Após prisão de Bolsonaro, governo prevê dificuldades para negociar sanções dos EUA

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Encontro com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante o 47ª Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático - ASEAN em Kuala Lampur, Malásia | Foto: Ricardo Stuckert / PR

Interlocutores do governo brasileiro afirmam que, se já era difícil obter dos Estados Unidos a suspensão das sanções aplicadas a cidadãos brasileiros, a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, na manhã do último sábado, torna esse objetivo ainda mais distante. Por outro lado, avaliam que não há sinais de que Washington pretenda adotar novas medidas punitivas, a menos que o presidente Donald Trump surpreenda e tome alguma iniciativa fora do previsto.


Em meio a esse cenário, o Brasil aguarda uma resposta ao pedido de suspensão temporária da alíquota de 40% — o chamado tarifaço — enquanto se mantêm as conversas em andamento.


A proposta brasileira, encaminhada a Washington no último dia 3, também prevê a reversão das sanções impostas a autoridades nacionais, entre elas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.


No sábado passado, o vice-secretário de Estado dos EUA, Christopher Landau, chamou a prisão do ex-presidente de “provocativa e desnecessária”. Landau voltou a criticar Moraes, responsável pela detenção de Bolsonaro e relator do processo que o condenou a mais de 27 anos de reclusão por tentativa de golpe de Estado. Em uma rede social, chamou o magistrado de “violador de direitos humanos”.


Para integrantes do governo Lula, Landau foi usado para atacar Moraes nas redes sociais como forma de dar satisfação à base republicana. O chefe da diplomacia dos EUA, Marco Rubio — que vem tratando do assunto com o chanceler Mauro Vieira — não se manifestou sobre a prisão do ex-presidente brasileiro no sábado.


O Brasil busca um acordo que encerre a sobretaxa ou, ao menos, amplie as exceções hoje previstas. Houve contatos diretos entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, por telefone e pessoalmente, e o chanceler Mauro Vieira se reuniu com Rubio algumas vezes, sendo o último encontro há cerca de duas semanas. O chefe da diplomacia americana disse a Vieira que o governo de seu país enviaria uma resposta a Brasília em breve.


Na última quarta-feira, Trump assinou uma ordem executiva ampliando a lista de produtos brasileiros isentos da sobretaxa de 40%, medida que, segundo nota técnica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), retira do tarifaço 238 itens que representam 10% das exportações brasileiras aos EUA — cerca de US$ 4 bilhões anuais. Somadas às categorias que já estavam fora da alíquota adicional, as isenções agora abrangem 36% do que o Brasil vende ao mercado americano.


Produtos como café (US$ 1,9 bilhão) e carne bovina (US$ 944 milhões) foram os mais beneficiados e, em sua maioria, também já haviam sido excluídos da tarifa bilateral de 10% aplicada a todos os países, o que significa que entrarão nos EUA sem qualquer acréscimo tarifário. Ainda assim, 22% das exportações brasileiras seguem sujeitas ao tarifaço total de 50% (10% gerais mais 40% adicionais), enquanto itens isentos apenas da tarifa extra de 40% — mas ainda submetidos aos 10% — respondem por outros 15% das vendas, como é o caso dos aviões.


Em um eventual acordo com os EUA, o Brasil poderá ter de apresentar contrapartidas. Entre as áreas apontadas por interlocutores estão ajustes no processo de regulação das chamadas big techs, acesso a minerais críticos e estratégicos, compromissos em propriedade intelectual, mudanças em exigências de conteúdo local e eventuais revisões em políticas de incentivos. Interlocutores afirmam que nada está fechado, mas reconhecem que a negociação tende a envolver concessões para destravar tanto o impasse do tarifaço quanto a discussão sobre as sanções.


Paralelamente, o país segue sob investigação pela Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, que permite que o Escritório de Representação Comercial dos EUA (USTR) investigue práticas comerciais estrangeiras consideradas “injustificáveis”, “não razoáveis” ou discriminatórias.


Entre os pontos sob apuração estão alegadas barreiras ao comércio digital e a serviços de pagamentos eletrônicos; reclamações de que o país aplica tarifas mais altas a produtos americanos enquanto concede alíquotas preferenciais a outros parceiros; dúvidas sobre a efetividade das políticas anticorrupção; fragilidades na proteção à propriedade intelectual — citando, por exemplo, mercados de produtos falsificados como a Rua 25 de Março; restrições ao etanol americano após mudanças recentes na política tarifária; o uso do Pix como meio de pagamento instantâneo; e questionamentos sobre a aplicação das leis ambientais para coibir o desmatamento ilegal, que, segundo os EUA, poderia gerar vantagens competitivas indevidas a produtores brasileiros.


O mecanismo já foi usado, por exemplo, para contestar subsídios chineses, barreiras da União Europeia e políticas de propriedade intelectual. Dependendo das conclusões, pode resultar em retaliações tarifárias ou em acordos bilaterais para corrigir o que Washington considera distorções.


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