Arábia Saudita reúne 40 países em busca de acordo de paz entre Rússia e Ucrânia

Após mais de 500 dias de conflito desde que a Rússia invadiu o território ucraniano, o mundo assiste à primeira grande mobilização global na busca por um ponto final na guerra que destruiu a Ucrânia e deixou dezenas de milhares de mortos, entre civis e militares, dos dois países. Tem início neste sábado (5) em Jeddah, na Arábia Saudita, um encontro com representantes de 40 países para elaborar um documento contendo os itens necessários para um futuro e eventual acordo de paz.


Jeddah sediou, em maio deste ano, a Cúpula Árabe, que reuniu nações do Oriente Médio e do Norte da África e foi um marco global por marcar o retorno diplomático do presidente da Síria, Bashar Al-Asad, que havia sido isolado desde o início da guerra civil na Síria. No evento, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky apareceu como convidado. Dessa vez, ele retorna como peça central da reunião.


Essa reunião não buscará propriamente um acordo de paz, já que um dos lados do conflito – a Rússia – não foi convidada a participar. O objetivo é elencar quais itens podem constar em uma lista de propostas.


Essas exigências, fechadas após o evento em Jeddah, receberiam apoio da maior parte dos países relevantes do mundo, aumentando as chances de serem aceitas em uma cúpula da paz com que boa tarde dos atores globais sonham.


O encontro, que segue até domingo, acontecerá em Jeddah, na Arábia Saudita, e contará com chefes de estado, conselheiros de segurança nacional e altos diplomatas de 40 países. Além dos anfitriões e da Ucrânia, principal interessada em um acordo de paz, o encontro contará com a participação de países que participam do esforço de guerra em apoio aos ucranianos, como a União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos.


A principal conquista do encontro, no entanto, foi arregimentar potências emergentes que se mantiveram neutros em relação ao conflito, como Índia, Brasil, Turquia, Indonésia e África do Sul. Algumas dessas nações chegaram a condenar a invasão do território ucraniano pela Rússia, mas não forneceram nenhum tipo de suporte militar.


China confirmada

Nenhuma participação, entretanto, terá tanto peso quanto a da China. Na sexta-feira, o Ministério das Relações Exteriores chinês confirmou a presença do enviado especial chinês para assuntos da Eurásia, Li Hui, a Jeddah para as negociações.


“A China está disposta a trabalhar com a comunidade internacional para continuar a desempenhar um papel construtivo na promoção de uma solução política para a crise na Ucrânia”, disse Wang Wenbin, porta-voz do ministério chinês, em comunicado.


A participação da China é crucial para o avanço das negociações por diversos fatores. Em primeiro lugar, por ser um país muito próximo da Rússia. Pequim tem se recusado a condenar a invasão à Ucrânia desde o início, e manteve com solidez seus laços diplomáticos com Moscou. As relações econômicas, inclusive, seguem firmes e fortes.


O segundo ponto que torna a China um ator primordial está no fato de ser, hoje, a grande potência econômica e militar a fazer frente aos países do Ocidente, como Estados Unidos e nações europeias. Sua política externa tem sido fortemente trabalhada justamente neste sentido, de se colocar quase que como uma antagonista ao esse bloco ocidental.


Por esses dois motivos, ter a China como um potencial aliado nas tratativas de paz coloca uma pressão extra sobre o presidente russo Vladimir Putin. Desde que ele iniciou o que chama de “operação militar especial”, as tropas russas vivem um dos momentos mais difíceis no front, perdendo territórios que havia ocupado logo no início do conflito.


É justamente essa pressão sobre a Rússia que os organizadores da cúpula em Jeddah pretendem destacar nos dois dias de trabalho. Ao reunir não só os países da Otan, mas também países neutros como a China e potências emergentes, a Rússia ficará cada vez mais isolada e terá apenas as nações satélites como Belarus e Turcomenistão como parceiras.


Um passo à frente

Para chegar a esse evento em Jeddah foram necessários vários passos preliminares. Uma cúpula nos mesmos moldes chegou a ser realizada no final de junho em Copenhague, na Dinamarca. A ausência da China, no entanto, acabou esvaziando o evento, que se tornou apenas mais um encontro de aliados ucranianos em busca de pressão unilateral sobre a Rússia.


Ao mesmo tempo, outras iniciativas foram ventiladas. Um grupo de nações africanas, lideradas pela África do Sul, se reuniu com Putin e com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em separado. As nações, que se mantiveram neutras desde o início do conflito, reforçaram a preocupação com a crise no preço dos grãos causado no conflito e que tem afetado especialmente as nações mais pobres.


Embora os líderes tenham voltado de mãos vazias, recentemente a Rússia admitiu que os itens propostos podem ser aproveitados em futuras negociações. Boa parte desses itens, inclusive, devem ser debatidos em Jeddah.


Zelensky animado

O presidente da Ucrânia tem mostrado animação com o evento, que vai reunir não só seus mais importantes aliados mas também os países que têm insistido na neutralidade, como o Brasil.


Na sexta-feira, Zelensky se pronunciou nas redes sociais sobre sua expectativa em relação ao confronto. “Estamos avançando passo a passo em direção à Cúpula da Paz Global. É muito importante que o mundo veja: um fim justo e honesto da agressão russa beneficiará a todos no mundo”.


Um dos fatores que deixou Zelenky otimista com os rumos da cúpula é justamente a presença dos países do chamado Sul Global. “É muito importante porque em questões como segurança alimentar, o destino de milhões de pessoas na África, Ásia e outras partes do mundo depende diretamente da rapidez com que o mundo implementará a Fórmula da Paz”, disse em postagem na rede social X, anteriormente conhecida como Twitter.


O grande desafio de Zelensky no encontro será emplacar, em um texto final, os itens do que ele chama de “10 pontos para a paz”, com algumas exigências que têm sido fortemente descartados pela Rússia, como a retirada de tropas russas dos territórios ocupados.


Outros itens, no entanto, podem ser mais palatáveis, como a proteção aos suprimentos de alimentos e de energia e libertação de todos os prisioneiros.


Prestígio saudita

A realização dessa cúpula na Arábia Saudita, com tantos participantes de peso, é uma grande vitória do líder de fato do país, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que se consolida sua nação não só como uma potência regional, ampliando zonas de influência no Oriente Médio, mas também como um relevante ator global.


Não à toa, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) citou a Arábia Saudita como um dos países que deveriam integrar o Brics, o importante bloco econômico formado pelas potências emergentes e antípoda do G7. O prestígio crescente da Arábia Saudita se explica pela sua arrojada e ampla política de relações exteriores, que vai desde a retomada de laços com o Irã até a uma promoção sem precedentes de sua liga de futebol, resultando na contratação de craques estelares como Karim Benzema, Sadio Mané e N’Golo Kanté. Isso sem falar no superastro Cristiano Ronaldo, cinco vezes eleito o melhor jogador do mundo.


Com o poder dos petrodólares, somados à expansão de seu poderio militar e de seu papel geopolítico cada vez mais proeminente, a Arábia Saudita vai tornando cada vez mais opacas as vozes que denunciam as seguidas violações de direitos humanos em seu território. Hoje, todos os olhos se voltaram aos esforços por uma paz que interessa a quase todos os países. 


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