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Medalha nos Jogos Olímpicos não vem no grito. É preciso ter projeto de esporte

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Seleção Brasileira Feminina de futebol com a medalha de prata no Parc des Princes Crédito: Alexandre Loureiro/COB

Com o fim da Olimpíada de Paris vem a saudade de duas semanas de emoções incríveis proporcionadas pelos maiores atletas do mundo. Simultaneamente, começa o processo de preparação para a edição de 2028, em Los Angeles. Caso não apareça nenhuma pandemia no meio do caminho, será o primeiro ciclo olímpico completo desde o período entre Londres 2012 e Rio 2016.


Para o esporte brasileiro, os Jogos de Paris restabeleceram a realidade. A ilusão vendida em 2016, quando se projetou um futuro de potência olímpica, foi alimentada por um desempenho atípico em Tóquio, nos Jogos da Pandemia. A ciência do esporte ainda não determinou o impacto da Covid-19 na Olimpíada de 2020 (disputada em 2021), mas ele é inegável. Houve prejuízos de preparação, interrupção de ciclos e precipitação de aposentadorias e consequente renovação.

O Brasil é uma pátria olímpica de segundo escalão no quadro de medalhas. O desempenho segue restrito a alguns esportes consolidados, como judô e vôlei, novas potências como ginástica artística, surfe e skate, e fenômenos esporádicos. A representatividade geral é baixa, e esportes emblemáticos para o olimpismo, como natação e atletismo, decepcionaram.


Projetados para emocionar da abertura ao encerramento, os Jogos Olímpicos hipnotizam em telas de TV tradicional e streaming. O padrão de transmissão brasileiro é baseado no ufanismo comercial, no exagero para se vender emoção. Campeões são elevados à categoria de heróis, e perdedores são tratados como coitadinhos.


Um elemento novo foi introduzido nesse universo na edição de 2024: a gritaria. Muitos colegas pareciam acreditar ter o poder de invocar medalhas na base do gogó. Alguns queriam ter participação maior nas conquistas do que a honra de contar a história dos verdadeiros campeões.


Seleção Brasileira Feminina de Vôlei comemora a medalha de bronze após vencer a Turquia Crédito: Divulgação/COB

A fusão desses elementos cria um ambiente de dramaticidade que gera audiência e retorno comercial. Atletas e ex-atletas convidados a atuar como analistas escancaram seus lados torcedores e, em muitos casos, fazem campanha de caridade em prol de seus esportes.


Há esportes que gozam de orçamentos e estrutura mais do que suficientes. O orçamento do Comitê Olímpico do Brasil destinou quase R$ 500 milhões para as confederações esportivas. Atletas de ponta de esportes mais ricos e populares são muito bem remunerados.


Com a opção preferencial pelo grito e pela emoção forçada, o que pouco se debate é que o Brasil segue sendo um país que gosta de esporte, mas não tem projeto esportivo.


O modelo vigente segue estruturado no seguinte caminho: o jovem atleta é descoberto na escola, dali vai para um clube social, se destaca e chega a uma seleção estadual e ao time nacional. Se tiver sorte, seu esporte terá torneios estruturados que ofereçam a ele a condição de se sustentar como atleta.


Falta construir uma pirâmide que possa dar sustentação para o esporte de alto rendimento no Brasil. Primeiro, é preciso aumentar a massa crítica através da facilitação do acesso ao maior número de esportes como política social. Quantas cidades brasileiras possuem equipamentos esportivos públicos? Piscinas, quadras, ginásios, pistas de atletismo?


Pesquisa realizada neste ano pelo Instituto Península, com mais de três mil professores de educação física brasileiros, trouxe números alarmantes. Segundo o levantamento, 94,7% dos professores apontaram falta de condição adequada nos espaços em que são ministradas aulas de educação física. Quadras inexistentes ou inadequadas, falta de material como bolas e ausência de vestiários.


Além disso, 79,8% dos professores revelaram ter pagado do próprio bolso por material para as aulas. A pesquisa ouviu profissionais de escolas públicas (86%) e particulares.


O esporte brasileiro de alto rendimento é dependente de verbas públicas. O ideal seria que o Governo, em todas as suas esferas, direcionasse investimentos para o desenvolvimento esportivo atrelado à educação e à saúde. Boa parte das federações esportivas é patrocinada por empresas estatais ou de economia mista e utiliza recursos de leis de incentivo ou verbas de loterias.


É preciso determinar prioridades e funções. Não cabe ao Comitê Olímpico do Brasil fomentar o esporte de base e construir as fundações da pirâmide. Mas ele é parte do processo para determinação de prioridades e desenhar o espectro esportivo de alto rendimento no Brasil. Cabe ao Governo inserir o esporte no pacote educacional gratuito, valorizar e desenvolver a profissão de educador físico e criar elementos que possam gerar a fusão dos dois mundos.


A Austrália, que tem uma população estimada em 27 milhões de pessoas, tem uma incrível história de sucesso esportivo na natação. Dados de 2020 mostravam que cerca de 5 milhões de australianos nadavam frequentemente e, desses, quase 4 milhões competiam regularmente.


O modelo competitivo é baseado em clubes, como no Brasil, e existiam quase mil e cem clubes de natação em 2020. A natação australiana conquistou 18 medalhas nos Jogos de Paris, duas a menos que o total do Brasil e quatro de ouro a mais. Praticamente 17% da população australiana nada competitivamente. Base de pirâmide sólida.


O exemplo mais bem-sucedido de projeto esportivo mundial é o dos Estados Unidos. Baseado no conceito de prática esportiva competitiva nas escolas, chegando ao esporte universitário e migrando para o profissionalismo comercial. A maioria das escolas públicas dos Estados Unidos oferece condições de prática esportiva que alguns dos clubes privados mais caros do Brasil não têm para seus atletas. Mesmo sem ligas profissionais milionárias em alguns esportes, os americanos conseguem resultados expressivos, como é o caso do vôlei, que só agora tenta implantar um torneio profissional.


Outros projetos esportivos de sucesso, como os da China e da Rússia, são herdeiros do modelo socialista, que utilizava as vitórias esportivas como propaganda ideológica contra o mundo capitalista. Coincidentemente, os modelos antagônicos bebiam da mesma fonte: esporte de base nas escolas.


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