Uma possível colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), só será aceita caso ele aponte a identidade de outros envolvidos nos supostos esquemas criminosos, segundo juristas ouvidos pela CNN.
As informações de sua confissão, complementam os especialistas, precisam estar de acordo com outros meios de prova obtidos na investigação, como mensagens ou dados bancários.
A Polícia Federal (PF) e Mauro Cid estão negociando um acordo de colaboração premiada desde que, nas oitivas dessa semana, o militar começou a colaborar com as investigações nas quais ele está envolvido – que vão desde o esquema de venda ilegal de joias da Presidência até o esquema de manipulação de dados de vacinação contra a Covid-19.
A colaboração premiada está prevista na legislação, e consiste em um acordo entre o investigado e o poder público para fornecer informações que levem à identificação de outros envolvidos no crime, além da recuperação total ou parcial do proveito do crime e da localização de bens e valores relacionados ao crime – a colaboração é ainda mais ampla que a delação premiada, que visa identificar apenas outros envolvidos.
Em troca, o colaborador pode receber a diminuição da pena ou até mesmo o perdão judicial.
Segundo o advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, o militar assumiu toda a culpa durante seu depoimento à PF.
“Não colocou Bolsonaro em nada. Não tem nenhuma acusação em corrupção, envolvimento, suspeito de Bolsonaro. A defesa não está jogando o Cid contra o Bolsonaro”, disse o advogado a jornalistas na sexta-feira (1º).
Delação premiada pode mudar algo?
Para o promotor de Justiça e professor do Ibmec Clever Vasconcelos, a defesa de Cid está adotando a estratégia de “assumir essa responsabilidade como prova, para eximir o ex-presidente, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro ou quem quer que seja de responsabilidade penal”.
“Cid está dando uma versão para que tudo recaia nas costas dele. É estratégia. Daqui a algum tempo isso vai cair nas mãos do Ministério Público e pode convencer ou não a autoridade competente”, explicou Vasconcelos.
No entanto, o doutor em direito constitucional e mestre em direito penal Acacio Miranda aponta que uma possível colaboração ou delação premiada é um mecanismo utilizado para apontar culpados em crimes com mais de um autor.
“Quando as provas forem inerentes única e exclusivamente a atuação do delator, tem muito mais cara de confissão ou de ANPP [acordo de não persecução penal] do que de delação propriamente. Não teria lógica o Ministério Público aderir a um acordo nesse sentido sem que [Mauro Cid] implicasse terceiros”, explicou Miranda.
Ou seja, mesmo que Cid evite envolver Bolsonaro, um acordo de colaboração premiada envolveria a implicação de outras pessoas que atuaram com ele nos casos investigados pela PF.
Para Miranda, uma confissão de Cid só mudaria o rumo das investigações caso trouxesse fatos novos, que as autoridades não tivessem acessado até então. “Se o Mauro Cid referendasse alguma das provas contra Bolsonaro ou indicasse caminhos para que novas provas fossem produzidas, então ele poderia alterar estes rumos. O que não me parece o caso”, falou.
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo apontou que um ajudante de ordens da Presidência atuando para vender joias recebidas oficialmente pelo governo federal sem o conhecimento do presidente é uma tese difícil de se sustentar, mas que ele acredita que a defesa deve “jogar no limite”.
“Acho que vão investir na tese da confusão”, disse Cardozo. Ele acredita que Cid vai alegar que não recebeu orientações ou entendeu mal as orientações de Bolsonaro e que não sabia que era proibido vender as joias.
Para Cardozo, os outros meios de prova além da confissão – como mensagens trocadas por celular, dados bancários, etc. – servirão para comprovar ou desmentir a estratégia da defesa.