A investigação da Polícia Federal sobre a invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ocorrida em janeiro deste ano, aponta que o valor de R$ 10,5 mil pago por um ex-assessor da deputada Carla Zambelli ao hacker Walter Delgatti Neto não teve relação com o crime, mas com a venda de garrafas de uísque.
A defesa do hacker diz que ele recebeu R$ 40 mil para tentar invadir sistemas do Judiciário, parte em transferências bancárias e parte em dinheiro vivo. O laudo se refere apenas aos R$ 10,5 mil, e não faz referência ao restante do dinheiro.
Delgatti, que está preso desde agosto deste ano, disse à PF que o valor de R$ 10, 5 mil, recebido de Renan Goulart, por meio de três Pix em fevereiro, era parte do pagamento para invadir sistemas do Judiciário. Goulart já foi assessor de Zambelli e hoje trabalha para o irmão dela, o deputado estadual Bruno Zambelli (PL-SP).
Em depoimento à PF, Goulart afirmou que fez os Pix para Delgatti porque o hacker lhe ofereceu garrafas de uísque. O assessor adquiriu a bebida e a revendeu para um terceiro. A PF ouviu o comprador final, que confirmou a história. Os investigadores também encontraram conversas de WhastApp que indicam que Delgatti de fato vendeu uísque para Goulart na data dos pagamentos.
O advogado Ariovaldo Moreira, que representa Delgatti, disse que o hacker “afirma veementemente que os pagamentos eram para invadir qualquer sistema do Judiciário”, para desacreditá-los.
Além dos R$ 10,5 mil, Delgatti recebeu R$ 3 mil, em novembro de 2022, de outro assessor de Zambelli, Jean Hernani de Sousa, que disse à PF que o valor se referia a serviços para as redes sociais e o site da parlamentar. Zambelli ainda não prestou depoimento à polícia. Ela já afirmou publicamente que contratou Delgatti, por meio de seu assessor, para cuidar de seus perfis e site. O serviço não foi prestado.
A invasão do CNJ resultou na expedição de um falso mandado de prisão contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O documento é assinado pelo próprio magistrado. Também foi inserida nos sistemas do CNJ uma falsa quebra de sigilo bancário de Moraes.
O inquérito sobre a invasão do CNJ caminha para a fase final. Não foi encontrada nenhuma conversa de Zambelli com o hacker em nenhum dos celulares apreendidos, de acordo com os laudos periciais que fazem parte do inquérito da PF.
Mensagens
As únicas mensagens trocadas entre Zambelli e Delgatti conhecidas até agora foram divulgadas pelo blog na semana passada. A deputada enviou dois áudios para o hacker, no ano passado, pedindo a ele o endereço de um ministro do Supremo. Os áudios foram encaminhados por Delgatti a um amigo — e não estão no inquérito.
Inicialmente, Zambelli disse que não se lembrava do contexto dos áudios, mas depois admitiu que pediu ao hacker para descobrir o endereço funcional de Moraes em Brasília. Segundo ela, sua mãe queria enviar uma carta ao ministro para “sensibilizá-lo” sobre as investigações que envolviam a deputada.
Junto com os dois áudios, Delgatti também encaminhou a seu amigo mensagens atribuídas a Zambelli: “Já publicou? E a decisão que fizemos? Essas contas são dele mesmo? Ah, precisava do endereço dele aqui em Brasília….”. Logo em seguida, Delgatti menciona que quebrou o sigilo de “Xandão”. O hacker encaminhou as mensagens a seu amigo em 26 de novembro de 2022.
Um laudo da perícia da PF mostra que, embora o falso mandado de prisão contra Moraes tenha sido inserido no CNJ em 4 de janeiro de 2023, o hacker já havia conseguido invadir o sistema dois meses antes, em 3 de novembro de 2022. Nessa data, o próprio Delgatti filmou a invasão. O vídeo foi apreendido pela PF.
Em um outro laudo, a perícia afirma que encontrou no computador do hacker uma falsa ordem de quebra de sigilo de Moraes “gerada em 25 de novembro de 2022” — um dia antes de Delgatti encaminhar a seu amigo as mensagens atribuídas a Zambelli.
O advogado Ariovaldo Moreira informou que vai enviar essas mensagens à polícia. O objetivo é demonstrar que Zambelli estava envolvida no crime.
A parlamentar nega que tenha tido conhecimento da invasão dos sistemas do CNJ e refuta a acusação feita por Delgatti de que participou da elaboração dos documentos falsos contra Moraes.