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Testemunha da morte de Chico Mendes supera o alcoolismo após mais de 20 anos com apoio do núcleo do MP

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“Me sinto uma nova pessoa. Um novo homem”. É assim que o auxiliar de serviços gerais Genésio Ferreira da Silva, de 46 anos, descreve o novo capítulo de sua história que está vivendo nos últimos anos após vencer o alcoolismo depois de uma longa jornada no vício, viver longe da família e de não poder criar a própria filha.
Natural da cidade de Xapuri, no interior do Acre, o auxiliar vivia na zona rural do município. Com poucas informações e orientações, o estreitamento da relação com a bebida começou logo cedo, quando ele tinha apenas 10 anos de idade.
Pouco tempo depois, vivenciou uma situação que marcaria para sempre sua vida. Quando ainda tinha 13 anos, foi testemunha da morte do líder seringueiro Chico Mendes. Todos estes marcos o levaram a longos anos no alcoolismo, doença contra a qual vem lutando, nos últimos anos.
Meu primeiro contato com o álcool foi ainda na infância, em uma festa de natal, tinha 10 anos quando me embriaguei a primeira vez. Depois disso, bebia todo final de ano e depois uma vez por mês, comecei a andar em festas, fui ficando dependente. Onde estivesse, queria e precisava beber alguma coisa”, relembra.
Os sinais de uma vida de uso contínuo do álcool ainda estão nas dores que sente no corpo e moral por ser excluído da sociedade, além da cicatriz de um tiro que levou no braço. São lutas diárias com as quais lida para poder traçar um novo capítulo em sua história.
Mas, em 2017, Silva decidiu mudar de vida e conseguiu dar o primeiro passo em direção à superação do alcoolismo, doença que mata mais de 3 milhões de pessoas por ano, no mundo todo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Essa mudança na vida dele começou depois de ser acolhido pelo trabalho do Núcleo de Atendimento Terapêutico Psicossocial em Dependência Química (Natera), do Ministério Público do Acre (MP-AC). O auxiliar de serviços gerais faz parte das centenas de pessoas que já foram atendidas pelo órgão desde o início de sua atuação, em 2013.

Fundo do poço
Com uma historia de vida conturbada, Silva afirma que, além da falta de orientação e começar a beber ainda criança, teve que ir embora do estado após ser uma das principais testemunhas no julgamento do fazendeiro Darly Alves, mandante do crime, e o filho dele Darcy Alves Ferreira, responsável pelo disparo de escopeta, fossem condenados a 19 anos de prisão pela morte de Chico Mendes.
Caí no fundo do poço, principalmente depois que fui embora do Acre para o Rio de Janeiro. Foram várias mudanças na minha vida, quando fui testemunha do caso Chico Mendes e tive que me afastar por segurança”, pontua.
Com essa mudança, as oportunidades que teve não foram ruins, mas o abalo emocional e distância da família mexeram com ele por não se adaptar.
“Estudei, concluí o ensino médio, mas nunca me adaptei. Quando fiz 18 anos recebi um bom dinheiro ao receber os direitos autorais do filme sobre a história do Chico Mendes, mas gastei tudo e fui pro fundo do poço, gastei com bebida e não me aprumei mais tão cedo”, explica.
Naquele tempo, o sonho dele era voltar para o Acre. Depois de lutar por isso, conseguiu retornar pelo programa de proteção à testemunha, só que continuou bebendo porque era a forma que tinha encontrado para encarar a realidade da vida. E o caminho que trilhava, já parecia não ter mais volta.
“Não me aceitava mais depois de passar por tanta coisa e não tinha mais sentido para a vida. Tinha apoio, as pessoas queriam me ajudar, mas não fazia a minha parte, faltava alguma coisa”, relata.
Com uma filha que hoje tem 25 anos, ele a viu a apenas uma vez, quando ainda era pequena, esta é uma das perdas que relata na vida, além do tempo, confiança e oportunidades.
“Dormia bebendo e acordava para beber, amanhecia me tremendo e precisava de uma dose de cachaça para me ‘equilibrar’ e ter coragem para fazer alguma coisa. Cheguei a ficar na rua, passar semanas, dormir nas praças. Era sem rumo.”
Hoje, são pouco mais três anos limpo. Mas, nem tudo foi ou é simples. Ao longo da jornada ele teve duas recaídas, mas voltou. Hoje, trabalhando como auxiliar de serviços gerais, ele guarda cada fase que viveu e o caminho, agora, já apresenta alternativas e não esquecer do que passou é motivo para não olhar para trás.

