Em meio ao aumento da tensão com os Estados Unidos, a TV estatal da Venezuela usa o “Super Bigode”, alter ego em desenho animado do ditador Nicolás Maduro, como parte da campanha de propaganda do país contra a operação americana no Caribe.
O “Super Bigode”, é transmitido na TV estatal venezuelana desde 2021, é apenas uma parte da propaganda do país enquanto navios de guerra americanos se concentram próximos à costa venezuelana e o presidente dos EUA, Donald Trump, cogita enviar tropas para depor Maduro.
Em um episódio de setembro do “Super Bigode”, exibido logo após Trump iniciar sua campanha de ataques aéreos contra supostos barcos de drogas na costa venezuelana, o super-herói animado trocou seu traje habitual por um uniforme militar, empunhando uma espada embainhada e declarando que a Venezuela não tem uma “cultura bélica”.
No entanto, apesar do novo visual do Super Bigode, o regime venezuelano tem enviado mensagens contraditórias desde o aumento das tensões com os EUA, simultaneamente instando os cidadãos a se prepararem para ação enquanto insiste que tudo está bem.
A dissonância entre a gravidade da crise no Caribe e a comunicação do regime é visível nas ruas de Caracas. Diferentemente de campanhas nacionais anteriores, as equipes da CNN na Venezuela não observaram outdoors, faixas, murais ou grafites na capital nacional pedindo apoio à postura de guerra do regime, mesmo em bairros considerados redutos do governo.
Diferentes estratégias
Maduro, que antes de agosto era mais comumente visto em espaços fechados, tem feito discursos e aparições públicas quase diariamente desde que as tensões com os Estados Unidos começaram a aumentar, frequentemente cercado por um significativo aparato de segurança, segundo o pesquisador e jornalista venezuelano Andrés Cañizález.
Maduro não assumiu a tarefa de projetar o poderio militar venezuelano diante das ameaças de Trump. Em vez disso, tem se retratado como um pacificador, chegando até a cantar “Imagine” de John Lennon em um evento público, instando Trump a se sentar à mesa para conversas cara a cara.
Ao circular entre a multidão em um comício em 13 de novembro, Maduro disse à CNN, através do repórter Stefano Pozzebon, que os EUA deveriam se unir à Venezuela pela paz nas Américas.
Cañizález acredita que a estratégia de comunicação do governo Maduro passou por diferentes estágios: inicialmente, as tensões com os EUA foram minimizadas, mas conforme a presença militar americana no Caribe aumentou, o discurso mudou “para um tom mais ameaçador e retaliatório.”
O contraponto de Maduro na máquina de propaganda venezuelana é Diosdado Cabello, o ministro do Interior e apresentador de um dos programas de maior audiência na TV estatal – “Con el Mazo Dando”, que em português significa “Batendo com um Porrete”. Em um episódio típico de quatro horas, Cabello alterna entre atacar políticos da oposição, contar piadas e promover a posição do governo.
Entre essas posições, destaca-se a de que as ações dos EUA no Caribe não têm relação com drogas, apesar das insistências da administração Trump.
“Não existem tensões aqui entre Venezuela e Estados Unidos. O que existe é uma agressão dos Estados Unidos contra a Venezuela”, declarou Cabello em seu programa na semana passada. “E a agressão não tem nada a ver com drogas, ou terrorismo, ou gangues criminosas, tem a ver com tomar controle dos recursos naturais da Venezuela”, agrescentou.
Em cada episódio, o ministro do Interior lê críticas ao governo Maduro, geralmente de políticos republicanos dos EUA, e responde com uma gravação do falecido presidente Hugo Chávez desafiando os Estados Unidos a tentar invadir a Venezuela.
O cientista político Javier Corrales, que frequentemente escreve sobre política venezuelana, disse à CNN que Cabello há muito tempo cultiva uma reputação agressiva como parte da velha guarda do regime.
“Ele é um valentão”, disse Corrales. “Há um certo aspecto de Cabello que reconhecemos em outras autocracias, a necessidade de ter alguém não apenas elogiando o presidente, mas atacando a oposição – e Cabello é impressionante nisso.”
Nas últimas semanas, os militares venezuelanos também publicaram diversos vídeos nas redes sociais mostrando soldados se preparando para a guerra, geralmente com música dramática ao fundo. As filmagens mostram tropas realizando exercícios de tiro, fortificações antitanque em Caracas e milicianos posando com armas.
Moderação com Trump
No entanto, em suas diferentes abordagens, Maduro e Cabello compartilham uma característica: a relutância em criticar Trump muito duramente
Ambos os homens têm muito a dizer sobre o Secretário de Estado americano Marco Rubio.
Segundo Cabello, Rubio, a quem o ministro do Interior frequentemente chama de “Cubano Louco”, está determinado a pressionar um Trump relutante a declarar guerra à Venezuela.
“Essa movimentação para buscar uma mudança de governo na Venezuela nem é para satisfazer os interesses de… Trump ou do MAGA, mas sim os de Rubio e da máfia cubano-americana”, declarou Cabello à sua audiência durante o episódio da semana passada.
Corrales explicou que Rubio é um antagonista perfeito para o regime de Maduro, sendo talvez o crítico mais proeminente do esquerdismo latino-americano no governo dos EUA. A herança cubana do secretário e suas origens na Flórida também fornecem munição para Cabello, que frequentemente alega que Rubio busca agradar um eleitorado de exilados cubanos anticomunistas em Miami.
Cañizález disse à CNN que, embora Trump possa ser criticado, Rubio é um útil “inimigo externo” para os apoiadores mais leais do regime.
Rubio “é apresentado como o inimigo direto da revolução”, afirmou Cañizález. “Essa tática busca semear divisões na política interna dos EUA e reforçar a ideia de um inimigo externo personalizado, útil para unir a base chavista.”
Mesmo depois que Trump ordenou ataques contra supostos barcos de drogas próximos à costa venezuelana em setembro, Cabello afirmou em seu programa de 3 de setembro que Rubio está “levando Trump ao matadouro, porque Rubio está tentando fragmentar a base MAGA de Trump e… se vender como um novo falcão dentro do Partido Republicano.”
A CNN entrou em contato com o Departamento de Estado dos EUA sobre as alegações de Cabello.
Embora Cabello frequentemente fale sobre se preparar para todos os cenários, incluindo possível conflito militar, ele ocasionalmente minimiza as ações anunciadas por Trump contra a Venezuela. Pouco depois de Trump autorizar publicamente a CIA a conduzir ações secretas no país, Cabello zombou da ideia de que a CIA já tivesse estado inativa na Venezuela.
“Sim, (a CIA) foi formalmente autorizada a agir”, disse Cabello sarcasticamente. “Como se nunca tivesse agido aqui antes.”
Aí está o dilema para a liderança venezuelana: mobilizar apoio contra inimigos externos enquanto evita o pânico de um país sob cerco. Se a situação piorar, será que o Super Bigode desembainhará sua espada?


