O assassinato do campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Lo, ocorrido em uma festa particular em São Paulo, no último domingo, por um policial militar armado que estava de folga, Henrique Otavio Oliveira, pôs em evidência uma lacuna entre o entendimento desses profissionais e a lei. As regras em torno do porte de arma a que profissionais da segurança pública estão submetidos é uma polêmica dentro do próprio segmento. De um lado, os policiais têm a prerrogativa de que a arma é um instrumento que auxilia na autodefesa, afinal esse profissional está a todo instante em serviço, por isso acaba sendo obrigado a agir se houver algum problema. De outro, a lei determina o impedimento de ingresso de pessoa armada em locais com aglomeração.
A Lei 10.826/03, que estabelece o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e define crimes, prevê que os organizadores de eventos em locais fechados, “com aglomeração superior a 1.000 pessoas, adotarão, sob pena de responsabilidade, as providências necessárias para evitar o ingresso de pessoas armadas”. A festa na qual Leandro foi executado com um tiro na cabeça tinha capacidade acima do que a lei permite. “Para qualquer pessoa usar uma arma, um cuidado é exigido, deve ser redobrado, tem que evitar confusões e estar atenta (a pessoa) ao seu entorno. Em uma situação de crime, tem que antever a conduta, nesse caso específico teve a mistura de álcool e arma, o que torna o caso bem pior”, analisou Alan Fernandes, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar/SP.
Segundo o advogado da vítima, Ivã Siqueira Júnior, a discussão entre o atleta e o policial começou justamente por causa de bebidas, no momento em que o PM foi em direção à mesa do lutador e mexeu nos combos. O lutador teria reagido com um golpe de jiu-jítsu para imobilizar, mas o policial conseguiu levar Leandro ao chão, chutou a vítima duas vezes e atirou.
Especialistas em segurança pública afirmam que, apesar da expressa ordem na lei, casos de brigas em festa que acabam em tragédia por causa de policiais armados são comuns em todo o Brasil. De acordo com Alan Fernandes, os casos por mau uso de armas de fogo pela Polícia Militar paulista, de modo geral, são em torno de 600 por ano. O Correio solicitou à corporação dados sobre a quantidade de processos http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativos abertos em casos envolvendo profissionais armados durante folga, mas, até o fechamento desta edição, não houve resposta ao questionamento.
Em alguns estados, medidas preventivas foram tomadas para diminuir a incidência desse tipo de crime. No Rio de Janeiro, por exemplo, é proibido o ingresso de armas em boates e estabelecimentos fechados. Os proprietários são obrigados a preparar um cofre individual para que o responsável pela arma seja obrigado a deixar o objeto até a saída do evento. “Misturar arma, álcool e aglomeração é uma combinação explosiva. A possibilidade de causar mortes é muito grande, a gente tem visto muitos casos de policiais tendo esse tipo de atitude ultimamente. Isso liga um alerta sobre o estado mental desses profissionais. Há. cada vez mais, casos desse tipo em várias esferas da polícia”, pontuou Roberto Uchôa, policial federal e autor do livro Armas para quem? A busca por armas de fogo.
Flávio Werneck, Presidente da Associação Nacional dos Escrivães da Polícia Federal (ANEPF), diz que os policiais podem ingressar em locais fechados com armas desde que estejam em serviço, e identificados pelo uniforme. “O policial não tem que provar que está em serviço. Nesse caso, ficou bem claro que o PM não estava, porque nenhum policial faz trabalho dentro de boate. Ele não estava com uniforme e, como não é da área de inteligência, não poderia estar à paisana, tinha que estar com uniforme”, explicou.
Enterro
Henrique Oliveira, o PM responsável pela morte, tem 30 anos e está preso. Ele se entregou na Corregedoria da corporação ainda no domingo e foi indiciado por assassinato por motivo fútil. Leandro foi enterrado ontem, às 16h, em São Paulo. A banda que os dois, vítima e agressor, foram prestigiar fez um lamento formal pelos stories das redes sociais. “O grupo Pixote lamenta profundamente o ocorrido ontem no Clube Sírio, em São Paulo, onde estávamos nos apresentando. Nossos sentimentos aos familiares e amigos do lutador Leandro Lo. Desejamos luz e paz neste momento”, disseram.
Fonte: Correio Braziliense