♪ OBITUÁRIO – Quando o RPM se reuniu em 2011, após idas e vindas, ninguém acreditava no grupo paulistano que se formara em fins de 1983, debutara no palco em maio de 1984 na cidade natal de São Paulo (SP), lançara o primeiro álbum em 1985, virara fenômeno em 1986 com o disco Rádio pirata ao vivo e, megalômano, começara a implodir em 1987 entre egotrips e competições internas dos integrantes por mais dinheiro e espaço dentro da banda.
Contudo, a descrença se dissipou assim que o grupo apresentou quatro (boas) músicas inéditas – Dois olhos verdes, Crepúsculo, Muito tudo e Ela é demais (pra mim) – em 15 de maio daquele ano de 2011. Bastava ouvir a melhor delas, Dois olhos verdes, para perceber que voltara a alquimia da parceria dos dois fundadores do RPM.
Não fosse a implosão da banda diante da fama avassaladora que mexeu com a cabeça dos músicos, o vocalista e baixista Paulo Ricardo e o tecladista Luiz Schiavon poderiam ter se firmado como parceiros fundamentais do rock brasileiro dos anos 1980. Ainda assim, algumas músicas da dupla de compositores – como Olhar 43, Rádio pirata, Juvenília, Louras geladas e A cruz e a espada, todas do primeiro antológico álbum do RPM, Revoluções por minuto (1985) – já são suficientes para garantir para ambos um lugar nobre na história do pop nacional.
A morte de Luiz Antônio Schiavon Pereira (5 de outubro de 1958 – 15 de junho de 2023) na madrugada desta quinta-feira (15), aos 64 anos, em decorrência de cirurgia feita em hospital de Osasco (SP) para controlar doença autoimune, põe em evidência a grande – e nem sempre reconhecida – contribuição do tecladista, compositor, arranjador e maestro nascido em São Paulo (SP) à música do Brasil.
Sem Schiavon, Paulo Ricardo nunca produziu música tão expressiva quanto as parcerias com o amigo do Brasil com quem entrou em contato em fins de 1983 ao vislumbrar em Londres, Inglaterra, a viabilidade de criar a banda que se tornaria o RPM. E a recíproca foi verdadeira: sem Paulo, Schiavon brilhou menos do que podia.
De fato, Luiz Schiavon se tornaria a alma e o mentor do som tecnopop new romantic do RPM, banda que ecoou no Brasil, com identidade própria, a sonoridade que a banda inglesa Duran Duran e o duo britânico Eurythmics exportavam para o mundo.
Era a época da New Wave. E a onda do rock se ergueu alta no mar da música brasileira na primeira metade dos anos 1980. A explosão do RPM no Brasil de 1986 foi tão forte que, no ano seguinte, a banda já gravou single com Milton Nascimento, ícone da MPB, antes de lançar o último álbum dos anos 1980 com a formação clássica do quarteto, Os quatro coiotes (1988), até o revigorante retorno com o show e disco Elektra (2011).
Formado em piano no Conservatório Mário Andrade em São Paulo (SP), em 1977, Schiavon foi inteligente para perceber a tempo que a paixão pelo rock progressivo geraria poucos frutos nos anos 1980 e que deveria investir no synth pop.
Como integrante do RPM, Schiavon virou popstar brasileiro e, na juventude, viveu os clichês do trinômio sexo, drogas & rock’n’roll com os colegas de banda e geração.
Com ou sem o RPM, Schiavon mostrou que era possível fazer excelente uso dos sintetizadores sem cair no pastiche sonoro. O artista foi coprotagonista de bela história encerrada na sexta-feira, 9 de junho, dia em que foi lançado o single Promessas, último lançamento fonográfico do RPM com Schiavon vivo. A composição é de autoria do tecladista em parceria com o guitarrista Fernando Deluqui.
De tom político, a música Promessas ecoou os tempos áureos em que, no manuseio dos teclados da banda RPM, Luiz Schiavon traduziu em sons os anseios da juvenília do Brasil dos anos 1980.