Delação revela atuação de distribuidoras em cartel de postos

Uma delação premiada feita no âmbito da Operação Dubai, que desmantelou, no Distrito Federal, uma das maiores redes de cartel entre postos de gasolina do Brasil, revela como grandes distribuidoras de combustíveis atuavam para supostamente favorecer o esquema.


A investigação foi desencadeada pela Polícia Federal, em 2015, com o cumprimento de diversas medidas contra os envolvidos. Em 2018, 28 alvos viraram réus por crimes contra a ordem econômica e organização criminosa.


Detalhes da participação das fornecedoras só foram revelados recentemente aos investigadores, a partir do fim de 2019, já com o processo em curso, com a colaboração de alguns dos acusados.


Em anexos entregues ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Claudio Simm, um dos donos da rede Gasolline, uma das maiores do DF  conta que a BR, a Ipiranga e a Raízen (Shell) se valiam de várias estratégias para ferir a concorrência em Brasília e lesar os consumidores.


As distribuidoras negam e acusam o delator de desviar o foco das investigações.


Delação

Em 2001, Simm tornou-se sócio da rede Gasolline, em Brasília, tendo se envolvido no cartel de revendedores desbaratado pela Dubai. O empresário aceitou delatar em troca de redução de penas por organização criminosa, crimes contra a ordem econômica e cartel.


Nos termos da colaboração pactuada com o Ministério Público, a condenação a uma pena máxima de 11 anos de reclusão em regime fechado será substituída por outra, entre nove e 12 meses no regime semiaberto; e mais um a dois anos no regime aberto domiciliar.


Ele também se comprometeu a pagar R$ 1,9 milhão de multa e a cumprir, por nove meses, oito horas semanais de serviços em uma entidade a ser indicada pela Justiça. O acordo foi firmado em 22 de janeiro de 2020 e homologado pelo TJDFT no mesmo dia.


Sob essas condições, Simm relata, de acordo com o documento, que as distribuidoras praticavam política discriminatória de preços aos varejistas, perseguiam postos dissidentes do esquema e até seguravam entregas para dias em que a Petrobras reajustaria o valor da gasolina, do álcool ou diesel.


Diante da homologação das delações, a juíza Ana Claudia Loiola de Morais Mendes decidiu que os delatores deverão prestar seus depoimentos primeiro, antes da manifestação dos demais réus. Neste momento, o processo vai iniciar as oitivas dos envolvidos. No último 19 de julho, a magistrada rejeitou tentativa de invalidação dos acordos de colaboração premiada.


Procuradas, as distribuidoras Raízein (Shell), BR e Ipiranga afirmaram não terem tido conhecimento sobre o teor da delação e que buscariam mais informações com os respectivos departamentos jurídicos.


Combinação

Por ter sido o responsável pela gerência da operação dos postos da Rede Gasolline e, portanto, pelo contato mais direto com as distribuidoras, Claudio Simm fez uma descrição pormenorizada do papel das grandes empresas no esquema criminoso de combinação de preços.


Citando nomes, o empresário informa nos anexos de sua delação que não só os assessores de venda, mas integrantes de posições hierárquicas mais altas na BR, na Shell e na Ipiranga sabiam da combinação de preços.


“Para as distribuidoras, era interessante comercialmente a existência do cartel, uma vez que seus lucros eram proporcionais ao seu êxito. Isso porque a margem da distribuidora é sempre uma porcentagem calculada sobre a margem integrada da distribuição e da revenda (soma das margens). Ou seja, quanto maior o preço praticado pelos revendedores, ainda que oriundo da falta de concorrência, maior será a margem de lucro das distribuidoras”, justificou.


Simm reforçou que, em situações de guerra de preços, as empresas baixavam o valor de venda para postos do cartel que precisavam retaliar concorrentes. O mesmo desconto não era dado aos que se recusaram a integrar o esquema.


Ele também explicou que as três fornecedoras mantinham um alinhamento de preços, já que não precisavam concorrer entre si, pois possuíam contratos de exclusividade com a maioria dos revendedores.


