Risco de fuga complica Bolsonaro, mas saúde pode definir pedido de prisão domiciliar

Ex-presidente Jair Bolsonaro em sua casa em Brasília onde cumpre prisão domiciliar 03/09/2025 REUTERS/Diego Herculano

Mesmo com evidências de risco de fuga, juristas consultados pelo GLOBO avaliam que a saúde do ex-presidente Jair Bolsonaro tende a ser o fator decisivo para a possibilidade de um futuro retorno à prisão domiciliar. Os especialistas afirmam que o dano causado à tornozeleira eletrônica com uma solda, admitido por Bolsonaro na madrugada de sábado, complica o pleito da defesa do ex-presidente para que ele cumprisse a pena de 27 anos de prisão pela trama golpista em regime domiciliar. No entanto, eles ponderam que a eventual comprovação de complicações físicas e mentais tende a ser preponderante para o Supremo Tribunal Federal (STF) na execução da penal.


Bolsonaro estava em prisão domiciliar desde o início de agosto, antes de ter sido condenado no caso da tentativa de golpe, por ter descumprido medidas cautelares de outro inquérito, que o proibiam de usar redes sociais. O ministro Alexandre de Moraes determinou, no sábado, a troca do regime domiciliar pela prisão preventiva de Bolsonaro, na superintendência da Polícia Federal em Brasília, por risco de fuga.


Perícia médica

Na avaliação de Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio e especialista em Direito Penal, ainda que o sucessivo descumprimento de medidas judiciais por Bolsonaro “diminua o grau de confiança que o juiz tem” nele, o que vai determinar futuras decisões sobre prisão domiciliar é a “necessidade” de saúde. Esse tipo de regime, lembra Bottino, é adotado pelo STF em casos de presos debilitados.


“Se houver laudo médico dizendo que há risco de morte (na prisão), qualquer juiz vai colocá-lo em regime domiciliar. Nesse caso, precisaria haver um reforço de segurança em volta da casa dele (Bolsonaro) para garantir que a pena seja cumprida, como qualquer condenado tem que cumprir”, afirmou.


O advogado criminalista Fernando Hideo, doutor em Direito Penal pela PUC-SP, afirma que o uso de solda para danificar a tornozeleira eletrônica é “fundamento legítimo para a decretação de prisão preventiva, mas não interfere na análise futura de regime domiciliar”.


“A defesa terá que comprovar a existência de doença grave e que o sistema prisional não tem condições de oferecer a assistência médica necessária. Sem esses dois elementos, não há base para substituir o cumprimento de pena pelo regime domiciliar”, observou.


Segundo os especialistas, é possível que Moraes ou a própria defesa solicitem uma perícia médica feita por agentes públicos para atestar a situação de Bolsonaro. Até agora, os laudos apresentados ao STF foram assinados por médicos particulares do ex-presidente, que argumentaram nesse domingo haver um quadro de “confusão mental” por ingestão de remédios, o qual teria levado Bolsonaro a danificar a tornozeleira.


Para a mestre em Direito Penal Jacqueline Valles, a violação ao equipamento compromete uma condição básica para o cumprimento da pena em casa. No entanto, a alegação de confusão mental “pode ser levada em consideração”.


“Para levar isso adiante, precisaria haver um laudo médico ou psiquiátrico que mostrasse, em tese, a ocorrência de um ato impensado, uma situação totalmente fora da vontade dele (Bolsonaro)”, disse Valles.


‘Alucinação’

Ao alegar que Bolsonaro teria tido “alucinação” sobre uma suposta “escuta” na tornozeleira, a defesa do ex-presidente disse que a ação com solda não foi uma tentativa de “retirar o dispositivo”. Os advogados pediram ainda que Moraes reconsidere o pedido de prisão domiciliar que havia sido feito no dia 21, mesmo após o esgotamento dos recursos no caso da trama golpista.


Professor de Direito Penal e Criminologia da UFF, o advogado Daniel Raizman afirma que a sustentação desse argumento exige provas robustas e capacidade de mostrar “garantias de aplicação” de medidas mais leves do que a prisão.


“O juiz precisaria avaliar se esse quadro de confusão mental é compatível com o uso preciso de um instrumento perigoso, como a solda, em um objeto que está colocado no seu próprio corpo, e sem provocar nenhum ferimento.”


Compartilhar

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Últimas Notícias