Na noite da última quarta-feira (24), a Câmara dos Deputados rejeitou as alterações promovidas pelo Senado e reinseriu mudanças na lei da Mata Atlântica em uma medida provisória (MP) que prorroga o prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
A MP 1150/22 segue agora para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O texto já havia passado pelas duas Casas, mas a Câmara ignorou a decisão do Senado. A proposta enviada pela Câmara dos Deputados incluía mudanças na legislação que, segundo entidades e órgãos de proteção ambiental, tornam as regras de proteção mais flexíveis e favorecem o desmatamento.
Ao analisarem a matéria, os senadores, porém, retiraram o trecho que fazia referência ao bioma.
Para a Fundação SOS Mata Atlântica, os chamados jabutis que foram reintroduzidos no texto pelos deputados na quarta colocam novamente a floresta em risco. Isso porque a MP altera pela sexta vez o prazo de adesão ao programa de adequação ambiental previsto no Código Florestal, deixando em suspenso a restauração de mais de 20 milhões de hectares no Brasil.
Além disso, na avaliação de Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da entidade, a medida provisória permite o desmatamento de florestas até então intactas na Mata Atlântica, passando por cima da lei específica que protege o bioma.
“O presidente Lula não pode permitir que rasguem a Lei da Mata Atlântica que ele mesmo sancionou”, afirma.
Novos dados divulgados SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam inclusive que a realidade já preocupante para a Mata Atlântica atualmente: em um período de um ano, entre outubro de 2021 e de 2022, mais de 20 mil hectares da floresta foram derrubados.
Em nota, o Observatório do Clima, rede que reúne diversas organizações da sociedade civil, também afirma que o texto enfraquece a proteção à Mata Atlântica, “como sonhara Ricardo Salles”, ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro.
“Os jabutis retirados no Senado, voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los”, afirma a entidade.
No fim da sessão de ontem, os deputados ainda aprovaram um requerimento que confere regime de urgência ao projeto de lei do chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A aprovação permite a votação do texto diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara, algo que também é duramente criticado por entidades ambientais.
Aliado a isso, outro ponto de crítica dessas entidades é uma medida provisória que reestrutura os ministérios do governo Lula. Na prática, ambientalistas avaliam que o texto, aprovado por uma comissão mista também nessa quarta-feira, esvazia o Ministério do Meio Ambiente além de alterar a competência sobre a demarcação de terras indígenas.
“Na tentativa de assegurar uma suposta governabilidade, o governo está fazendo concessões absurdas. Chegou ao ponto de liberar bancada para a urgência de uma proposta que implode com os direitos dos povos indígenas, o PL 490”, afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do OC.
A federação que inclui PT, PC do B e PV orientou o voto contrário ao projeto, mas o deputado Rubens Junior (PT-MA), falando como líder do governo, liberou a bancada para votar como preferisse.
A MP 1154/23 seguirá agora para os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Como a medida perderá validade em 1º de junho, o legislativo precisa analisar o texto até lá.
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Mudanças na Lei da Mata Atlântica
Em linhas gerais, o texto aprovado pelos deputados que segue para sanção presidencial alterou as regras da Mata Atlântica nos seguintes pontos:
▶️ Flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração. A lei atual exige que isso só pode ocorrer quando não existir uma “alternativa técnica e locacional” ao empreendimento. Com a MP aprovada, essa exigência foi retirada.
▶️ Acabou com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, o que hoje é previsto na lei. A supressão da vegetação será feita “exclusivamente” por decisão do órgão ambiental municipal.
▶️ Acabou com a exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos lineares – como linhas de transmissão, sistema de abastecimento público de água e, na avaliação de especialistas, até condomínios e resorts.
▶️Em caso de construção de empreendimentos lineares em áreas de preservação permanente, o texto limita as medidas compensatórias à área equivalente à que foi desmatada.
▶️ Acabou com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos lineares.