Quarentena

No documento obtido pela reportagem, Cláudio Simm informou também aos investigadores que as distribuidoras se valiam de várias outras práticas para evitar a concorrência entre postos e manter os preços altos.


Por um acordo prévio entre as fornecedoras filiadas ao Sindicom, sindicato que congrega BR, Raízen (Shell) e Ipiranga, quando um revendedor rompia contrato com uma delas, as demais se abstinham de abordá-lo para filiá-lo à sua rede. Essa quarentena funcionava para que a empresa que perdeu o revendedor pudesse reavê-lo como parceiro.


“Nesses casos, para que os postos pudessem ir ao mercado a fim de contratar qualquer uma das distribuidoras associadas ao Sindicom, tinham que permanecer em quarentena por seis meses operando como bandeira branca, visando assegurar à distribuidora a oportunidade de manutenção da marca naquele ponto de venda”, revelou.


Os contratos de exclusividade com os postos, segundo ele, visavam garantir que as distribuidoras pudessem ditar os valores de venda durante toda a vigência do acordo. Tentativas de negociação baseadas em parâmetros de preço, sem uso da marca das empresas, não avançavam.


Para evitar disputa comercial entre postos de uma mesma bandeira, as distribuidoras estimulavam os revendedores de sua rede a adotarem as mesmas práticas comerciais. BR, Raízen (Shell) e Ipiranga, sustenta o delator, apresentavam em eventos planos de marketing a serem seguidos à risca pelos seus varejistas, sob pena de sofrerem penalidades.


“Durante tais reuniões e viagens os representantes das distribuidoras não se referem explicitamente aos preços de revenda, mas reúnem seus revendedores e apresentam padrões de procedimentos de marca, promoções e metas. Revendedores que decidirem seguir linhas próprias de atuação fora do plano de marketing são retaliados pelas distribuidoras com cortes de prazo, aumento de preços e multas contratuais”, diz anexo da delação.


Distribuição combinada

Em épocas de frequentes reajustes nas refinarias, as distribuidoras tinham tática para alinhar seus preços e lucrar mais. Uma delas, segundo o delator, era a de segurar a entrega das cargas, mesmo havendo estoque, para o dia do aumento aplicado pela Petrobras. Assim, o combustível era repassado por um preço ainda maior.


Para evitar disparidade nos valores de venda aos postos, elas acionavam varejistas para levantar os preços por litro praticados pelas concorrentes, solicitando inclusive o envio de faturas.


Metrópoles acionou a BR (atual Vibra), a Raízen (Shell) e a Ipiranga.


A Ipiranga informou que ainda não teve acesso à delação, mas acompanha o caso e tem apresentado sua defesa perante à Justiça do Distrito Federal. A empresa reiterou o compromisso “com os mais altos padrões éticos, bem como com as melhores práticas concorrenciais e de respeito ao consumidor”. Ressaltaram ainda que não incentivam práticas ilegais, não compactuam com atividades que violem o seu Programa de Integridade e prezam pela transparência e ética em todas as ações e relações.


Já a Vibra “mantém os mais rigorosos padrões de compliance, cumpre toda a legislação e não pratica nenhum tipo de ação anticompetitiva ou combinação de preços”. Segundo a companhia, eles sempre conduziram e conduz “suas atividades dentro do mais estrito respeito e observância à legislação vigente no Brasil, com o mais alto grau de governança corporativa”. Além disso, respeita a regulação concorrencial em todos os mercados nos quais suas marcas estão presentes. “A referida delação não traz nenhuma acusação ou prova contra a companhia”, finalizaram.


A Raízen esclareceu que não mantinha relacionamento com Claudio Simm na época dos fatos apurados e não teve qualquer participação nas ações apontadas no processo relacionado à Operação Dubai, assim como nenhum dos funcionários deles. “A empresa segue confiante em sua defesa, tanto no inquérito http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativo que tramita no Cade quanto no Judiciário”, finalizaram.


Fonte/ Portal metropole.com


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