Desde à criação da Vara, mais de 40 mil processos já foram julgados. Delegacia da Mulher reúne 7 mil processos estagnados.
A Vara de Proteção à Mulher recebe por mês 300 processos em Rio Branco. A unidade judiciária julga uma média de dez audiências por dia. Desde que foi instalada, em 2008, 43.788 processos já passaram pelo local, dos quais 3 mil aguardam julgamento.
Durante a última semana, o Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) realizou um mutirão para finalizar esses processos e também os mais de 7 mil que estão na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam).
No último dia 7, a Lei Maria da Penha completou 11 anos desde que foi criada. A juíza titular da vara, Shirlei Hage Menezes, acredita que os números de violência e as denúncias têm aumentado consideravelmente, mas também de forma proporcional.
“A violência aumenta porque é resultado de vários fatores – questão social e familiar. A gente infelizmente vê que a violência tem aumentado. Isso é influência da violência que a pessoa, o acusado, o infrator, vê dentro de casa. Você não sabe como foi a vida dessa pessoa na residência. Não estou defendendo de maneira alguma, mas é toda uma estrutura. Se você não tem uma estrutura familiar boa, isso pode refletir depois no que você é futuramente”, explica.
Nos mais de 40 mil processos, o agressor é o ex-companheiro da vítima ou, até mesmo, possui algum vínculo com a mulher. A juíza destaca ainda que há acusados que possuem mais de um processo. O motivo de muitas mulheres ainda estarem ligadas aos seus agressores são variados, segundo a magistrada.
“Diversas vezes, ela [vítima] diz que apanhou, mas que vai dar mais uma chance, acreditando que ele [agressor] vai mudar. Estou com um caso de uma mulher que já são 25 anos de violência, mas ela ainda acha que ele vai mudar. Então, às vezes, o que precisa é uma mudança no pensamento da mulher. Os filhos também pesam muito, porque a mulher pensa em como vai se sustentar e criar os filhos”, explica.
A vítima desenvolve uma dependência com o agressor. Acredita que precisa se submeter às agressões por não conseguir seguir sem o companheiro. Outro fator que influencia bastante para os casos de violência, segundo Shirlei, é o álcool e outras drogas.
“O uso de droga, principalmente bebida alcoólica, cachaça, aumenta muito a violência. Eu colocaria ainda hoje, droga e álcool, que juntos com o machismo pioram a situação”, destaca.
‘Acolhendo Marias’
Como forma de tentar acolher as mulheres vítimas de violência, o TJ-AC lançou, no início de agosto, o projeto “Acolhendo Marias”, que deve atender 20 mulheres vítimas de violência doméstica. “É importante enfatizar que esse tipo de agressão também pode ser cometida por outros membros da família, mesmo que os companheiros e ex dominem os índices”, disse a magistrada.
Uma equipe multidisciplinar deve atender essas vítimas por seis meses, período em que as vítimas devem se liberar do ambiente de violência e conseguir se reinserir na sociedade. A equipe vai contar com psicólogos e assistentes sociais que prestarão apoio a essas vítimas. O TJ já está na fase de escolher essas mulheres.
Prevenção
O TJ também tem pensado na prevenção e é por isso que também instituiu o “Justiça Pela Paz em Casa”, com uma programação que levanta o debate e discute ações e maneiras de evitar que a violência doméstica se perpetue.
Em março de 2016, a vendedora Keyla Viviane dos Santos, de 29 anos, foi morta pelo ex na frente da loja em que trabalhava. Sete meses após o crime brutal, foi sancionada a lei 2.210, que leva o nome da vendedora e inclui no calendário oficial da cidade 1º de março como o “Dia Municipal da Não Violência Contra a Mulher”.
Ações como essas, por mais que pareçam simbólicas, são pontos cruciais para o debate e também mudança no pensamento, segundo Shirlei Menezes.
“Acredito que tudo é válido, mas tem que ter uma mudança na criação. É uma coisa social, precisa de um pouco mais de perspectiva dos jovens, que eles saibam cuidar um do outro, tanto homem como mulher. O ideal seria a mudança na cultura do machismo e da violência dentro do lar”, pontua.
‘Achava que ia mudar’
Era manhã de 18 de março quando a camareira Antônia Ferreira, de 40 anos, se arrumava para mais um dia de trabalho em um motel de Brasileia, no interior do Acre. Pouco antes das 8h, quando chegava para trabalhar, ela foi atacada e esfaqueada 18 vezes pelo ex-companheiro, com quem conviveu por dez anos.
José Alberto Soares Pinheiro foi preso no dia 27 de abril por tentativa de homicídio contra a ex-mulher. Ele está preso e o processo segue na Vara Criminal de Brasileia como lesão corporal e violência doméstica contra a mulher.
Em entrevista ao G1, ela explicou como é o sentimento de conviver com uma pessoa que agride, mas que promete mudar. Antônia foi atacada pelo ex quando decidiu que não voltaria mais para casa e atualmente faz acompanhamento com psicólogo e fisioterapia porque as facadas a deixaram sem o movimento do braço direito.
“Foi muita agressão física, ele me batia até de fio elétrico. Minha mãe, quando viva, via as marcas, mas eu negava que era de violência. Eu dizia que tinha caído, falava qualquer coisa. Mas, ele dizia que ia mudar, eu acreditava e voltava de novo”, lembra.
‘Dosam agressão com lua de mel’, diz psicóloga
Casos como o da camareira são bem comuns dentro deste universo de violência doméstica. A psicóloga Bárbara Oliveira diz que o agressor costuma variar entre os momentos violentos e promessas de mudança e que na maioria das vezes a mulher acaba acreditando.
“São detalhes pequenos que acabam evoluindo para uma violência mais brutal. Às vezes é um grito, um empurrão. Eles dosam a agressão com a chamada lua de mel, prometendo mudar só para conseguir manter-se nesse espiral. Quando o casal abusivo tem filhos é pior ainda”, explica.
É importante lembrar também que a violência pode ser psicológica. Assim como a juíza, Bárbara acredita que ainda é necessária uma mudança cultural na forma de ver a briga entre os casais.
“Um dos principais motivos [que a mulher demora a sair dessa relação] é aquele de que o homem é necessário para providenciar o sustento da casa, a ideia é de que ‘ruim com ele, pior sem ele’, mas a tendência é que ele não mude, mas sim piore”, destaca.
Ela destaca ainda que é preciso cuidado ao abordar uma vítima de violência porque, grande parte das vezes, ela ainda não aceita que o comportamento do companheiro seja agressivo.
“O ideal é não confrontar a vítima, mas oferecer ajuda. Às vezes, não percebe que está sendo vítima de violência, então, ela tende a proteger o agressor e a gente tem que quebrar essa coisa de que ‘briga de marido e mulher ninguém mete a colher’, temos que meter sim, e acionar os meios legais e oferecer ajuda”, finaliza.