Até esta terça-feira (10), um ano depois, nenhum dos suspeitos foi identificado pela PF e o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou a favor do arquivamento do inquérito.
Desde então, o que restou aos indígenas foram o medo, o trauma e a preocupação com a iminência de um novo ataque. O jovem Josimar Palimi Theli afirma que, em Palimiú, os ianomâmi vivem uma tensão constante. A região engloba ao menos 11 comunidades em que vivem cerca de 800 indígenas.
No dia em que deu entrevista ao g1, Josimar estava em Boa Vista acompanhado de duas lideranças pedindo ajuda ao presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, porque um barco da comunidade havia sumido e eles acreditavam que tinha sido levado por garimpeiros.
“Os garimpeiros ainda ameaçam a gente. Lá na nossa comunidade, eles [garimpeiros] passam todos dias, de noite, à tarde. As crianças não dormem bem. Todo dia isso, subindo e descendo o rio“, afirma Josimar.
Entre as ameaças feitas pelos garimpeiros, as que mais assustam os moradores de Palimiú, de acordo com Josimar, são as feitas contra crianças da comunidade. Ele conta que o campo em que eles jogam futebol não é mais um local seguro por conta do frequente trânsito de invasores.
“Em Palimiú todo mundo tem medo. As crianças jogam no campo, eles enrolam a sacola para fazer bola e brincar, mas, quando os garimpeiros encontram elas, eles ameaçam: ‘Ei meninos, vocês querem a nossa bala?’. Isso assusta muito. Mas eles não ameaçam só as crianças. Ameaçam todos os ‘parentes’ [indígenas que vivem na comunidade] também“.
O MPF acompanhou o inquérito instaurado pela PF e disse, “mesmo com as diligências por parte das autoridades policiais, não foi possível identificar os responsáveis pelos ataques à comunidade indígena”. Com isso, o órgão sugeriu o arquivamento.
O ministério, no entanto, afirma que a possibilidade de “reabertura da investigação caso surjam novas informações que possibilitem o avanço dos trabalhos, respeitando a legalidade e os direitos dos envolvidos”.
Dias antes do ataque, um grupo com ao menos 12 garimpeiros — alguns encapuzados — gravou um vídeo em que um deles dizia estar pronto para “fazer a guerra” (veja abaixo). Eles estavam armados com pistolas, espingardas e até fuzis, ostentando o armamento em uma embarcação no rio Uraricoera. Um dos que apareciam nas imagens foi preso.
Ao comentar a situação na região, o jovem Josimar Palimi Theli relembra um episódio traumático para ele e a família. Segundo ele, os garimpeiros sequestraram seus sobrinhos “para assustar” os indígenas que vivem em Palimiú. Os invasores pegaram as crianças e as deixaram em uma região de mata fechada. É emocionado e com a voz embargada que ele fala o momento de susto e desespero.
“Meu irmão tinha saído para arrancar mandioca junto com os filhos e a esposa dele, pois eles estavam com fome. Eles voltaram remando e encontraram os garimpeiros subindo [o rio]. Os garimpeiros ofereceram ajuda, falaram que iam levar as crianças no barco deles porque a canoa do meio irmão estava muito pesada”.
Mãe yanomami com seus filhos na comunidade Palimiú — Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica/Arquivo
“Mas acabou que jogaram os meninos no mato, para ameaçar. ‘Cai fora, eu não vou deixar vocês lá não’, eles falaram [para as crianças]. Meu irmão procurou os filhos o dia todo no rio, remando só com um remo. Quando já era noite, ele ouviu as crianças chorando. Eles falaram: ‘Papai, papai, eles jogaram nós aqui, eles queriam nos matar’. Tudo isso só para ameaçar mesmo“, contou.
De acordo com Josimar, agentes da Força Nacional estão em Palimiú. Mas, ainda assim, os indígenas se sentem impotentes e desprotegidos desde os primeiros ataques, há um ano.