa na internet e tem IA, funciona quase que da mesma forma.


É assim com o Perplexity, que nada mais é do que um mecanismo de busca alimentado por IA. Temos o Arc, que é um browser incrível (eu diria que hoje é o melhor!) e que introduziu recentemente o Arc Search, que é capaz de pesquisar vários sites relacionados à sua consulta, organizando o conteúdo bonitinho. Outro que é bastante interessante é o Dexa, e ao meu ver tem se tornado uma das ferramentas mais promissoras em tempos de conteúdos audiovisuais. Imagine poder pesquisar pelas infinitas horas de ótimos podcasts ou no áudio de vídeos no Youtube. Pois bem, é quase isso que o Dexa faz hoje, e tenho certeza que logo mais vai revolucionar nossas buscas. A partir da nossa pergunta ou do nosso prompt, a plataforma identifica vários episódios de podcast e videocast relevantes e vincula ao momento exato em que o assunto é abordado, tudo com um resumo em texto. Eu fiz uma pergunta bem básica sobre como a “AI-powered search” está mudando nossa forma de achar conteúdo. A resposta que consegui foram tantas referências incríveis que preferi guardar pra depois, pois nem ia dar tempo de me aventurar por elas. Apesar de ainda funcionar apenas em inglês, nada impede de fazermos as traduções simultâneas com IA, caso precise. Sem me aprofundar nesse assunto, se você quiser ser achado hoje vai ter que pensar em “PEO” (Prompt Engine Optimization).


Essas novas possibilidade acabam impactando diretamente na vida de quem escreve. Dados recentes mostram que só a busca por IA do Google que citei, pode gerar uma perda de US$ 2 bi de receitas para veículos de mídia. Isso é tão importante para o futuro da internet que novos rumores indicam que a OpenAI está desenvolvendo uma ferramenta de busca baseada no Bing, da Microsoft. Claramente uma tentativa de criar um concorrente direto para Google, que já estuda a retirada do filtro “Notícias”.


Fora isso tem toda a discussão de dados, direitos autorais, uso de conteúdo gratuitamente para treinar todos esses modelos. E olha, bloquear os rastreadores de IA na tentativa de impedir o uso do que está na internet, incluindo os conteúdos pagos, não tem se mostrado uma boa estratégia. Basicamente estamos testemunhando o fim da era dos meios de comunicação de massa, pelo menos o fim de como ainda são hoje.


#04 –  A monetização está cada vez mais difícil


A IA tem contribuído para o aumento das assinaturas. Se antes a gente doava nossos dados para utilizarmos plataformas gratuitamente, hoje, com o custo de processamento de tudo aumentando entre outras questões, passamos a pagar por tudo. É assinatura que não acaba mais!


Tudo isso tem contribuído para a mudança radical do que dá dinheiro hoje. Se antes as visualizações de página eram importantes, afinal era a partir desse número que se vendia publicidade, o crescimento exponencial da produção de conteúdo e o aumento do que se entende por “internet”, só tem desvalorizado cada vez mais as visualizações e número de cliques. Na luta por número que hoje já não valem mais, tivemos uma avalanche de conteúdos sensacionalistas e virais, pro bem e pro mal. Um dos exemplos clássicos é o BuzzFeed, que se tornou referência na produção de conteúdos potencialmente virais, usando as redes sociais como amplificadores dos mesmos. E monetizar conteúdos virais não é uma boa estratégia, afinal isso cresce justamente porque é muita coisa disponível gratuitamente.


A tentativa de se criar mais uma assinatura, tem sido um fracasso pra boa parte de quem tentou. A perda de assinantes de conteúdos em texto tem caído drasticamente, salvo poucos exemplos de sucesso, como o jornal New York Times e algumas newsletter do Substack. O motivo é simples, as assinaturas de conteúdos mais densos e jornalísticos estão competindo diretamente com as assinaturas de entretenimento, os streamings da vida, que tem um papel fundamental pra gente desligar da nossa realidade dura, essa do mundo das hard news. Outro agravante é que, no fim, quem pode pagar por isso? Certamente, pra maioria das pessoas, seu consumo de conteúdos vai passar por plataformas que ainda o disponibilize gratuitamente.


Virada digital e inteligente

Mas então, como é que um jornal, por exemplo, pode ganhar dinheiro em 2024? Eu já dei spoiler! O NYT é a grande referência, mas quem tenta imitar o modelo, fracassa, justamente porque ele não é replicável e escalável. Quem hoje pode gozar de mais de dez milhões de assinantes, como eles? Outras plataformas criadas ajudam? Sim. Eles possuem app de receitas, jogos, site de reviews de produtos. Enfim, não dá pra todo mundo fazer o mesmo, é chover no molhado.


E como criar novas rotas para achar o público pagante? Esse é o desafio.


O caso da CNN (a americana mesmo) é emblemático. Após uma queda drástica na sua receita, trocou o CEO ano passado. Mark Thompson terá como principal objetivo reverter esse quadro, e certamente não será “criar mais uma assinatura”. Estamos no momento perfeito para explorar novas formas de se relacionar mais diretamente com quem pode pagar, além de novos modelos de uso. E eu realmente acredito que esse novo modelo não deve passar por redes sociais, afinal, elas mesmas estão chegando no seu limite (cenas dos próximos capítulos, ou melhor, textos!).


Essa virada terá como base a IA, que irá redefinir quem pagar. No fim, acho que vai sobrar para nós diretamente, afinal modelos baseados em anúncios e toda a publicidade, também estão quase encontrando seu limite.


Apesar da IA, vamos continuar precisando de pessoas produzindo conteúdos previamente. A GenAI vai ajudar na produção de muita coisa e vai conseguir ser original, mesmo que a partir de tudo que foi usado para o seu treinamento. Mas sempre dependeremos do ser humano. Essa união é potente, não restam dúvidas. Nós nunca seremos capazes de dar conta de todo o conteúdo da internet como uma IA, e acho que, pelo menos nos próximos anos, uma IA não será capaz de “dar um furo”, fazer apurações na fonte e conseguir informações valiosas. Precisamos de menos pessoas, mas ainda precisaremos delas.


Outro ponto é que, pelo menos por enquanto, o suprassumo da criatividade ainda vem da loucura das nossas sinapses e da criação de novos circuitos neurais. Já temos a computação sendo feita em neurônios humanos vivos, que tem sido chamado de “Organoid Intelligence” pelo professor David Gracias, do Departamento de Química e Engenharia Biomolecular da Universidade de Johns Hopkins. Mas pra ser criativo como nós, ainda vai tempo. O que fica pra gente é que quando o silício encontra o carbono, o potencial é absurdo em todos os sentidos, de redução de energia ao aumento da capacidade de processamento, mas também surgirão uma série de perigos inimagináveis por hora. Eu só acho que o futuro, próximo, será sensacional, e por isso, dá medo.


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