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Por lucro, Disney aumenta preços e prioriza elite que gasta alto em parques

Se você é fã da Disney, trago boas e más notícias. Pelo lado negativo, frequentar os parques da empresa nunca esteve tão caro. Por outro lado, o número de visitantes é menor do que antes da pandemia, o que torna a experiência melhor.


Vale destacar que o aumento dos preços não está ligado somente ao aumento do dólar em relação ao real. Mesmo os americanos estão reclamando que os parques da Disney estão se tornando inviáveis pelos preços até mesmo para quem ganha em dólar.


Sim, a inflação disparou no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos. Mas as vendas na divisão de parques, experiências e produtos – que inclui Disneyland, Walt Disney World e quatro resorts na Europa e Ásia e historicamente tem sido o segmento mais lucrativo da Disney – atingiram o recorde de US$ 7,4 bilhões no último trimestre. Um aumento de 70% em relação a um ano antes. A divisão registrou lucro de US$ 2,2 bilhões no período, acima dos US$ 356 milhões do ano anterior.


O resultado é ainda mais surpreendente se levarmos em conta que o número de visitantes nas atrações da Disney permanece abaixo dos níveis de antes da pandemia. Para alcançar a mágica de diminuir o número de clientes e crescer o lucro, o truque foi aumentar drasticamente os preços e passar a cobrar por serviços e recursos que antes eram gratuitos.


E a Disney não tem planos de mudar a estratégia. “Nossos preços de ingressos e restrições que colocamos sobre a frequência com que as pessoas podem vir e quando elas vêm são um reflexo direto da demanda. Quando é demais? A demanda nos dirá quando for demais”, disse Bob Chapek, CEO da Disney, em recente entrevista ao The Hollywood Reporter.


Chapek não esconde de ninguém que a estratégia é ter menos visitantes e tirar mais dinheiro de quem é cliente da Disney. A lógica é a mesma das companhias aéreas, quanto maior a demanda, maiores os preços cobrados. E eles variam todos os dias, inclusive os ingressos, o que dificulta planejar a compra da viagem .


O feitiço da Genie nos lucros


Uma das maiores reclamações que ouvi dos brasileiros que foram à Disney recentemente foi com relação ao Genie+. Lançado em 2021, o aplicativo de smartphone custa US$ 15 por pessoa, por dia (além do preço da entrada), e permite que os frequentadores do parque entrem nos brinquedos sem enfrentar filas (as chamadas standby, formadas por quem não pagou pelo Genie+).


Assim, a fila passa a ser virtual e a espera cai drasticamente, melhorando muito a experiência nos brinquedos. O inconveniente é que você precisa comprar o Genie+ à meia-noite do dia em que você for ao parque e o número de usuários da Genie+ é limitado. Depois, você só pode agendar sua primeira atração às 7h da manhã. E somente após ir à primeira atração pode marcar a segunda e assim sucessivamente.


Ouvi de diversos brasileiros que graças ao Genie+ puderam ir a mais atrações do que em todas as visitas anteriores ao Genie+. Mas há um detalhe importante, para “cortar” as filas de espera nas atrações mais procuradas, incluindo atrações de Star Wars e Guardiões da Galáxia, as reservas agora custam entre US$ 10 e US$ 17 adicionais mesmo tendo pago o Genie+. E mais, se você não tem Genie+, a espera nessas atrações populares é ainda mais longa que no passado.


Os preços das bebidas e alimentos dentro dos parques também dispararam. Fazer reservas nos restaurantes ficou mais fácil, mas a conta causaria uma síncope no Tio Patinhas. Além disso, mimos que no passado eram gratuitos agora são pagos, como o transporte do aeroporto para o hotel dos hóspedes da Disney que compravam certos pacotes.


O “camarote” da Disney 


A dinâmica dos parques mudou tanto que uma indústria paralela cresce entre os turistas brasileiros mais abastados e menos pacientes. Um conhecido que esteve recentemente na Disney pagou US$ 700 (R$ 3,6 mil) por dia para que uma guia cuidasse de todos os “detalhes” nos parques e organizasse o dia da visita.


