Nesta sexta-feira (12), em conversas com o g1, integrantes do Ministério da Fazenda ouvidos pelo portal afirmaram que o jogo Fortune Tiger, popularmente conhecido como Jogo do Tigrinho, pode ser liberado oficialmente no Brasil por plataformas de apostas estabelecidas no país e sites do exterior que o oferecem online seriam bloqueados pelo governo federal.
Isso tudo porque, segundo esses membros da instituição, o app possui quase todas as características necessárias para se encaixar na lei das bets, sancionada pelo presidente Lula no fim de 2023. Acontece que o jogo ganhou o foco dos noticiários do país por se tornar um vício insalubre aos seus usuários, que se endividam cada vez mais para ir em busca das promessas de ganhos que ele promove.
Em relatos para Marie Claire, mulheres expuseram o completo caos causado em suas vidas pelo descontrole nas apostas e a crença de que o lucro chegaria em algum momento, de dívidas que chegaram aos R$ 400 mil até a drástica decisão de tirar a própria vida por não enxergar saída para o tamanho do problema.
“Ela estava devendo mais de um milhão de reais”
No dia 12 de dezembro de 2023, a empresária Jessica Lobo recebeu uma ligação dizendo que a irmã, Ângela Maria Camila da Paz, de 39 anos, tirou a própria vida. Há alguns anos, Jessica se mudou para Zona Leste de São Paulo para empreender, enquanto a irmã ficou encarregada de cuidar da família que mora no interior do Ceará, em Missão Velha. “Ângela sempre foi muito certinha em relação ao dinheiro, era autônoma, tinha uma loja de roupas. E a aposentadoria da minha mãe, Zildene Maria, era ela quem administrava”, conta em entrevista a Marie Claire.
Em meados de 2022, lembra Jessica, a irmã mostrou a ela que estava começando a descobrir os jogos de aposta, como o “Jogo do Tigrinho” e do “aviãozinho” — ambos do site Blaze. “Fui de curiosa ver o que estava rolando. Apostei 40 reais e depois de duas horas percebi que aquilo era armação e alertei Ângela. Ela respondeu dizendo que descobriu o código do jogo e estava lucrando muito.” Os meses foram se passando e, por estar longe de sua cidade natal, Jessica não teve ideia de que o jogo aparentemente inofensivo estaria virando um vício para a irmã.
“Ela tinha uma pasta secreta no celular com o aplicativo, fazia depósitos todos os dias. Encontrei 54 páginas de depósitos no histórico do jogo, cada página tinha mais ou menos 40 depósitos. Os valores variavam muito, o menor era de R$100 e o maior de R$100 mil. Pelas minhas contas, Ângela ficou devendo mais de um milhão de reais no fim”, conta Jessica.
Ângela e Jessica sempre foram próximas, e a morte da irmã deixou a empresária abalada. “Eu senti raiva, ela deveria ter me falado, mas acredito que ela sentia vergonha. Ela não é culpada, nem eu. Mas, a pior parte foi quando encontrei um grupo no Whatsapp dela com outros ‘VIPs da Blaze’, em que ela mandava áudios chorando, falando que iria tirar a própria vida, por perder todo o dinheiro. Eles estimulavam ela a jogar cada vez mais. Do um milhão de reais que minha irmã apostou, ela ganhou ‘de volta’ só R$9 mil”, revela.
“Perdi 160 mil reais e tive vontade de acabar com a minha vida”
Vitória Damaceno Bittencourt começou a jogar por influência de uma produtora de conteúdo. Não imaginou que, meses depois, perderia as economias para comprar uma casa e teria empréstimos no banco para sustentar o vício. Três meses depois de quando começou, sem saldo para continuar jogando, Bittencourt retirou 11 mil reais de uma conta conjunta com o marido para dar entrada em uma casa.
“Ele sabia que eu jogava, mas achava que eu tinha total controle sobre as apostas. Ele não sabia que eu tinha pegado dinheiro da nossa poupança para jogar”, admite. Para não ser desmascarada, entrou no aplicativo do banco e, em poucos cliques, fez um empréstimo de 20 mil e ganhou 51 mil nas apostas. Como não conseguia transferir esse dinheiro de uma vez para a sua conta pessoal por uma política da plataforma, é claro que, durante esse tempo, Vitória usou o saldo disponível para jogar e perdeu tudo.
Ela calcula que, entre dinheiro do banco e economias, teve um prejuízo de 160 mil reais, sendo 110 mil só em dívidas bancárias. Sem saída, decidiu contar a verdade ao marido. “Eu não consigo descrever a culpa que senti. A dor era tão grande que eu tive vontade de tirar a minha vida”, desabafa. Embora o marido tenha ficado nervoso, decidiu ajudá-la. “Ele disse que a gente ia trabalhar e reconstruir a vida. Você só tem que querer”, conta.
“Me viciei em jogos de azar e devia para 46 agiotas”
A vendedora Sheila Macedo começou a apostar em casas de apostas online em 2019. Durante a pandemia, o vício piorou, porque ela começou a investir dinheiro em opções ainda mais arriscadas. “No começo, parece que você tem tudo sobre controle, falava para as pessoas que aquilo não era um problema e não queria que ninguém se metesse na minha vida. Lembro que após as primeiras apostas ganhei uns R$ 200 reais e aquilo se tornou a prova que eu podia crescer na vida.”
Por causa do vício e de passar todas as horas do seu dia jogando, Sheila acabou perdendo seu emprego no começo da pandemia da Covid-19, em 2020, e mantinha sua vida apenas com o pouco que ganhava nas apostas. Mas foi com o boom da divulgação desses aplicativos por parte de influenciadores em 2021, que sua situação se tornou uma bola de neve.
“Eu não ganhava na mesma proporção que perdia. E como necessitava jogar o tempo todo, comecei a pedir dinheiro emprestado. Foi quando tive o contato inicial com o primeiro agiota. Como estava sem emprego, eles não confiavam que fosse devolver, então pedia quantias baixas, como R$ 500, e dizia que iria devolver com juros de 50% no dia seguinte. Esses dois anos que fiquei jogando, pedi dinheiro para mais de 46 agiotas. Quando chegou no limite, estava devendo ao todo, com juros e tudo mais, cerca de R$ 400 mil.”, explica.
Foi a indicação de ajuda psicológica por parte de uma irmã, que não sabia o que Sheila vivia, mas suspeitava de algo grave, que começou o processo da sua cura: “Contei para a profissional das apostas, dos pensamentos, o quanto de dinheiro eu estava devendo e como me sentia envergonhada de tudo aquilo. Ela me mostrou que tudo poderia ser solucionado, mas pediu para falar com a minha família e eu autorizei.”
Frustrados, os parentes da assistente administrativa chegaram a discutir com ela sobre o caos que sua vida se tornou, mas não deixaram de lhe estender a mão e venderam duas casas e um carro da família para que ela quitasse o que devia. “Atualmente, 98% da dívida está paga e, se alguém comenta sobre esses jogos comigo, sinto nojo, nunca mais joguei. Meu maior intuito agora é mostrar que conseguimos vencer esse ‘câncer’ da geração, esse jogo que veio pra matar e destruir. Passei os piores dias da minha vida e não desejo nem para meu pior inimigo. Mas, com a ajuda dos familiares, do apoio psicológico e tratamento, hoje eu superei”, finaliza.