O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sofreu uma série de derrotas nos primeiros testes na Câmara dos Deputados ao não conseguir garantir uma base aliada consistente para aprovar matérias de seu interesse na Casa.
Na última semana, o relator do projeto das fake news, Orlando Silva (PCdoB-SP), aliado da gestão petista, teve que pedir a retirada de pauta da matéria para que o texto não fosse enterrado no plenário. Isso mesmo após semanas de negociações e adaptações para que fosse aprovado.
Agora não há mais perspectiva real de o texto ser apreciado, embora a expectativa seja ainda para este primeiro semestre. Mesmo que o projeto não tenha sido votado, o recuo já é visto como uma derrota ao governo Lula na Câmara.
Aliados de Lula buscaram creditar a dificuldade em aprovar o PL das Fake News alegando ser um tema polêmico e de cunho mais ideológico. Mas, isso não foi o caso do outro texto em que o governo também sofreu um revés.
A gestão petista não conseguiu segurar a derrubada de mudanças feitas por decreto presidencial de Lula no marco legal do saneamento. O projeto sobre o tema foi aprovado na Câmara por ampla maioria: 295 votos a favor e 136 contra.
Em princípio, a base de apoio a Lula na Câmara é formada pelos partidos PT, PCdoB, PV, MDB, PSD, PDT, PSB, Psol, Rede, Avante e Solidariedade. Somados, são cerca de 220 deputados.
No entanto, chama a atenção que nem todos ajudaram o governo nessa semana e até mesmo bancadas de partidos que contam com ministérios votaram em peso a favor do texto. Portanto, contra o próprio governo.
No MDB, 31 deputados votaram a favor enquanto só um votou contra. No PSD, o placar foi de 20 a 7. No União Brasil, dos 48 deputados presentes, todos votaram a favor do texto. As três siglas contam com três ministérios cada no governo Lula.
O líder do governo na Casa, deputado José Guimarães (PT-CE), fez uma cobrança dura à base aliada depois da aprovação do projeto. “A votação do PDL hoje aqui na Câmara mostra que temos que fazer um freio de arrumação dentro do governo. Os líderes que encaminharam contra o governo vão ter que decidir se são ou não governo. Vida que segue”, postou no Twitter.
Questionado no dia seguinte sobre sua manifestação na rede social e sobre como ficaria a relação com a base aliada tendo em vista o resultado da semana, Guimarães disse apenas que “faz parte do jogo”.
O alinhamento das legendas que não fazem parte diretamente do grupo de aliados do governo, como o Centrão, é apontado como um desafio para o fortalecimento da base governista no Congresso.
“Compor essa maioria para aprovar projetos tem sido muito difícil nesse governo porque é uma base fragmentada e é um apoio que nem sempre está consolidado, especialmente, dos partidos do Centrão que têm uma característica muito mais fisiológica do que ideológica. Então, o apoio consistente é o apoio dos partidos de esquerda”, avaliou o doutor em Ciência Política e economista, Felipe Queiroz.
A preocupação do governo com as dificuldades enfrentadas no Congresso aumenta também diante da necessidade de votação de propostas econômicas consideradas prioritárias. “A correlação de forças na luta política tem travado pautas importantes, especialmente, a reforma tributária. Tem também dificultado o debate em relação à taxa de juros”, acrescentou Queiroz.
O governo deve ganhar alguns dias de respiro na próxima semana no plenário da Câmara com a promessa de que a pauta de votações será montada a partir dos projetos de consenso entre os partidos. De acordo com José Guimarães, este foi o acordo da última reunião de líderes.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), retornará ao Brasil na quinta-feira (11), quando começará a tratar com as bancadas a apreciação do novo marco fiscal. Junto com a reforma tributária, deve ser o principal teste do governo até julho.
Desafios maiores pela frente
Além dessas matérias de teor mais econômico, o governo tem pela frente a necessidade de aprovação de Medidas Provisórias que sustentam políticas públicas de Lula, como a do Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida.
A instalação das comissões mistas para a análise desses textos enfrentou dificuldades por conta de divergências entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A base aliada não conseguiu fazer pressão suficiente para fazê-las começar a funcionar no tempo que o Planalto preferia nem conseguiu emplacar todos que queria em cargos das cúpulas dos colegiados.
Lira se reuniu com Lula e expressou a necessidade de o Executivo se moldar a uma maior autonomia do Legislativo. Ele também falou sobre algumas insatisfações de parlamentares perante a articulação política do Planalto.
À CNN, sob reserva, um líder do Centrão se queixou que o governo tem demorado a liberar emendas, inclusive de restos a pagar de anos anteriores, e a fazer nomeações de indicados por políticos no segundo e terceiro escalões da administração pública federal.
Há um receio de que as eventuais Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) possam atrapalhar ainda mais a votação dessas pautas socioeconômicas. Lira afirma que o ambiente não pode ser contaminado, porém, não há como garantir isso.
Depois das derrotas do governo e da pressão de parlamentares em cima do governo, o Ministério da Saúde definiu critérios para a liberação de R$ 3 bilhões para estados e municípios.
A pasta afirmou que a “portaria é fruto do diálogo permanente da atual gestão com o Congresso Nacional e da reconstrução do diálogo interfederativo” e que “os critérios para a destinação desse recurso é mais um passo para garantir a melhoria na qualidade dos serviços ofertados à população”.
O ritmo da acomodação de pedidos de parlamentares deve ditar o resultado do governo no Parlamento nas próximas semanas. Resta saber se as insatisfações serão resolvidas num prazo curto o suficiente.