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Além da estátua de Chico Mendes, Acre tem outros monumentos a heróis violados por vandalismo ou abandonados pelos governos

A antipática imagem da estátua do sindicalista Chico Mendes tombada ao chão como houvesse ali uma segunda morte do mártir internacional da causa ambiental num crime aparentemente cometido por vândalos ideológicos que tentaram destruir a memória do mártir, suscitou um debate em Rio branco, Capital do Acre, sobre a importância ou não desses monumentos e a quantidade nas ruas e praças acreanas.


Sobre o assunto, o poeta gaúcho Mário Quintana escreveu que ele próprio não gostaria de virar estátua em Porto Alegre (RS), cidade onde viveu, ou em lugar nenhuma do mundo. Justificou a recusa com o argumento de que, além de ser apenas depositário de fezes de pombos – não previa ainda o vandalismo humano, as estátuas são, na verdade, “uma forma pública de anonimato”.


No Acre, notadamente em Rio Branco, elas são poucas e as que existem estão abandonadas, numa clara demonstração de que os governantes locais não têm lá muito gosto em cultuar a memória de nossos heróis. São poucas nos dias atuais mas já foram muitas, principalmente na época do então prefeito Jorge Kalume (1999 a 1992), que mandou espalhar estátuas na cidade, todas feitas pelas mãos talentosas do escultor Jorge Rivasplata


As mãos prodigiosas deste peruano que desde os anos 80 adotou o Acre e o Brasil como sua nova pátria elaboraram estátuas marcantes, como aquela esculpida na Praça da Justiça, um logradouro que foi envolvido e destruído pelas novas obras do Parque da Maternidade, no encontro das ruas Silvestre Coelho com a Avenida Getúlio Vargas, área central da Capital.


Entre os jardins e árvores plantadas por ordem de Kalume, o que mais se destacava era uma estátua da Deusa Themis, símbolo da Justiça, fruto da imaginação fértil dos gregos da antiguidade. O que havia de mais fantástico naquela escultura eram os seios semidesnudos da deusa de pedra cuja beleza e perfeição levaram alguns homens mais afoitos a procurarem saber do escultor quem fora a modelo que a inspirara para elaborar tão bela obra. O segredo foi descoberto: tratava-se de uma bela moça morena natural de Xapuri, sobrinha-neta do seringalista Gaston Mota, a qual, nos anos 90, foi localizada pelo repórter vivendo em Manaus (AM).


Na destruição da praça para dar lugar a um trecho do parque da Maternidade, durante o primeiro governo de Jorge Viana (1999 a 2002), não foram poupados nada da estátua da deusa Themis, nem os belos e inspiradores seios da morena.


Outras estátuas esculpidas a mando de Kalume, do fundador da cidade, o seringalista Neutel Newton Maia, e do Barão do Rio Branco, apelido do diplomata José Maria Paranhos, a quem se atribui a completa pacificação do Acre em relação às escaramuças pela posse do território acreano contra o exército boliviano pelo exército seringueiro comandado por Plácido de Castro, também foram destruídas. Construídas às margens do rio Acre, na localidade conhecida por Gameleira e sob à sombra da árvore majestosa onde Neutel Maia teria ancorado seu navio para iniciar a fundação da futura capital acreana, foram ofuscadas ou literalmente encobertas pela decoração do “Bar do Gracil”, edificação construída a pau e à pique que tomou conta do lugar e, antes das obras do Calçadão da Gameleira, também no Governo Jorge Viana, a incúria governamental já havia mandado às estátuas de Kalume às calendas gregas.


O mesmo aconteceu com o monumento de culto à memória do poeta potiguar Juvenal Antunes, personagem do também poeta e escritor acreano Antônio Stélio, que hoje vive em Natal e pesquisou os passos e o próprio vate nascido no Rio Grande do Norte e produziu, em 2016, o livro “O Anjo Devasso”. Trata-se de uma biografia romanceada do poeta Juvenal Antunes, que viveu em entre 1883 a 1941, natural de Ceará-Mirim, o qual chegara ao Acre território, formado em Direito, como promotor de Justiça.


Juvenal Antunes, agora um poeta trancado e em dourado

Boêmio, viveu 58 anos, boa parte em Rio Branco, como hóspede do Hotel Madrid, ali mesmo na rua das imediações da Gameleira, hoje Avenida Eduardo Assmar, no Segundo Distrito da cidade. Sua forma de viver – dizem que sempre bêbado, usando o hobby de dormir e à declamar os versos próprios na calçada da rua de terra batida onde ficava o hotel em que morava – sua boemia e seus textos foram elementos que sempre chamaram a atenção, desde àquele tempo. Tanto que, o Governo de Jorge Viana, ao mandar fazer o Calçadão da Gameleira, mandou erigir, na calçada do local onde ficava o Hotel Madrid, uma estátua do vate potiguar. Ele aparecia sentado a uma mesa, diante de um copo, conforme as descrições sobre ele, com seu indefectível hobby de dormir.


