O indiciamento dos policiais militares Cleonizio Marques Vilas Boas e Gleyson Costa de Souza pela morte da enfermeira Géssica Melo de Oliveira, de 32 anos, deixou a família da vítima mais confiante sobre uma possível condenação dos suspeitos. O vigilante José Nilton, irmão da vítima, contou ao g1 que espera que os militares voltem para a cadeia.
“Vamos ficar contentes quando esses canalhas estiveram presos, que o lugar que merecem estar é na cadeia. Não têm capacidade para estar no meio da sociedade e nem de nos representar”, desabafou o vigilante.
Ainda segundo o vigilante, a perícia e o resultado do inquérito comprovaram o que a família já sabia: que Géssica não estava armada no dia do crime.
“Só mostrou o que a gente já sabia, a família e os amigos mais próximos. Todos tinham a certeza que aquilo não tinha nada a ver com ela. Só mostrou a verdade ao público. Perícia não mente, mostra a verdade. Esperamos que sejam denunciados e julgados. Minha irmã não volta, mas também acabaram com a vida deles. Destruíram três famílias: as deles e a nossa”, acrescentou.
A enfermeira tinha três filhos, sendo dois meninos e uma menina. Atualmente, as crianças moram com o pai e com a avó materna. José Nilton conta que os sobrinhos sempre perguntam pela mãe. “Eles estudam perto da minha mãe e, às vezes, ficam com pai ou dormem lá na minha mãe mesmo. O mais velho vai fazer 12 anos, outro tem 7 anos e menor tem 3 anos”, concluiu.
Inquérito concluído
O inquérito policial foi concluído nesta segunda-feira (17) e foi presidido pelo delegado Rômulo Barros. Cleonizio Marques Vilas Boas e Gleyson Costa de Souza foram indiciados por homicídio qualificado, na forma tentada e consumada, e fraude processual.
Os policiais foram presos horas após a morte de Géssica, no dia 2 de dezembro de 2023. Em fevereiro deste ano, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) decidiu pela prisão domiciliar dos policiais militares. Além disto, ambos também foram liberados para trabalhar em funções administrativas.
Veja abaixo o indiciamento de cada um:
- •Cleonizio Marques Vilas Boas – indiciado por homicídio qualificado por recurso que impossibilitou a defesa da vítima, por motivo fútil e fraude processual
- •Gleyson Costa de Souza – indiciado por tentativa de homicídio qualificado por recurso que impossibilitou a defesa da vítima, por motivo fútil e fraude processual
Géssica furou um bloqueio policial, no dia 2 de dezembro de 2023, em Capixaba, foi seguida por uma viatura da Polícia Militar, que pediu reforço ao Gefron e a Polícia Rodoviária Federal (PRF-AC), até a cidade de Senador Guiomard, onde terminou a perseguição. Segundo a família, a enfermeira sofria de distúrbios psicológicos e tomava remédios controlados. Ela morreu após ser baleada durante a perseguição na BR-317.
Na época, a coordenação do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) informou que um policial da equipe viu a motorista com uma arma nas mãos e atirou em direção ao carro na tentativa de pará-lo. Após os disparos, nas proximidades da entrada do Ramal da Alcoolbrás, a enfermeira perdeu o controle do veículo, entrou em uma área de mata e bateu o carro em uma cerca.
Após a morte, a polícia divulgou ter achado uma pistola 9 milímetros jogada próximo do local do acidente. A arma é de uso restrito das forças armadas. A família negou que a arma encontrada fosse de Géssica. Durante as investigações, ficou comprovado que a arma encontrada no local do acidente não pertencia à vítima e nem possuía seu DNA.
O carro da enfermeira foi atingido por, ao menos, 13 tiros de fuzil durante a perseguição. Isso é o que apontou o laudo pericial criminal feito pelo Departamento de Polícia Técnico-científica anexado na investigação do Ministério Público Estadual (MP-AC). De acordo o laudo, foram utilizados dois fuzis com calibres 762 e 556, sendo o calibre 556 o que atingiu o maior número de vezes o veículo da enfermeira.
Um dos disparos efetuados do fuzil 762 foi responsável por matar a enfermeira. O tiro atingiu o carro, transfixou a estrutura e feriu Géssica.
“A vítima Géssica Melo de Oliveira foi morta por uma perfuração de arma de fogo produzida por um projétil de fuzil calibre 762, de altíssima energia, que transfixou a vítima. Este projeto é compatível com o fuzil calibre 762 apreendido com o senhor Cleonizio Marques Vilas Boas”, aponta o processo.
O MP-AC também instaurou um procedimento investigatório criminal para apurar possível crime de homicídio doloso que teria sido praticado pelos militares. A investigação ocorreram independentemente da apuração das corregedorias das polícias Civil e Militar.