Trabalho de acolhimento do Natera ocorre desde 2013 — Foto: Arquivo/Natera


Natera foi meu escudo’
Genésio Ferreira começou a vislumbrar um futuro, quando em 2017, procurou o Natera que existe desde 2013, como estratégia do Ministério Público do Estado do Acre ao enfrentamento às drogas.
Desde então, já foram realizados mais de 8,6 mil atendimentos que englobam acompanhamentos, atividades educativas, estudo de casos, visitas, audiências, orientações por telefone, entre outros, feitos por meio do Natera.
“Passei pelo tratamento e estou de pé, me reintegrei à sociedade. Agradeço muito ao Natera porque eles foram meu escudo. Foi fundamental o cuidado, atenção e acolhimento que eles tiveram comigo. Aquilo me deu muita força e levantou minha autoestima. Via que estavam felizes quando vinham me visitar, então, tenho grande admiração por eles.”
O primeiro contato com o Natera foi por meio da indicação de um juiz, que devido ao quadro de uso contínuo do álcool, Silva não lembra dos detalhes de como foi essa indicação, mas ele afirma que foi o passo mais importante para que pudesse mudar de vida.
A promotora Patrícia de Amorim Rego, coordenadora geral do Natera, afirma que o órgão auxiliar tem sua atuação marcada pelo atendimento de pessoas, famílias e grupos que têm questões relacionadas ao uso prejudicial ou abusivo de álcool e outras drogas, bem como demais questões de saúde mental e outras vulnerabilidades e riscos sociais que afetam a dimensão psicossocial.
“O Natera é órgão de atendimento e articulação de redes, de elaboração de estudos e manifestações técnicas para atuação dos membros do MP, e apoio técnico operacional em estratégias relacionadas à avaliação, implementação ou indução de políticas públicas”, diz.
A coordenadora informa que no caso das pessoas com questões decorrentes do uso abusivo de drogas, o Natera atua em forma de acolhida por meio da escuta da pessoa, dos familiares, rede social de apoio e das redes de serviços quando já houver ocorrência de atendimentos prévios. Após o momento inicial, é realizada a mediação com os serviços de acordo com cada nível de complexidade apresentada pela situação de cada pessoa.
“Importante dizer que o Natera tem se consolidado como possibilitador de diálogos entre redes e destas com o sistema de justiça ofertando, não mais apenas ao MP, mas a diversos operadores do direito informações qualificadas, no âmbito extrajudicial e judicial, para fortalecimento do acesso à justiça – aos serviços, às políticas públicas, aos direitos de cidadania – deste segmento populacional crescente”, destaca.
Além disso, a coordenadora afirma que o Natera tem um papel estratégico porque aproxima a instituição dos reais problemas das pessoas. E mesmo durante o período crítico de pandemia do novo coronavírus, o órgão, conforme informou a promotora Patrícia Rego, não parou suas atividades.
“Considerando que o nosso público está nas ruas e essa realidade não mudou na pandemia, porque para essa pessoas, o isolamento social literalmente se deu na rua, o Natera buscou modernizar sua atuação abrindo novas formas de contato com a sociedade, as redes de proteção e o sistema de justiça. Por meio de estudo de casos semanais foi possível organizar linhas de cuidados para casos mais complexos que cotidianamente tem chegado ao MP-AC, desde o período mais crítico da crise sanitária”, explica.