Construída em cobre, a estátua foi sendo roubada aos poucos. Primeiro, para vender o cobre, gatunos levaram a mesa, com copo e tudo e a estátua solitária, curvada, passou a ser objeto de vandalismo na qual jovens desocupados adoravam tirar fotos montado às costas do monumento ao poeta. O vandalismo foi tamanho que incomodou o presidente da “Fundação Elias Mansour” (FEM), órgão estadual ao qual cabe o zelo e incentivo à cultura estadual. Manuel Pedro Correa, o “Correinha”, o presidente da FEM, incomodado com a situação, retirou o que restou da escultura e a colocou dentro da sede do órgão ligado à cultura, instalado sob a proteção da FEM. Trancada e guardada, a estátua de Juvenal Antunes deixou de ser, como diria |Mário Quintana, “uma forma pública de anonimato”.


O cuidado em guardar o que restou da estátua, no entanto, não livrou “Correinha” de críticas da comunidade artística ou de intelectuais locais. Uma das críticas partiu da historiadora Fátima Almeida, a qual não gostou, ao que parece da cor em amarelo, imitando ouro, com a qual “Correinha” ornou a escultura.


“A estátua, que era de bronze, agora reaparece com cor de ouro, desta feita posicionada no interior do prédio da FEM, na sua galeria de artes plásticas Parece que a fundação quer mantê-lo fechado dento da galeria. Justifica sua proteção contra os vândalos”, observou ouro crítico de “Correinha”, advogado e músico João Veras.


A mesma sorte não teve, por exemplo, a estátua do coronel Sebastião Dantas, uma homenagem feita por seu filho, o então governador Francisco Wanderley Dantas, ao inaugurar a ponte de alvenaria sobre o rio Acre, nos anos 70, a qual levou o nome do velho seringalista e dono do seringal Novo Andirá. Era só um busto instalado num pedestal próximo à cabeceira a ponte, no Primeiro Distrito da cidade, início da passarela do chamado Novo Mercado Velho, sob uma inscrição com o nome do homenageado, com a assinatura do filho governador. Cobre puro. Foi o suficiente para que os vândalos, agora assumidos como ladrões, levassem o busto com cabeça e tudo.


Bem humorado mas entristecido com o fato, o fiscal de tributos Sebastião Dantas, neto do velho seringalista, ensaiou um protesto no qual perguntava candidamente: “cadê a cabeça do vovô?”. Está provavelmente derretida como derretida também pode ter sido a estátua que representava o menino Sandino Mendes, de mão dadas com a estátua de seu pai Chico Mendes, na chamada “Povos da Floresta”, no centro da cidade. Antes de vandalizarem a estátua de Chico Mendes, os vândalos e ladrões levaram a estátua do menino, para derreter.


Informações davam conta de que a estátua atribuída a Sandino Mendes, hoje um homem adulto, fora achada na região do bairro Papoco mas voltou a desaparecer, para protesto da família do sindicalista.


Sua filha Ângela Mendes, que herdou o ativismo ambiental do pai, ficou revoltada com a profanação e vandalismo aos símbolos que homenageiam seus parentes. Ela atribuiu à profanação aos tempos obscuros da política no país sob o governo Jair Bolsonaro. Quem também ficou chateado com a profanação a Chico Mendes foi o pequeno comerciante Antônio Augusto de Melo, dono da “Banca do Pelé”, instalada no local. Ele se oferece ao Governo para ser uma espécie de cuidador do local, já que é muito querido e respeitado até pelos vândalos que transitam pelo local, os quais, sempre que solicitado, procura ajudar, com um dinheirinho ali, um prato de comida acolá, um conselho, um abraço fraterno às pessoas que, em sua grande maioria, formam o pelotão de pessoas chamadas “invisíveis” da cidade e só enxergadas por olhos caridosos e humanos como o olhar do Pelé da Banca. “Sob meus cuidados, duvido alguém bulir em alguma coisa aqui”, disse. Uma ideia ou proposta a ser considerada por “Correinha” ou mesmo pelo governador Gladson Cameli.


O vandalismo à estátua de Chico Mendes, na última vez, mereceu reclamações do líder das pesquisas de opinião pública na atual corrida presidencial, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Sob a estátua de Chico Mendes derrubada no chão, o ex-presidente, que era amigo do sindicalista e foi a Xapuri chorar em seu enterro, escreveu em suas redes sociais:


“Assassinaram Chico Mendes e isso não matou suas ideias. Os que vandalizaram sua estátua em Rio Branco tentam apagar sua memória, mas também não terão sucesso”.