Pela lógica deste amigo, que viajava com a mulher e duas crianças, quando você já gasta mais de R$ 2,5 mil apenas nos ingressos em um único dia, e mais R$ 1 mil para almoçar em um bom restaurante da Disney, sofrer nas filas por causa de R$ 4000 não faz sentido. Obviamente, este é o cliente ideal para a Disney. Quanto mais tempo ele estiver no parque e menos filas encarar, mais ele irá gastar.


De certo modo, a elite brasileira (e de outros países) recriou na Disney o conceito de camarote. Quem pode pagar contrata especialistas a peso de ouro para criar experiências “diferenciadas”.


Quem não está gostando disso são os americanos que frequentam assiduamente o parque. A turma que comprava passes anuais e podia visitar todos os parques com frequência está irada. Os passes estão cada vez mais limitados e restritivos. Quando fui à loja da Disney dias atrás, na Disney Springs, uma funcionária educadamente me explicou que os passes estavam muito mais limitados e caros do que no passado.


Quando as novas vendas de passes anuais recomeçaram em setembro de 2021, após uma pausa relacionada à pandemia, os preços aumentaram, enquanto benefícios como o PhotoPass e o acesso ao parque aquático foram removidos dos planos principais e reintroduzidos como complementos de US$ 99. Os valores dos passes anuais chegaram a subir 55% em 2021. O passe anual para os não residentes na Flórida subiu para cerca de US$ 1,4 mil por ano, por pessoa. Detalhe, os passes esgotaram em 3 meses e as vendas foram suspensas em novembro de 2021.


Agora, o único passe anual disponível na Disney é o Pixie Dust, exclusivo para residentes da Flórica, que custa US$ 399. Mais há uma pegadinha, já que ele não permite visitas nos finais de semanas, feriados e férias escolares, o que torna praticamente impossível que uma família frequente o parque se não quiser que os filhos faltem na escola. Os resorts do grupo também subiram consideravelmente os preços.


Procurada pela coluna, a Disney não comentou


Lucro compensa falta de criatividade?


Conhecido como o homem que corta custos e sobe preços, Chapek dirigia a divisão de parques e resorts da Disney antes de assumir o posto de CEO. O executivo é odiado pelos fãs e funcionários da Disney. Uma crítica recorrente é que Chapek cortou tanto os custos nos parques que montanhas-russas quebradas serão sua maior herança. Os funcionários da empresa tem uma relação com Chapek tão fria que deixaria até a turma de Frozen petrificada. O executivo determinou, por exemplo, que milhares de funcionários da empresa seriam realocados da Califórnia para a Flórida para a Disney economizar com impostos.


O resultado foi a disparada dos preços dos imóveis próximos da Disney e uma tremenda insatisfação entre funcionários, que além de ter dificuldade de achar novas casas não gostaram de levar suas famílias da liberal Califórnia para a conservadora Flórida.


Chapek não tem muito o que mostrar além do crescimento do lucro. As ações da Disney despencaram quase 40% nos últimos 12 meses. Sob a gestão de Chapek os filmes da Disney estão perdendo relevância e já não faturam o mesmo nos cinemas. O recém-lançado parque da Disney em Xangai, na China, tem decepcionado. Passa por dificuldades para atrair visitantes em meio à crise de Covid no país e sofre com restrições de horário de funcionamento impostas pelas autoridades chinesas.


No campo político, sob a gestão de Chapek, a Disney virou alvo de ataques de políticos da direita e da esquerda. A empresa, historicamente vista como “de esquerda e mais democrata”, tentou se posicionar mais ao centro. Foi um desastre, desagradou os dois lados.


O antecessor de Chapek, o liberal e boa praça Bob Iger, fechou alguns dos melhores acordos da história do mundo corporativo. Iger liderou a compra da Pixar, Marvel, LucasFilm e 20th Century Fox gerando lucros rumo ao infinito e além. Desde que a Disney comprou a Pixar, o estúdio de animação já faturou mais de US$ 11,5 bilhões apenas com bilheteria. Já a Marvel, comprada em 2009, faturou mais de US$ 26 bilhões. Star Wars também trouxe milhões e todos os personagens ajudaram a vender produtos e atrair mais famílias para os parques.


