A postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação à guerra na Ucrânia pode afastá-lo de líderes estrangeiros e reduzir o diálogo do Brasil com a comunidade internacional, segundo avaliações de embaixadores de países ocidentais lotados em Brasília.
A CNN conversou reservadamente com três chefes de representações diplomáticas na capital brasileira e ouviu palavras como “irritantes”, “decepcionantes” e “infelizes” para descrever as falas de Lula.
Todos eles convergem na análise de que a vitória do petista foi muito bem recebida no exterior e houve satisfação com a volta do Brasil ao cenário internacional, depois de anos de relações tumultuadas com o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Lula, segundo a descrição dos embaixadores, tem crédito acumulado por suas gestões anteriores em três áreas-chave: defesa da democracia, respeito aos direitos humanos, proteção da Amazônia/combate às mudanças climáticas.
Diz, no entanto, um embaixador europeu: “O mundo de 2023 não é o mundo de 2003 ou de 2010, que aceitava e até pedia uma presença maior do Brasil. Hoje o ambiente global é de divisão geopolítica e o espaço para protagonismo do Brasil, até pela perda de importância econômica, é menor”.
De acordo com esse representante estrangeiro, é ilusório acreditar que se pode manter uma relação equidistante do Ocidente e da China, beneficiando-se do que cada um pode oferecer de melhor e sem a necessidade de fazer escolhas. “Em algum momento, o governo brasileiro precisará escolher de que lado fica mais próximo”, afirma.
Uma observação feita por esse diplomata: Lula esteve em Washington e não criticou a China, mas aproveitou sua ida a Pequim para atacar os Estados Unidos e insinuar que a Casa Branca prolonga intencionalmente o conflito na Ucrânia.
Ponto de consenso entre os embaixadores: a postura recente de Lula não coloca minimamente em risco o relacionamento econômico e comercial do Brasil com seus países. Dificulta, porém, o trabalho de aprofundamento das relações e a abertura de novas frentes de parcerias. Cria um clima de desconfiança e menor cooperação para explorar outras agendas bilaterais.
As críticas mais duras surgem quando se comenta a aproximação de Lula e seus auxiliares com a Rússia. Um dos episódios citados, que passou praticamente despercebido na imprensa brasileira, foi uma votação no Conselho de Segurança da ONU no mês passado.
No dia 27 de março, a Rússia apresentou proposta de resolução para estabelecer investigações sobre “atos de sabotagem” no gasoduto Nordstream, no Mar Báltico, que escoa gás russo para a Europa.
A resolução foi rejeitada, mas houve três votos favoráveis: Rússia, China e Brasil. “É um péssimo sinal estar ao lado de Vladimir Putin em qualquer votação”, diz um embaixador.
A viagem discreta de Celso Amorim ao Kremlin e a passagem do chanceler russo Sergei Lavrov por Brasília deixaram a comunidade internacional em alerta.
Para os diplomatas ouvidos pela CNN, as declarações recentes desabilitam o Brasil da condição de potencial facilitador de um processo de paz, por suposto desequilíbrio no tratamento dado à Ucrânia.
Uma das críticas tem como alvo um comentário de Amorim à CNN, na semana retrasada, quando disse que a facilitação de um processo de paz requer países “militarmente e emocionalmente” distantes da guerra.
“Se os Estados Unidos tivessem invadido a Venezuela, o Brasil ficaria emocionalmente distante?”, questiona um embaixador europeu.
Ninguém fala em um afastamento imediato — a continuar o nível atual de contatos com Moscou — de líderes ocidentais. No curtíssimo prazo, inclusive, pode-se dizer o contrário: Lula foi convidado para ir à cúpula do G-7 no Japão, vai para Portugal e Espanha na próxima semana, deve receber o francês Emmanuel Macron em breve.
O que se prevê, entre os diplomatas ouvidos pela CNN, é um monitoramento cuidadoso dos próximos passos do governo brasileiro. Se a escalada de críticas aos Estados Unidos e à União Europeia prosseguir, o diálogo tende a diminuir gradualmente daqui em diante.
“Se o Brasil se alinhar às visões russas sobre a guerra, não haverá a menor possibilidade de participação em qualquer processo de paz”, diz um embaixador.
Esse mesmo diplomata complementa com o que considera uma leitura otimista da postura de Lula: ele, no fundo, condenaria Putin e suas hostilidades contra a Ucrânia como qualquer outro líder ocidental.
Só estaria acenando com um discurso mais antiamericanista para agradar setores da esquerda brasileira, mas sem acreditar em todas as declarações que faz.