Em Rio Branco também há outros monumentos que fazem jus àquela máxima do poeta Mário Quintana – a começar por uma instalada na Rua Peru, na Baixada da Habitasa, centro da Capital Rio Branco. Trata-se de um monumento a um ilustre desconhecido da grande maioria dos acreanos e brasileiros, o poeta peruano Cesar Valejo, estátua cuja instalação foi financiada pelo Consulado peruano em Rio Branco, o qual é desconhecido inclusive pelos patrícios do homenageado.


Na categoria dos ilustres desconhecidos também estão duas outras estátuas em Rio Branco: a primeira, um busto do Almirante Tamandaré, patrono da Marinha Brasileira, instalada naquela pequena pracinha na Avenida Ceará, em frente ao Posto Central, que agora está se transformando num terminal de taxi-lotação.


Tiraram a imagem do Almirante Tamandaré do local que esta beirando um ponto de táxi

Ao que parece, os taxistas se incomodaram com a estátua e a retiraram do local – o fato é que o Almirante, que ficou ali por mais de 50 anos, desapareceu. Outro desses monumentos está na chamada Praça dos Tocos, ao lado do prédio sede do antigo Tribunal de Justiça, também conhecido como Praça da Catedral, área do centro velho de Rio Branco. Sob a palavra “Nego”, que consta da bandeira do Estado da Paraíba, a estátua é de João Pessoa, governador assassinado na República Velha, cuja morte precipitou a tomada do poder nacional por Getúlio Vargas.


Em relação a essas duas estátuas, cabe a pergunta: por que se erigir uma estátua do Patrono da Marinha num Estado como o Acre há quase 5 mil quilômetros distante do litoral do Oceano Atlântico? Por que uma estátua de João Pessoa no Acre?.


As respostas vêm de historiadores e remontam ao tempo em que o Acre território era governado a partir de governadores enviados pelo poder central, na época o Rio de Janeiro, então capital da República. Os homens enviados para governar o Acre, desconhecendo a história e os heróis locais, mandavam erguer estátuas daqueles vultos que eles pessoalmente admiravam, no caso o Almirante Tamandaré ou o governador paraibano João pessoa.


Estátua Luiz Galvez

Mas o Acre tem também estátuas a seus heróis Na Assembleia Legislativa, há uma estátua a Luiz Galvez, presidente do Estado Independente do Acre, um país que ele mesmo inventou, no início do século passado, erguida pelo então presidente da Assembleia, deputado Evaldo Magalhães (PC do B). Ali também esteve (porque desapareceu) um busto de José Guiomard dos Santos, autor da lei que levou o Acre da categoria de território à Estado ente da Federação brasileira. Há ainda estátuas de desconhecidos como aquelas do Mercado Novo na cabeceira da Passarela “Joaquim Macedo”, que nunca ninguém usou profanar, e no interior do Estado: do marechal Gregório Taumathurgo de Azevedo, em Cruzeiro do Sul, e do então prefeito Rolando de Paula Moreira, na avenida que leva seu nome, em Brasiléia. Taumathurgo de Azevedo é um herói acreano e do país por ter repelido a invasão de peruanos ao território brasileiro no Vale do Juruá, além de ter fundado a cidade de Cruzeiro do Sul, no início do século. Já Rolando Moreira foi um político assassinado a tiros durante um comício do PTB, ali mesmo em Brasiléia, há mais de 60 anos atrás. São estátuas incrivelmente bem cuidadas.


A estátua de José Guiomard na sede da Assembleia sumiu; a de Luiz Galvez continua lá

Cadê o Guiomard Santos?

Bem ao contrário dos monumentos bem cuidados estão as estátuas que retratam a hora do assassinato de José Plácido de Castro, no Seringal Benfica, nos arredores de Rio Branco, às margens do rio Acre. Construído no governo Jorge Viana, os monumentos foram abandonados por Binho Marques, sucessor do governador petista, e até mesmo por Tião Viana, governador irmão de Jorge e cultor do heroísmo de Plácido de Castro, cujo governo deixou o mato crescer em volta das estátuas que retratam o assassinato do libertador das terras acreanas.



Mais sorte tem o monumento a Plácido de Castro, erigido na Praça da Revolução, no centro de Rio Branco. Sorte em termos porque, embora instalado a poucos metros do quartel do comando geral da Polícia Militar do Acre, onde há sempre sentinelas de plantão, não é raro o monumento ser vandalizado principalmente por usuários e drogas que levam a espada na qual o herói aparece com ela em punho, provavelmente para derreter o cobre e vendê-la para custear o consumo de drogas.


Mas, sobre isso, o poeta e músico Clenilson Batista, do grupo Capu, já chegou até a comemorar Pacifista convicto, ele acha que, nos dias atuais, de violência incomum, uma estátua, mesmo sendo de Plácido de Castro, com uma espada em punho, é uma espécie de culto à violência.


Não é à toa que, a cada sumiço da espada, alguém tenha ideia de colocar flores naturais na mão vazia da estátua do bigodudo gaúcho Plácido de Castro.


Galeria de Imagens:


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