Foi somente em 2015 que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que casais homoafetivos se habilitassem para processos de adoção. Apesar de poder ser considerada uma decisão tardia, a autorização é um passo vital para vários casais. Este é o caso de Luciano Nascimento e Jackson Rodrigues, que moram em Rio Branco e são pais de Sofia, atualmente com 11 meses de idade.
Em 2019, eles deram entrada no processo para entrar na fila de adoção e em 2020, concluíram todos os trâmites, se disponibilizando a receber um menino ou uma menina com até dois anos de idade. Luciano relembra que por conta da pandemia de Covid-19, a espera acabou se alongando.
“Como era um processo longo, a gente estava construindo nossa casa própria e já demos entrada no processo, porque sabemos que é o processo demorado, e a pandemia fez com que o processo demorasse mais um pouquinho, e demorou três anos. A gente preenche os dados, o perfil da criança, e colocamos apenas a idade de zero a dois anos, sem raça, nem nada. E aí o sistema cruza as informações das crianças com o nosso perfil. A Vara da Infância ligou para a gente, e disse que tinha uma criança disponível, [e perguntou] se tínhamos interesse em conhecer”, relata.
Foi Jackson quem recebeu a ligação e ficou encarregado de avisar o marido. Ele conta que o momento em que foram chamados foi especial e gratificante em razão da espera. Sem saber se seriam pais de um menino ou uma menina, nem a idade da criança, ainda não haviam comprado itens como roupas. No dia 19 de outubro de 2023, Sofia chegou a sua nova casa.
“O momento da ligação é um momento especial, porque a gente passa por um longo período [de espera]. A gestação é um pouco mais longa, costumam dizer. Como a gente colocou nos nossos pré-requisitos que poderia ser menino ou menina, a gente acabou não tendo como se programar. Então, é tudo muito intenso porque eles me ligaram de manhã, e à tarde a gente já foi tentar correr atrás das coisas, porque como ela já tinha tido a destituição da família, eles falaram que a gente já ia recebê-la no dia seguinte. Mas foi gratificante, foi maravilhoso. A gente fica muito emocionado quando a gente recebe a ligação. Meu marido ficou mais [emocionado] que eu, porque a gente fica meio tentando processar as coisas. No dia seguinte a gente conseguiu levá-la para casa”, diz.
Rotina
Após pouco mais de oito meses com a menina, Luciano conta que o novo papel de pai mudou as rotinas dele e do marido. Ele, que gerencia uma loja de itens personalizados para festas de aniversário, consegue trabalhar em casa. Jackson, que é arquiteto, começou a trabalhar em horário corrido para chegar em casa às 14h e cuidar da filha.
“Quando ela chegou, era recém-nascida, então era tudo mais fácil, porque ela já tinha uma rotina, e naquela idade dormia muito. Conforme ela foi crescendo, foi ficando um pouco mais difícil. Não estou romantizando paternidade, porque tem seus momentos difíceis. Mas a gente sabe que aquilo é uma fase e vai passar. A gente só tem que se dedicar naquele momento, que dá tudo certo”, avalia Luciano.
Ele diz que ter uma criança é uma ficha que continua caindo, e que é gratificante poder cuidar de Sofia depois de todo o processo até a adoção. Nesta sexta-feira (28), dia do Orgulho LGBTQIAPN+, o casal compartilhou sua história para um vídeo publicado pelo Tribunal de Justiça do Acre. (Veja acima)
Para Jackson, chegar em casa e receber o abraço da filha, que foi tão esperada, faz todo o esforço valer a pena.
“Quando eu abro o portão, ela já sabe que eu estou chegando, e já corre para a porta e já vai me recepcionar, me abraça, e isso já paga meu dia. Porque acaba que a gente tem um dia estressante, e a criança com a inocência dela não sabe de nada. É muito gratificante, muito mesmo. Ontem mesmo eu estava olhando para ela e pensando: ‘Meu Deus, eu tenho uma filha’. É uma loucura esse sentimento na cabeça da gente”, comenta.
Amor da família
Natural de Boca do Acre, no interior do Amazonas, Luciano, que também foi adotado na infância, conta que conheceu a família biológica há pouco tempo, e com isso, Sofia pode contar agora com três famílias.
Ele diz que tanto seus parentes quanto os do marido apoiaram a decisão e sempre procuram por notícias da menina. Por enquanto, o casal não pretende adotar uma nova criança.
“A família do meu esposo é muito grande, e a minha também, e graças a Deus todo mundo recebeu de braços abertos, e ela é muito amada. Graças a Deus, a gente não teve problema com isso. Como a minha família mora em Boca do Acre, todo mundo está sempre perguntando por ela está, se está tudo bem. Graças a Deus, todo mundo a ama, assim como a gente”, celebra.
Luciano e Jackson são um dos milhares de casais homoafetivos que ajudaram a dobrar o número de adoções entre 2019 e 2023, com aumento de 113%. Em todo o país, cerca de 6% das adoções haviam sido feitas por casais compostos por pessoas do mesmo sexo até maio deste ano.
Apesar do apoio da família, Jackson revela que o casal já notou olhares surpresos de algumas pessoas ao passearem com a filha. Inclusive, ele relembra, já foram perguntados qual dos dois seria a “mãe” da criança ao visitarem uma pediatra. Mesmo assim, ele acredita que seja uma oportunidade para que as pessoas entendam melhor, e acredita que a adoção por casais homoafetivos seja uma conquista.
“Essa é uma conquista que a gente entende que não é para todos, porque tem uma série de requisitos que você precisa ter para você poder adotar uma criança, não é só chegar lá e vai conseguir adotar uma criança. A gente percebe ainda, não sei se porque a gente mora numa capital que é pequena, ainda existe um pouco de olhares, as pessoas ficam surpresas quando a gente anda com ela, até na primeira vez que a gente foi ao shopping com ela. Mas eu acho bom, porque as pessoas de alguma forma estão aprendendo. A minha família, por exemplo, passou a entender mais, a família dele [Luciano] também. As pessoas conseguem ver como algo normal, que é como deve ser”, afirma.