Juiz da Lava Jato manda PF investigar escuta ilegal encontrada na cela de Alberto Youssef

O juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, instou a Superintendência da Polícia Federal (PF) no Paraná para que instaure um inquérito sobre a escuta ilegal encontrada na cela do doleiro Alberto Youssef à época em que ele esteve preso na carceragem da corporação.


O magistrado considerou que sindicância da Corregedoria da Polícia Federal sobre o caso apontou “indícios concretos e documentados acerca do cometimento de graves delitos, em tese, na referida carceragem”.


Os relatórios da Polícia Federal foram encaminhados à 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba em maio, após determinação de Appio. Segundo o magistrado, a defesa de Yousseff tentava acessar a investigação interna da PF há nove anos sem sucesso.


O juiz da Lava Jato então analisou a íntegra da sindicância e decidiu oficiar a PF no Paraná, sob o argumento de que é “dever de toda e qualquer autoridade pública encaminhar notícia de fato supostamente criminoso à autoridade policial”.


Assim, a Superintendência Regional foi instada “para que, querendo, instaure o competente inquérito policial para a rigorosa e necessária apuração dos fatos”.


Ao todo, a Polícia Federal abriu quatro sindicâncias sobre a escuta encontrada pelo próprio Youssef em sua cela. O grampo teria captado diálogos do ex-doleiro entre 17 e 28 de março de 2014.


O primeiro procedimento sobre a escuta, aberto ainda em 2014, acabou arquivado sob o argumento de que não foi identificada “infração disciplinar” durante as apurações. Na ocasião, a conclusão da PF foi a de que o grampo estava inoperante.


Já no bojo de uma segunda investigação, a Corregedoria da PF entendeu que houve sim captação de áudio, comprovada por arquivos encontrados no computador usado pelo agente Dalmey Fernando Werlang.


Entenda o caso

Um laudo produzido pela Corregedoria da Polícia Federal confirmou que a Operação Lava Jato grampeou ilegalmente o doleiro Alberto Youssef e outros presos da força-tarefa em uma cela da carceragem em Curitiba em 2014. CNN revelou com exclusividade detalhes dessa investigação.


A defesa de Youssef passou anos sem ter conhecimento do resultado dessa investigação por conta de negativas do ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro.


Na sexta-feira (19), uma reportagem publicada na coluna Radar, da revista Veja, e confirmada pela CNN revelou que a defesa de Youssef planeja acionar a Justiça Federal em Curitiba para anular as condenações do doleiro e seu acordo de delação – que foi fundamental e serviu de “abre-alas” para a operação em 2014.


Como a história começou

Preso em março de 2014 pela Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef fez, em setembro daquele ano, um acordo de delação premiada, no qual confessou que lavava recursos de partidos – em um depoimento que levou a uma série de prisões e foi o primeiro grande marco da operação.


No primeiro mês de sua prisão, em sua cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Youssef encontrou uma “escuta ambiental” na carceragem e relatou a seu advogado.


A defesa de Youssef foi à Justiça denunciar a ação ilegal, e a PF abriu sindicância.


Em uma primeira averiguação, a polícia afirmou que aquele grampo estava esquecido na cela, inativo, e que havia sido colocado lá com autorização judicial quando o traficante conhecido como Fernandinho Beira-Mar ficou preso na mesma cela.


No entanto, um integrante da PF delatou que houve, de fato, grampo ilegal contra presos da Lava Jato, levando a Corregedoria da PF a entrar no caso.


Foi nessa segunda investigação que, com respaldo de perícia, foi confirmado que o grampo ainda funcionava e ouviu ilegalmente tanto Youssef quanto outros presos da operação naquela cela.


Dentre os presos pela Operação Lava Jato que foram captados pela escuta que estava na cela de Youssef estão: Carlos Alberto Pereira da Costa, Carlos Alexandre de Souza Rocha, Nelma Kodama e André Catão.


CNN apurou que o laudo dessa investigação da Corregedoria da PF foi solicitado ao menos três vezes pela defesa do doleiro, mas o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, negou.


Com a saída de Moro do caso para entrada na política como ministro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), uma nova petição foi feita ao atual juiz responsável pelos processos da Lava Jato, Eduardo Appio, sete anos após a Corregedoria concluir a investigação, em 2023.


Appio reavaliou o pedido da defesa, negado anteriormente por Moro, e concedeu o acesso a toda a documentação que, até então, estava sob sigilo.


CNN entrou em contato com todos os nomes citados que teriam sido ouvidos pela escuta ilegalmente.


O advogado Santiago Andre Schunck, que representa Nelma Kodama, disse que “solicitará acesso aos áudios para que também tome ciência de seu conteúdo. E registra desde já ser inadmissível no Estado Democrático de Direito os órgãos de persecução e investigação adotarem medidas alheias àquelas que estão legalmente previstas”.


A advogada Giovana Menegolo, que representa Alberto Youssef, confirmou o acesso ao laudo pericial e afirmou que deve tomar as medidas legais cabíveis. “Isso não pode ser admitido sob hipótese alguma num Estado Democrático de Direito”.


A defesa de André Catão disse que não tem manifestação a fazer.


Os detalhes da escuta ilegal da Lava Jato

CNN teve acesso aos detalhes do laudo da investigação da Corregedoria, que mostraram como o grampo chegou lacrado à Polícia Federal.


Os policiais questionaram o perito responsável se seria possível reativar dados que, por ventura, tivessem sido apagados da escuta, e a possibilidade foi confirmada.


No relatório da perícia, consta o nome do arquivo recuperado da lixeira e foram apontadas as datas que indicam o início e o término das gravações.


Youssef e outros presos da Lava Jato foram monitorados entre os dias 17 de março de 2014 e dia 28 daquele mês, ou seja, por 12 dias.


“Faz-se necessário os seguintes esclarecimentos: no último áudio, dia 28 de março de 2014, o áudio foi interrompido prematuramente devido à descoberta do dispositivo. Tal conclusão pauta-se pelo som causado pelo manuseio do receptor por quem o encontrou”, relatou a perícia no laudo, indicando o dia em que Youssef descobriu a escuta em sua cela.


O perito responsável acrescentou ainda que “o conteúdo dos áudios possui diversas passagens que levam a inferir que os interlocutores sejam presos da operação Lava Jato, encarcerados na sela da PF no Paraná”.


A perícia aponta algumas gravações específicas para corroborar a afirmação de que houve escuta contra presos da Lava Jato “acrescentando que há inúmeras outras passagens indicando ser o local das gravações a custódia da Superintendência da Polícia Federal”.


“No primeiro dia de gravações, 17 de março de 2014, alguns já se identificam como Carlos Alberto Pereira da Costa, Carlos Alexandre de Souza Rocha e Alberto Youssef. No segundo dia, dia 18, conversam a respeito dos itens apreendidos – entre eles, pinturas, canetas e bebidas –, tal fato foi noticiado na mídia naquela data”, acrescenta a investigação.


Em seguida, também aparece uma outra presa pela Lava Jato nas escutas: Nelda Kodama. “No terceiro dia, um outro preso aparece e se identifica como André Catão”, acrescenta a investigação.


O laudo da perícia foi produzido por um agente da PF em 4 de novembro de 2015, mas a apuração avançou posteriormente.


O documento da investigação conta com uma tabela que mostra à Corregedoria quais são os áudios captados pela escuta ilegal, uma descrição dos áudios que foram apagados e recuperados, além da identificação dos presos.


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