Comunista lidera no Chile, mas ultradireita ainda pode ir para o 2º turno

Imagem: Rodrigo Arangua/AFP

O Chile vai às urnas neste domingo, 16, eleger o sucessor do presidente Gabriel Boric, um ex-ativista do movimento estudantil que chegou à Casa de la Moneda em 2022. As pesquisas de opinião mostram que ao menos quatro candidatos têm chances de avançar na corrida presidencial, o que já dá como certo que a eleição começa agora, mas só será decidida em um segundo turno, dentro de um mês.


A comunista Jeanette Jara, ex-ministra do Trabalho e Previdência de Boric, lidera as preferências, com mais de 30% das intenções de voto, o que lhe garantiria um lugar na segunda rodada.


Ela encara, porém, o enorme desafio de disputar com três candidatos à direita, que poderiam unir forças em torno do segundo colocado para derrotá-la em 16 de dezembro, quando os chilenos terão de voltar às urnas.


Destacam-se dois candidatos seguidores de Augusto Pinochet, José Antonio Kast e Johannes Kaiser, num país que parecia haver superado os ecos da ditadura. Pinochet foi o general do Exército que derrubou o socialista Salvador Allende e conduziu o violento regime militar entre 1973 e 1989, deixando milhares de mortos e desaparecidos.


Os dois políticos da ultradireita defendem agendas conservadoras e surfam na baixa popularidade do governo de esquerda de Gabriel Boric, que veio perdendo apoio desde a tentativa de mudança da Constituição, há três anos.


Eles cresceram na esteira da agenda de segurança pública, diante de um certo aumento da criminalidade no país, e endossam as críticas à alta da imigração, especialmente de venezuelanos que chegaram ao Chile fugindo do regime de Nicolás Maduro.


Evelyn Mathei, de centro direita, corre por fora, também com chances de chegar ao segundo turno, de acordo com as mais recentes pesquisas eleitorais – o Chile proíbe a divulgação de pesquisas 15 dias antes do pleito. Ex-ministra do primeiro governo de Sebastián Piñera, Mathei tenta se diferenciar de seus pares na oposição, com posições mais moderadas, e exaltando o papel da mulher na política, por exemplo.


Comunista pragmática


O presidente Gabriel Boric deve deixar o poder com uma popularidade baixa, de não mais que 30% de aprovação. Mas sua ex-ministra Jeanette Jara logrou trilhar seu caminho com uma atuação destacada por conquistas sociais importantes para os chilenos, ainda mais depois do “estallido social” que paralisou o país em 2019.


Militante da juventude comunista desde os 14 anos, Jara é elogiada por seu pragmatismo em desatar nós. Mesmo com minoria no Congresso, ela liderou a negociação com os políticos à direita, além dos sindicatos e o setor privado, o que garantiu a redução gradual da jornada de trabalho de 45 para 40 horas semanais.


Jara ainda conquistou um aumento das aposentadorias dos chilenos, após anos de imbróglio de um sistema privado de previdência que já foi tratado como modelo para outros países, mas se mostrou um fracasso. “Havia uma expectativa de uma reforma profunda no sistema da previdência. Não foi possível mudar como se esperava, mas melhoraram as aposentadorias porque ela negociou um consenso com a direita”, explica Claudia Heiss, doutora em ciência política e professora da Universidade do Chile.


No último debate presidencial, Jara cobrou de seus opositores a disposição de construir em vez de obstruir discussões importantes, como o fim do sigilo financeiro em investigações sobre segurança pública, uma bandeira defendida por eles. “Se queremos deter o crime e a corrupção, é preciso puxar o fio do dinheiro, e a direita precisa parar de se opor a levantar o sigilo bancário”, disse.


Direita à espreita e voto obrigatório


Os candidatos da direita se beneficiam da mudança nas regras eleitorais, que tornaram o voto obrigatório neste pleito, e contemplaram neófitos da política com perfil mais conservador, segundo cientistas políticos chilenos ouvidos pela coluna. Hoje, há cerca de 15,8 milhões de eleitores habilitados a votar no Chile.


Enquanto o voto era facultativo, o engajamento nas urnas era de um pouco mais de 44%. Agora, espera-se o dobro de comparecimento. “Esses eleitores que se incorporam costumam votar contra quem está no poder, e hoje é um governo de esquerda, então, devem votar à direita”, diz Claudia Heiss.


O ex-deputado Kaiser, do Partido Nacional Libertário, que se inspira em intelectuais conservadores e em políticos como o presidente argentino Javier Milei, se autodenomina liberal libertário e a favor do Estado enxuto. Ele promete cortar 16 dos 25 ministérios e demitir milhares de funcionários públicos, além de adotar outras medidas que coloquem o ajuste fiscal em primeiro plano —quer a privatização da Codelco, a estatal de cobre chilena, que está para os chilenos como a Petrobras para o Brasil.


Kaiser defende a ditadura de Pinochet, que ele considera encerrada em 1980, quando houve um plebiscito por uma nova Constituição, embora a censura e a repressão estivessem em vigor e o Congresso seguisse fechado. Ele diz que, se eleito, irá reivindicar o direito de instaurar o estado de sítio em áreas geográficas que demandem o uso de força contra a criminalidade, com apoio das Forças Armadas.


