O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Juruá, responsável pelo atendimento de mais de 20 mil indígenas de 14 povos distribuídos em 163 aldeias do noroeste do Acre, enfrenta uma série de denúncias sobre precariedade nos serviços de saúde, falta de estrutura nas unidades e demissão de profissionais indígenas. As acusações foram feitas por lideranças e ex-servidores e negadas pela atual coordenação do distrito, que atribui os problemas a “interesses políticos” e ao processo de reestruturação em andamento.
“Faltam médicos, medicamentos e água potável”, denuncia liderança
O vereador de Feijó e liderança Huni Kuĩ (Kaxinawá), Mário Kaxinawá, afirmou ao ac24horas nesta quarta-feira (5) que a situação da saúde indígena na região é crítica. Segundo ele, equipes incompletas demoram até 90 dias para chegar às aldeias, muitas vezes sem médicos, dentistas e com poucos medicamentos.
“Eles levam remédio para a viagem, atendem a primeira aldeia, a segunda, da terceira pra frente já não tem mais nada. Também não temos água potável nas aldeias. Quando os pacientes vão da aldeia para Cruzeiro do Sul, ficam em barco, sem lugar adequado e sem alimentação”, relatou.
Mário também denunciou condições precárias na casa de apoio indígena de Mâncio Lima, a falta de combustível para retorno de pacientes e a demissão em massa de profissionais indígenas. Ele atribuiu a situação à atual gestão do DSEI e pediu investigação dos órgãos competentes.
O vereador ainda relatou a morte de três crianças indígenas nas últimas semanas, duas no Alto Rio Juruá e uma no hospital de Feijó, supostamente por viroses que poderiam ter sido tratadas.
Dados oficiais apontam aumento da mortalidade infantil
O Plano Distrital de Saúde Indígena (2024–2027) do DSEI Alto Rio Juruá confirma o agravamento da mortalidade infantil na região. O número de óbitos de crianças indígenas menores de 1 ano subiu de 18 em 2020 para 30 em 2022, com taxa de mortalidade passando de 27,4 para 50,2 por mil nascidos vivos.
Entre as causas mais comuns estão mortes sem assistência, pneumonias, infecção por coronavírus e desidratação neonatal. O documento também revela que apenas 66,6% das crianças menores de 5 anos tiveram esquema vacinal completo em 2023, abaixo da meta de 90%. Cerca de 18% das crianças não têm acompanhamento nutricional.
DSEI rebate críticas e diz que há “motivações políticas”
O assessor de Saúde Indígena do DSEI, Francisco de Assis Brandão, rebateu as denúncias e afirmou que algumas restrições ao trabalho nas aldeias foram impostas pelas próprias lideranças. “O Mário fez documento proibindo a entrada da equipe sem dentista. A equipe é completa, mas os dentistas estavam de folga no dia da viagem. Mesmo assim, as visitas acontecem de 15 em 15 dias, e não a cada 60 ou 90, como ele disse.”
Sobre a falta de medicamentos, Brandão explicou que os insumos são enviados conforme o número de atendimentos previstos. Ele negou que falte água potável e disse que o Pólo de Feijó recebe regularmente galões de água. “Onde há solicitação, mandamos. Lá onde o Mário mora há poço artesiano e saneamento básico. Acho que ele quer aparecer na mídia”, afirmou.
O assessor também defendeu o processo de contratação pela empresa Agsus, responsável pela terceirização dos serviços. Segundo ele, houve análise de currículos e apenas profissionais com melhor desempenho foram mantidos.
Ex-funcionária denuncia perseguição e discriminação
A farmacêutica Artemízia Nukini, que trabalhou por 14 anos na saúde indígena do Alto Rio Juruá, afirmou ter sido demitida por perseguição política. Segundo ela, 12 profissionais, sendo sete deles indígenas, foram dispensados sem avaliação formal de desempenho. “Trabalhei 14 anos e nunca passei por isso. Dizem que perdemos o perfil, mas nunca fomos avaliados. A gestão está montando um cenário político e excluindo indígenas da saúde indígena”, disse.
Artemízia e outros ex-funcionários protocolaram denúncia no Ministério Público do Acre por perseguição, discriminação étnica e abuso de autoridade.
Coordenação do DSEI nega irregularidades e fala em “reestruturação”
O coordenador do DSEI Alto Rio Juruá, Isaac Piyãko, negou todas as acusações e disse que as trocas de profissionais fazem parte de um processo de readequação institucional, conduzido pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). “Essas denúncias são infundadas e têm motivação política. Estamos passando por uma transição de equipes, a terceira nesta gestão. Houve avaliação técnica e de desempenho. A Artemízia, inclusive, já tinha carta de demissão feita por lideranças indígenas”, declarou.
Sobre as mortes de crianças, Piyãko afirmou que o DSEI mantém uma equipe de investigação de óbitos desde 2018 e que trabalha para melhorar o diagnóstico e o atendimento. “Estamos estruturando o distrito e investigando os casos para evitar novas mortes”, completou.
Questionado se será candidato nas eleições de 2026, o coordenador respondeu que “colocou o nome à disposição”, mas que ainda não possui filiação partidária.
Com uma área de mais de 216 mil km², o DSEI Alto Rio Juruá cobre terras indígenas nos municípios de Feijó, Jordão, Tarauacá, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Mâncio Lima. O atendimento é realizado por equipes multidisciplinares, com deslocamento por vias fluviais, terrestres e aéreas.