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Sessenta anos do Golpe Militar no Brasil: ditadura, intolerância e perseguições políticas no Acre

Neste domingo, 31 de março, o Golpe Civil-Militar de 1964, que instaurou a Ditadura Militar no Brasil, completa 60 anos. Assim como nas demais unidades federativas, no pequeno, distante e recém-criado Estado do Acre, que menos de dois anos antes havia deixado a condição de território federal, os reflexos do golpe militar foram quase imediatos à derrubada do presidente João Goulart (Jango).


O primeiro governador do Acre eleito de forma direta em 1962 e empossado em 1963, José Augusto de Araújo (Feijó, 1 de janeiro de 1930 – Rio de Janeiro, 3 de maio de 1971), após uma breve e conturbada administração, foi deposto em maio de 1964 por um golpe implementado pela 4ª Companhia do Exército, tendo à frente o capitão Edgard Pedreira de Cerqueira Filho.


No entanto, análises de historiadores acreanos mostram que os movimentos políticos pela derrubada de Araújo do Palácio Rio Branco já se davam desde a sua eleição, após derrotar o favorito José Guiomard dos Santos, grande nome da “Autonomia Acreana”, passando a sofrer pressões externas e também internas no seu partido, o PTB, a partir de sua vitória sobre Oscar Passos na convenção, segundo observação do historiador Sérgio Roberto Gomes de Souza, da Universidade Federal do Acre (Ufac).


No artigo “Escrevo-te esta cartinha: memórias do golpe civil – militar no Acre, nas décadas de 1960 e 1970”, que faz a análise de cartas que foram escritas por amigos e familiares do ex-governador José Augusto de Araújo após a sua renúncia forçada, Sérgio Roberto e a também historiadora Francisca Janaina Silva de Souza mostram a existência de diferentes percepções do processo que marcou a destruição do regime democrático no país e seus reflexos no Acre.


“Parte dos acreanos, por diferentes motivos, parece não ter atentado, pelo menos a princípio, para os impactos que este ato traria a seu cotidiano. Uma das possibilidades é que a população do estado, por ser majoritariamente rural, tivesse dificuldades para acessar informações e serviços públicos básicos, tendo o poder público pouca participação em seu cotidiano”, diz a publicação.


Em uma das cartas analisadas pelo artigo, dirigida a Maria Lúcia Araújo, esposa do ex-governador, no dia 13 de junho de 1964, por Raimunda Gomes da Costa, a autora faz alusão à renúncia de José Augusto compreendida como “um processo já prefigurado, como algo já esperado, devidamente anunciado pela própria natureza, marcada nos dias que antecederam o ato, pelo sol encoberto e pássaros mudos.”


“[…] pois bem sei de todos os acontecimentos: Dona Maria, a renúncia do nosso governador abalou até a natureza; até a natureza se encarregava da tristeza, olhe Dona Maria só mesmo quem não quis observar os tempos; mas desde o mês de abril a natureza era triste, o sol não brilhava as noites eram turvas, os pássaros não cantavam parecia que algo tinha para acontecer”, diz um trecho da carta.


Também da Ufac, o historiador Francisco Bento da Silva, no artigo O golpe militar de 64 no Estado do Acre, Brasil: Denuncismo, fragilidade democrática e hipertrofia do executivo, afirma que as forças oposicionistas no estado viram no Golpe de 64 a possibilidade de abreviar o novo governo, como já havia sido tentado, inclusive, por meio de processo de impeachment na Aleac já em janeiro de 1964.


“No caso acreano, o golpe militar veio antecipar, de forma prematura, aquilo que as forças oposicionistas, principalmente ligadas ao PSD, não tinham conseguido: abreviar o governo de José Augusto. Por isso, estas forças são desde o primeiro momento entusiastas do regime de exceção instalado no país e no Acre em 1964”, diz o historiador.


Francisco Bento da Silva afirma ainda que as forças de oposição a José Augusto foram desde o início entusiastas do regime de exceção instalado no país porque o golpe, em âmbito nacional, serviu como um catalisador, abreviando a disputa entre duas frentes políticas que se mostravam fragilizadas no novo arcabouço institucional legado pelo fim do estatuto territorial.


Em outro artigo de Francisco Bento da Silva, escrito em coautoria com Jadson da Silva Bernardo: Ecos do golpe de 1964 no Acre: ditadura, intolerância e perseguições políticas, os historiadores abordam as narrativas e meandros do processo de deposição de Araújo, das prisões e perseguições dele e de outras pessoas ligadas ao seu partido, tendo como fonte principal um Inquérito Policial Militar – IPM aberto à época contra essas pessoas.


“Mortes, torturas, perseguições e medo fizeram parte da história na sociedade brasileira em âmbitos nacional e regional nos anos de ditadura civil-militar. No Acre, a fragilidade política do primeiro governador eleito por voto direto em construir uma hegemonia foi tragada em pouco menos de dois anos de mandato pela sua deposição, bem como pelas prisões e os processos jurídicos contra ele e as pessoas ligadas ao seu grupo político”, cita o documento.


O artigo também relata que pouco antes do Inquérito Policial Militar – IPM – que levou a deposição do governo de José Augusto de Araújo, pessoas ligadas a ele já se encontravam presas e em constantes interrogatórios desde o mês anterior. Alguns dos denunciados no IPM já estavam detidos sob a acusação de subversão.


Três deles, Ariosto Pires Miguéis (então diretor da Superintendência da Política Agrária – SUPRA), João Moreira de Alencar “Borborema” (mecânico e dirigente das Ligas Camponesas) e Hélio César Khoury (sociólogo e assessor político de José Augusto) foram detidos quando, supostamente, estariam tentando fugir rumo à fronteira do Brasil com a Bolívia.


Francisco Bento da Silva e Jadson da Silva Bernardo argumentam que a história política do Acre foi e é, hegemonicamente, marcada pela exaltação dos vencedores, das narrativas predominantemente oriundas das elites e dos grupos dominantes. “Na história dos vencedores não se permite perceber José Guiomard e Oscar Passos como homens com visões conservadoras, que agiam com interesses pessoais e perseguiam seus adversários políticos”, afirmam.


“Esse breve artigo nos possibilitou questionar algumas narrativas cristalizadas sobre alguns acontecimentos do passado e persistir na tentativa de inseri-lo sem uma narrativa historiográfica menos ufanista e de elogio aos vencedores. As múltiplas facetas deletérias do golpe civil-militar não podem ser negligenciadas como foram. É necessário relembrar, interrogar e escovar a história a contrapelo”, aduz outro trecho do documento.


Os autores sustentam também que os fatos abordados servem para alertar que o passado deixa “cicatrizes reais e metafóricas”, podendo aprisionar as pessoas a ele através do “falseamento e da mentira repetida como verdade única no jogo dual e simplista” de ver o mundo.


“Reconhecer os erros do passado como este é dever do Estado e das autoridades dirigentes a qualquer tempo, sendo esse o passo decisivo para seguir em frente e construir caminhos para que situações arbitrárias como 1964 nunca mais ocorram no país, vigiando qualquer ameaça do terror oficial”, observam.


Por fim, o artigo reflete que é cansativo observar que no contexto histórico atual, de profunda polarização política, os ressentimentos em relação ao passado não foram exorcizados totalmente nas cabeças e corações do conservadorismo de extrema-direita. “Servem de combustível para apologias gratuitas em defesa de tudo que vai em direção oposta aos valores democráticos, aos direitos humanos e à tolerância”, concluem.


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