O dentista Igor Leonardo Soares Nascimento está sendo investigado pela Polícia Civil por exercer ilegalmente a profissão de médico ao ter praticado cirurgias estéticas proibidas pelos conselhos profissionais. Uma das pacientes dele perdeu parte do nariz após um procedimento feito em 2020, em Aparecida de Goiânia. Elielma Carvalho afirma que se sente enganada por ter confiado no dentista.
“Eu me sinto enganada, porque, quando eu fui na clínica dele, ele falou que era capacitado para fazer essa cirurgia, mostrou fotos de pessoas que já tinham feito. […] Ele me falou: ‘Não se preocupe, você vai ficar maravilhosa! Eu estou acostumado a fazer’. Então, ele me passou confiança”, lamentou Elielma em entrevista à TV Anhanguera.
O g1 entrou em contato com o dentista Igor Leonardo e com o advogado dele, por meio de mensagem enviada à 18h05 de quarta-feira (22), solicitando um posicionamento sobre a investigação da polícia e também sobre o caso de Elielma. Mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve retorno.
Em janeiro deste ano, o dentista tinha enviado nota informando que o problema de Elielma não foi decorrente da cirurgia, e sim uma síndrome desenvolvida após uso de medicamentos, o que causou a necrose. Ele afirmou ainda que deu todo atendimento à paciente (leia nota na íntegra ao fim do texto).
Elielma fez uma cirurgia chamada alectomia, que consiste na redução das narinas, em junho de 2020 (entenda sobre o procedimento no final da reportagem). Inicialmente, ela acreditou que o procedimento tinha dado certo, mas, com o passar dos dias, começou a sentir fortes dores e alterações no rosto.
A paciente manteve contato com o dentista, pedindo e recebendo orientações. Quando a situação ficou muito grave, os dois foram até uma unidade de saúde para que ela recebesse o atendimento necessário.
Desde então, a mulher precisa usar um alargador nas narinas para conseguir respirar. Além disso, já realizou 17 cirurgias de reparação, incluindo enxerto de pele e gordura e a reconstrução de uma das narinas.
Em agosto de 2020, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) publicou uma resolução que proíbe dentistas de realizarem alguns procedimentos estéticos, entre eles a alectomia. O motivo disso foi a percepção de que muitos profissionais da odontologia estavam extrapolando suas áreas de atuação, realizando procedimentos estéticos e cirúrgicos totalmente fora do âmbito odontológico.
Danos psicológicos
Além do dano material e estético, Elielma diz que a cirurgia lhe causou problemas psicológicos. Ela abandonou todas as atividades que envolviam sair de casa por vergonha de como seu rosto ficou.
“Minha vida parou. Eu fico só de máscara porque tenho vergonha, as pessoas ficam olhando. Se eu saio de casa para comer, eu como dentro do carro. Não participo de mais nada”, afirmou
Elielma é esteticista, mas conta que abandonou a profissão. Além da vergonha, ficou com trauma de fazer algo em algum paciente que possa gerar o sofrimento que ela tem atualmente.
“Fiquei com medo de fazer algo errado e causar um dano, assim como eu sofri”, desabafou.
Processos
Em janeiro deste ano, a polícia indiciou Igor Leonardo por exercício ilegal da medicina e por lesão corporal no caso de Elielma. Após o indiciamento, o dentista se tornou réu na Justiça e, em maio deste ano, teve o registro profissional suspenso.
Elielma entrou com uma ação na Justiça contra o dentista por danos morais, materiais e estéticos. Ela pede R$ 42 mil. Um dos processos tramita na esfera criminal por lesão corporal grave. Ainda não há sentença em nenhum dos casos.
“Nós estamos aqui para que a Justiça seja feita de uma forma legal e moral, para que outras mulheres não passem pela mesma situação da minha cliente”, afirmou a advogada Rosália Cabral.
Nova investigação
Nesta quarta-feira (22), a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão na clínica de Igor Leonardo e de outros três dentistas, com atuações em Aparecida de Goiânia e na capital.
Segundo a polícia, todos os dentistas investigados são suspeitos de realizarem procedimentos estéticos que só são permitidos para médicos especializados em cirurgia plástica, como a retirada de pele das pálpebras (blefaroplastia), alteração do formato do nariz (alectomia e rinoplastia) e outros.
Nesta quarta-feira, os perfis de Igor Leonardo e dos outros três dentistas investigados foram retirados do ar por determinação judicial.
Alectomia
A alectomia é feita para reduzir as asas nasais. A técnica é, teoricamente, simples: com uma anestesia local, o profissional corta um pedaço dessas estruturas que circundam as narinas e fecha com pontos.
O Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) disse que o procedimento é um ato médico e, portanto, “deve ser realizado apenas por médicos”. A entidade disse o combate ao exercício ilegal da medicina tem sido feito com rigor.
Nota do dentista Igor Leonardo à época
“Sou cirurgião dentista há 19 anos. Especialista em implantes dentários, ortodontia e ortopedia funcional dos maxilares, estética bucal, e harmonização facial avançada.
O problema do caso da Elielma foi uma reação que aconteceu após o procedimento que se chama Síndrome de Nicolau, que é um raro agravamento de vasos sanguíneos após o uso de medicamentos injetáveis. Algo muito raro de acontecer e foi devido ao preenchimento realizado no nariz dela e não pela cirurgia como estão falando.
O fato dela ter demorado muito a buscar minha ajuda após o procedimento agravou muito a situação. Quando ela voltou até mim, que foi 3 dias depois, já estava ruim a situação. E, infelizmente, fiquei de mãos atadas e por isso ela sofreu sequelas tão graves.
Sobre a indenização, o que a Justiça determinar eu o farei. Me sensibilizei muitíssimo com o caso da Elielma e jamais desejei algo de ruim, sempre fiz e farei o melhor pelos meus pacientes.
Não foi a cirurgia que gerou o problema da paciente Elielma.
A Síndrome de Nicolau, também conhecida como Embolia Cutis Medicamentosa e Dermatite Livedóide, é uma rara complicação caracterizada por necrose tecidual que ocorre após a injeção de medicamentos que foi o caso dela.
Inclusive a referida paciente teve meu total suporte e apoio nos tratamentos que realizou após este episódio. Me sensibilizei bastante com o problema dela. Custeei os medicamentos e tratamentos posteriores com outros colegas. Nunca a deixei desamparada em termos financeiros e acompanhei de perto seu tratamento posterior ao ocorrido.
Infelizmente nós profissionais da área estamos sujeitos a intercorrências que não são da nossa vontade. Sigo à disposição dela sempre que for preciso. E qualquer que seja a decisão judicial eu mesmo farei o possível para colaborar com ela”.