Uma artesã de Cubatão (SP), morta após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), salvou a vida do próprio marido ao dizer ‘sim’ para a doação de órgãos. Antes de morrer, Sibele Augusta Caputo Silva, de 53 anos, deu uma nova chance ao esposo, Mário Luiz da Silva, 58, com a possibilidade de ser a doadora do rim que ele tanto precisava. Ao g1, nesta quarta-feira (4), ele revelou que estava na fila do transplante há mais de 10 anos.
“A morte não vai separar a gente. Vamos morrer juntos porque um pedaço dela está dentro de mim. Isso que está dando forças para a gente continuar”, destacou o servidor municipal Mário Luiz, em entrevista ao g1.
De acordo com ele, a esposa foi a principal incentivadora para cuidar da saúde e já tinha oferecido doar o órgão em outras oportunidades, mas ele relutava. Mário ainda contou que só descobriu o problema renal por insistência de Sibele, que pediu para o homem procurar um médico devido a um inchaço nas pernas dele.
“Os exames mostraram que eu já tinha perdido a função renal de um rim e o outro estava em falência. Imediatamente fiz a fístula e falaram que teria que fazer hemodiálise [procedimento em que uma máquina filtra e limpa o sangue, fazendo parte do trabalho que o rim doente não pode realizar]”, relatou o servidor.
Ao receber a notícia, Mário e a esposa viajaram para Minas Gerais para cuidar da mãe dela que estava doente. “Infelizmente minha sogra faleceu muito rápido. Então nós optamos por aproveitar a vida enquanto eu não ia para hemodiálise. Viajamos para tudo que é lado […]. Eu tive tempo de aproveitar a vida graças à ela”, relembra.
Em seguida, ele começou o tratamento com hemodiálise. Desde então, Mário tinha recebido duas oportunidades de transplante que não deram certo, até que, em agosto, Sibele sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ela ficou internada por 20 dias, mas após uma complicação em cirurgia, teve a morte cerebral decretada.
Segundo Mário, a família ficou muito abalada com a morte repentina, mas optou por fazer a doação de órgãos, já que era uma vontade que a artesã manifestou ainda em vida. “Houve dificuldade entre a dor e a decisão, mas de repente aparecem uns anjos na vida da gente”, explicou Mário, dizendo que um médico “deixou a alma da família tranquila”.
Além dos rins, as córneas de Sibele também foram doadas. Os outros órgãos só não foram para doação, pois tinham sido prejudicados pelos medicamentos que a artesã tomou na internação.
Mário passou pela cirurgia para receber o rim da esposa no dia 15 de setembro em um procedimento que durou quatro horas. “Era o que ela queria e eu também para sair do sofrimento da hemodiálise”, afirmou.
Agora, ele espera que a história da esposa sirva de inspiração para a doação de órgãos. “Tomara que ela ajude muito as pessoas a se conscientizar para doação. Existe um problema de ser a família que decide, porque tem família que não colabora. Temos que conscientizar a família da importância da doação”, ressaltou.
Doação de órgãos
Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), para receber o órgão de um doador morto é necessário estar inscrito na lista única de receptores da Central de Transplantes do Estado onde será feito o transplante.
No caso de rim de doador vivo, tanto os parentes, quanto os não parentes podem ser doadores, sendo necessária uma autorização judicial, ainda de acordo com a SBN.
“São feitos vários exames do doador para se certificar que apresenta rins com bom funcionamento, não possui nenhuma doença que possa ser transmitida ao receptor e que o seu risco de realizar a cirurgia para retirar e doar o rim seja reduzido”, explicou a SBN.
Causa
Mário contou que a experiência dele em anos de hemodiálise lhe motivou a falar sobre a dificuldade do procedimento e, em uma conversa sobre o assunto com a esposa, ela deu a ideia de criar uma organização não governamental em prol do público com problemas renais.
A partir daí, o casal criou o Centro de Apoio ao Paciente Renal e Transplantado da Baixada Santista e participou de diversas campanhas. “Mas descobri que a autoestima de quem faz hemodiálise é muito baixa, é muito sofrimento, então as pessoas não deram muita atenção pra isso”, lamentou.
Mesmo assim, Mário ainda sonha com um projeto que ajude o público distribuindo cestas básicas e disponibilizando um veículo para transportar pessoas que precisem de transplante a qualquer hora do dia. “Porque tem gente que não tem condição”.
Casal
Mário e Sibele se conheceram na década de 1980 quando o servidor municipal foi passar um fim de semana em Minas Gerais, onde ela morava.
“Começamos a namorar à distância, eu morava em Cubatão e ela em Minas” relembrou o homem, dizendo que conversava com a companheira somente por telefone.
“Em três meses noivamos e, em seis, casamos. Todo mundo falava que não daria certo, que a gente não se conhecia direito. Durou 30 anos”, afirmou.
Já casados, eles compraram o próprio terreno e começaram a construir a vida juntos em Cubatão. “Temos dois filhos, um de 25, outro de 30 e um netinho que é nosso xodó “, finalizou.