Chapek também determinou que baixaria os grandes salários dos atores e inclusive comprou uma briga pública com Scarlett Johansson. A atriz afirmou que teria sido prejudicada pela Disney e recebeu menos do que o acordado, porque seu filme Viúva Negra foi lançado diretamente no Disney+ e não passou nos cinemas. Scarlett processou a Disney e as partes entraram em acordo.


Disney+ dá prejuízo 


O streaming, uma grande aposta da gestão Chapek, apesar do robusto crescimento de assinantes, passando a Netflix no último trimestre, perde seu encanto à medida que o mercado vive a maior crise de sua história. O aumento da concorrência no setor causou uma desaceleração do crescimento de assinantes e aumentou os custos.


Por sinal, o streaming parece estar se tornando uma maçã envenenada na estratégia da Disney. Os prejuízos seguem enormes e a receita por assinante de streaming da empresa é bastante inferior em relação aos concorrentes.


A divisão DTC (Direto ao Consumidor), teve um aumento de 19% de receita, mas o prejuízo aumento para mais de US$ 1 bilhão no último trimestre, frente a US$ 293 milhões no mesmo período anterior. Custos mais altos de programação, produção, tecnologia e marketing explicam o resultado, apensar da receita de assinaturas ter sido mais alta graças aos aumentos de preços e crescimento de assinantes.


Chapek disse em uma conferência essa semana que a Disney deveria unir suas marcas de streaming em uma única plataforma. Ou seja, em breve Star, Hulu e ESPN podem migrar para dentro do Disney+. No caso do Disney+, para que isso aconteça, a Disney terá de comprar os 33% do Hulu que ainda pertencem à Comcast, o que deve acontecer em 2024.


No mesmo evento, perguntado sobre aumento de preços no futuro, embora a empresa esteja se preparando para implementar seu segundo grande aumento ainda este ano, Chapek disse que não esperava um aumento de cancelamentos de assinaturas, indicando que mais aumentos podem estar a caminho em breve. “É o que o mercado suportará, o que é um reflexo direto do preço/valor, e acho que estamos muito abaixo do preço em relação ao valor que fornecemos. Devemos aos nossos acionistas tentar fazer com que isso seja reconhecido.”


Não é preciso ter instinto aranha para saber que Chapek está em uma posição perigosa. O executivo até alguns meses tinha sua renovação de contrato como CEO questionada na mídia e os boatos de que sairia só diminuíram após uma carta aberta de apoio do conselho da empresa defendendo o CEO.


A Amazon Prime da Disney 


Para reverter o jogo, a Disney estaria avaliando um programa de associados que criaria um pacote de streaming, parques e produtos por preços menores, algo semelhante ao que a Amazon faz com o Amazon Prime.


Por sinal, os executivos da Disney estriam usando o Amazon Prime como inspiração, e alguns apelidaram internamente o plano de “Disney Prime”. O serviço seria uma aposta de Chapek para se diferenciar de seu antecessor, Iger. Depois que assumiu o comando da Disney, Chapek teria se desentendido com Iger e os executivos, antes próximos, teriam rompido.


As discussões na Disney estão nos estágios iniciais e ainda não se sabe quanto a empresa cobrará pela associação e quanto tempo levaria para lançar esse programa. Segundo o WSJ, que revelou a história em primeira mão, “ao criar um programa de associados, a Disney estaria apostando que poderia oferecer mais valor aos clientes, levando-os a gastar mais nos produtos e serviços da empresa, ao mesmo tempo em que forneceria à Disney um monte de informações sobre suas preferências”.


A Disney já tem um programa para superfãs, o D23 Official Fan Club, que custa de US$ 99,99 a US$ 129,99 por ano. Ele dá acesso a eventos e produtos exclusivos. Mas agora a ideia é criar um produto mais abrangente.


No que depender de Chapek, a Disneylândia será um sonho cada vez mais distante para as empregadas domésticas, enquanto a “elite” será calorosamente recebida. O problema para os acionistas da Disney é se o resultado da cartilha econômica de Chapek for o mesmo de Paulo Guedes, porque no final do dia, a magia só acontece de verdade quando todos podem se divertir e democraticamente.


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