Ele segue a linha próxima ao bolsonarismo, como a luta contra o direito ao aborto e à ideologia de gênero, e tem posições negacionistas para a agenda de meio ambiente. Há pesquisas que o colocam em segundo lugar, e outras em quarto, mas com mais de 10% das preferências.


José Antonio Kast, do Partido Republicanos, por outro lado, concorre por terceira vez à presidência. Se tinha um discurso mais radical na última eleição, quando foi derrotado por Boric, agora buscou modular suas posições fugindo das pautas mais polêmicas, incluindo suas posições sobre a ditadura militar.


Oriundo do partido UDI (União Democrática Independente), que sempre apoiou a ditadura e o legado de Pinochet, ele fundou o partido Republicano em 2019 com o lema de “Ordem e Segurança”, após a crise social que paralisou o país com milhões de chilenos nas ruas semanas a fio.


Alinhado ao presidente Donald Trump e ao ex-presidente Jair Bolsonaro, já atacou o que chama de “ditadura gay” e segue o discurso da família tradicional religiosa.


Kast se destacou durante a assembleia constituinte que mudaria a Constituição herdada de Pinochet, numa derrota para Boric, mas não conseguiu avançar com as reformas que almejava.


Chegou a liderar as pesquisas eleitorais antes da ascensão de Jara, e agora chega com a bandeira do combate à criminalidade, um tema que assusta 60% dos chilenos, especialmente com o avanço do crime organizado, que trouxe mais violência ao país. A temida organização venezuelana Tren de Aragua, por exemplo, tem atuado no Chile e já está presente em quase todo o território.


Kast prega barreiras nas fronteiras para impedir a entrada de imigrantes ilegais —há quase 2 milhões de estrangeiros no país de 20 milhões de habitantes, e a maioria são venezuelanos—, e faz a defesa dos “carabineros”, a polícia chilena que ficou desacreditada após violações de direitos humanos no combate aos protestos multitudinários de 2019. A exemplo de Kaiser, defende um ajuste fiscal.


Evelyn Mathei, por sua vez, se equilibra entre os dois radicais defendendo a mesma plataforma de campanha – segurança, corte de gastos e controle da imigração — mas destaca seu perfil de “direita tradicional pragmática” e sua bem sucedida gestão como prefeita de Providencia, uma região de classe média alta de Santiago (no Chile as prefeituras são exercidas por áreas da capital).


Ela enaltece o capital político de herdeira de Sebastián Piñera, eleito presidente duas vezes no Chile. Piñera morreu em um acidente de helicóptero em fevereiro do ano passado. A esquerda, porém, lembra que ela foi uma das que apoiava a continuidade da ditadura de Augusto Pinochet durante um plebiscito popular de 1988. Naquele ano, o Chile rechaçou a continuidade do ditador, dando início à abertura para a chegada da democracia dois anos depois.


Fim do reinado da esquerda?


O quadro eleitoral neste primeiro turno deixa em aberto se o Chile migrou para uma linha mais à direita, flertando com o radicalismo escancarado de Kaiser, por exemplo, após anos de reinado da esquerda. Um levantamento de outubro do CEP (Centro de Estudos Públicos) mostrou que 24% de chilenos se sentem identificados com a direita, a maior proporção já constatada desde 2006, com outros 20% com a esquerda e 36% ao centro. Além disso, os entrevistados acreditam que Kast reuniria mais condições para combater os problemas de segurança pública, principal preocupação do eleitorado hoje.


O fato é que o campo progressista pautou o debate nos últimos anos no Chile, estivesse no poder, ou não. Quando não estava na presidência, liderava protestos nacionais, como a “Revolução dos Pinguins”, em 2011, os protestos de estudantes que destacaram Boric, por exemplo. A esquerda também esteve à frente da ruptura social de 2019, quando o país estava sob o governo da direita de Sebastián Piñera.


O cientista político Alberto Mayol observa que a esquerda viveu um processo de hegemonia entre 2011 e 2022, até que começou a cair com os erros cometidos durante a convenção constituinte para a mudança da Carta Magna. A arrogância para impor temas que não são consensuais no país acabaram por dar vantagem à direita naquele momento. “O pensamento da direita e suas temáticas crescem sem parar, e isso explica que o teto da direita chegue a 62%”, estima ele.


Isso não significa, contudo, que o Chile tenha dado uma guinada à direita, avalia Claudio Fuentes, professor da Universidade Diego Portales. “Há um segmento da sociedade que defende os direitos humanos e reprova a ditadura, o que compõe cerca de 40% das pessoas. Outro grupo, mais reduzido, defende o legado de Pinochet, e isso representa entre 20 e 25% da sociedade”, avalia. “Mas na hora de votar esse tema não é o único que importa para o eleitor, se não os aspectos da insegurança e da economia que os levam para a direita”, completa.


Fuentes lembra ainda que Boric não teve maioria no Congresso, o que comprometeu muitos dos seus planos de governo, e esse é um ponto em aberto nesta eleição também, que deve eleger deputados e renovar parte do Senado. Há, ainda, 21% dos chilenos que até o final do mês passado não sabiam em quem votar, o que aumenta ainda mais as expectativas sobre as eleições deste domingo.


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