Alcoolismo
Bruna Oliveira, psicóloga do Natera, do núcleo de apoio psicossocial afirma que o alcoolismo assim como o uso de outras drogas pode ser consequência de vários fatores.
“O alcoolismo, assim como o uso de outras drogas, é um sofrimento mental. Nós percebemos o uso abusivo de drogas como uma questão de saúde mental. Então, quando passa de um uso ocasional para uso problemático, a gente percebe que aquela pessoa precisa de cuidados em saúde mental”, explica.
Para a psicóloga, cada pessoa tem uma história e que não existe um fator específico que possa levar ao alcoolismo, mas situações como desemprego, luto, separação afetiva, traumas, violência e até mesmo a vulnerabilidade social, que causam sofrimento mental grave, podem ser gatilhos que levam a pessoa a não conseguir fazer o uso do álcool de forma recreativa.
“A questão do uso abusivo do álcool e outras drogas é multifatorial, então as pessoas usam drogas por vários motivos, em várias ocasiões e cada organismo reage de uma forma. Então, a gente não pode dizer que existe uma causa. O sofrimento é individual, cada pessoa tem uma história de vida e deve ser tratado dessa forma.”
A doença, segundo explica, pode afetar áreas do cérebro e algumas drogas quando usadas, se a pessoa tiver pré-disposição para transtorno mental, pode acelerar e agravar esse transtorno, como a esquizofrenia, por exemplo. “Ou com o passar do tempo, a pessoa também pode desenvolver um transtorno e a gente não tem como saber se veio antes ou depois.”
Bruna acrescenta que o foco do Natera é a saúde pública e a proteção social por meio dos serviços da rede pública de saúde e assistência social.
“Para evitar a judicialização, o Natera faz muitas resoluções de conflitos por meios alternativos, sempre com foco no indivíduo. A gente tenta olhar a pessoa e as suas problemáticas não com uma visão penalista, moral, mas com uma pessoa que tem um problema de saúde e precisa de atendimento”, explica a profissional.

Sonho
Vivendo, hoje, na Associação Caminho de Luz, em Rio Branco, Silva está trabalhando como auxiliar de serviços gerais e sonha em construir uma nova história.
Antes, ele vivia uma realidade de falta de confiança, mas agora, tem outros objetivos. Fazia bicos para manter o vício. Agora, trabalha para construir um futuro.
Era eu no meu canto, com meu sofrimento e a cachaça comigo. Não sabia por onde começar. Não estava daquele jeito porque queria. Estou me recompondo, fazendo meu tratamento, dia após dia. Sei que minha fraqueza é o álcool. Agora, procuro outros prazeres, bebo o chá da ayahuasca, trabalho, visito a família aos finais de semana para me manter distante, passeio, só que não vou tocar no que não posso. Recuperei minha autoestima, a confiança das pessoas que era tudo que eu queria e isso não quero mais perder.”
Silva diz que estava no ponto neutro. Mas, agora está tentando colocar as coisas no lugar e está pronto para engrenar a primeira marcha, depois a segunda e seguir a liberdade. Em 2015, ele chegou a lançar o livro “Pássaro sem rumo: Uma Amazônia chamada Genésio” e ele diz que o pássaro está pronto para encontrar um galho, pousar construir seu ninho e fazer morada. Nesse período estava em transição, buscando a cura e depois ainda teve recaídas, mas com a ajuda do Natera, está longe do vício.
“Era o nada do nada e não via luz, era tudo escuro e agora estou tentando organizar a vida, formar uma família e me preparar para ter um futuro tranquilo. Tudo é no tempo de Deus, então, sonho com uma família e casa própria e ter uma vida tranquila. Aquele tempo passou, mas novos tempos vêm”, conclui.


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