O que diz o inquérito
Conforme o inquérito policial, as armas dos policiais foram apreendidas e enviadas para a perícia. Três dos tiros que atingiram o carro foram efetuados por Gleyson Costa de Souza e três por Cleonizio Marques Vilas Boas. Um dos tiros disparados por Cleonizio atingiu Géssica, que perdeu o controle do carro e entrou na área da fazenda.
“Durante todo o trajeto, exceto no momento em que foi abordada no posto fiscal de Senador Guiomard, a vítima permaneceu com a porta e vidros fechados”, diz o inquérito.
Ainda segundo o processo, após a enfermeira parar o veículo, os policias do Gefron foram os primeiros a desembarcar e fazer a contenção da área onde o carro tinha parado. Logo depois chegaram as demais viaturas.
Os policiais do Gefron quebraram o vidro traseiro e do lado da motorista, retiraram a enfermeira e um PRF prestou os primeiros socorros. O policial rodoviário federal relatou aos colegas que Géssica estava sem pulso e a ambulância foi acionada.
Enquanto isso, a vítima foi colocada dentro da viatura do Gefron, na parte de trás, e levada para o hospital de Senador Guiomard. No trajeto, a equipe encontrou a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e entregou a enfermeira aos cuidados da equipe.
Após deixarem a vítima com o Samu, os policiais do Gefron voltaram para o local do acidente e acionaram outra guarnição para acompanhar a enfermeira no hospital.
Segundo o processo, ao chegar no local do acidente, o policial Cleonizio Vilas Boas avisou aos policiais rodoviários federais que iria se aproximar da área isolada para procurar um telefone que havia perdido, ‘momento em que implantou a arma de fogo’.
“Após a chegada da perícia, a área foi devidamente isolada e os trabalhos periciais iniciaram, tendo sido encontrada a suposta arma de fogo utilizada pela Géssica, a qual, ao final, foi demonstrado ter sido implantada no local”, destaca a investigação.
Segundo a perícia, um policial do Gefron se aproximou do perito, que coletava as provas no local, e falou ter visto uma arma de fogo na mão da motorista e que era para procurar próximo ao carro.
Depoimentos
Ao todo, a Polícia Civil ouviu 18 policiais, entre militares do Gefron, de Senador Guiomard e Capixaba e da Polícia Rodoviária Federal, quatro testemunhas e dois trabalhadores que atuavam em uma obra na estrada na época da perseguição.
Na maioria dos depoimentos, os envolvidos falaram sobre o início da perseguição, após Géssica furar uma blitz em Capixaba, e a perseguição com as equipes policiais. Na época, duas equipes do Gefron estavam envolvidas.
Apenas os policias do Gefron alegaram que a vítima estava armada. O carro de Géssica foi perseguido inicialmente pela PM de Capixaba, depois por duas viaturas do Gefron, uma equipe da PRF e outra da PM de Senador Guiomard.
Durante o acompanhamento, a viatura do Gefron composta pelos policiais indiciados e um terceiro PM ultrapassou o carro da PM de Capixaba e ficou mais próximo do carro da vítima. Em depoimento, o Cleonizio Vilas Boas alegou que ‘viu uma mão saindo com uma arma, momento em que gritou: ‘uma, uma arma’.
Ele negou que a vítima tivesse atirado, mas seguiu afirmando ter visto uma arma na mão da vítima. O sargento Gleyson Costa de Souza também gritou e o militar disparou três vezes e o colega duas vezes.
O sargento Gleyson disse em depoimento que Géssica estava viva e reclamava de dor quando a equipe policial chegou no carro. Ele também alegou ter visto a vítima com uma arma na mão, ainda durante a perseguição, mas não soube especificar em qual mão.
O terceiro policial que ocupava a viatura do Gefron afirmou que os disparos começaram depois de Cleonizio gritar ter visto uma arma com a vítima. Ele disse que viu ‘algo para o lado de fora’ do carro em determinado momento. A equipe da PRF negou ter visto Géssica com uma arma de fogo.
Os policiais envolvidos na perseguição afirmaram que não sabiam que o carro era conduzido por uma mulher.
O g1 entrou em contato com a defesa dos policiais e aguarda retorno.
Fraude processual
A investigação do MP-AC já havia concluído indícios do crime de homicídio doloso, com intenção de matar, aliado ao crime de fraude processual, após os policiais inserirem uma pistola no local do ocorrido, dizendo pertencer à vítima.
A fraude processual também ficou evidenciada pelo fato de os familiares da vítima terem demonstrado não haver qualquer indícios de que houve capotamento no veículo da enfermeira, o que foi comprovado pela perícia.
Fonte: G1 Acre