O Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE/AC) identificou uma série de irregularidades graves na adesão do Instituto de Terras do Acre (Iteracre) à Ata de Registro de Preços nº 002/2024, firmada pelo Governo do Pará com a empresa PAS – Projeto, Assessoria e Sistema Ltda, no valor de R$ 588 milhões. A contratação resultou no Contrato nº 26/2024, avaliado em R$ 82,2 milhões, e já apresenta indícios de superfaturamento superior a R$ 17,5 milhões, segundo relatório preliminar da auditoria técnica.
A auditoria aponta que o processo de licitação que deu origem à ata de preços já apresentava vícios graves: apenas uma empresa participou do certame; foi utilizado de forma irregular o critério de julgamento “técnica e preço”, incompatível com o regime de registro de preços; e houve vedação à participação de consórcios sem justificativa técnica, o que restringiu a competitividade.
Apesar das impugnações apresentadas, o Iteracre aderiu à ata sem verificar a regularidade do procedimento. Para a área técnica da Corte de Contas, a adesão representou uma “falha de diligência” e omissão no dever de avaliar riscos jurídicos e financeiros.
O relatório também chama atenção para o padrão de contratações contínuas do Iteracre com a mesma empresa. Desde 2021, o órgão realiza a adesão de Ata de Registro de Preços (ARP) da empresa PAS para serviços de regularização fundiária, atividade considerada estratégica e parte de sua função principal.
Entre 2022 e 2024, os preços unitários de serviços semelhantes tiveram aumentos considerados “anômalos e antieconômicos”, variando de 47% a 91%, mesmo com a ampliação expressiva dos quantitativos contratados. Para a equipe técnica, a prática contraria a lógica da economia de escala, já que maiores volumes deveriam resultar em redução dos preços.
A auditoria revelou ainda que o Iteracre concentrou gastos expressivos com a empresa PAS em 2024, ano em que os desembolsos cresceram mais de 300% em relação a 2023, somando cerca de R$ 22,3 milhões, o equivalente a 66% de todas as despesas do órgão no período. Esse aumento está diretamente ligado ao Contrato nº 26/2024, que, até a oitava medição, já havia gerado pagamentos de R$ 25,1 milhões, conforme registros do Portal da Transparência e processos internos.
O relatório aponta ainda que quase metade desse montante foi empenhada em apenas dois meses, entre setembro e outubro, logo após a assinatura do contrato, levantando suspeitas sobre a execução orçamentária. Além da concentração temporal dos gastos, foram identificadas inconsistências entre valores medidos, faturados, pagos e posteriormente glosados, indício de falhas na fiscalização e na conformidade dos serviços efetivamente prestados.
A execução contratual também apresentou graves inconsistências. O relatório cita: pagamentos feitos a CNPJs diferentes do previsto no contrato; sobrepreço de R$ 11,4 milhões na execução de serviços de regularização fundiária; descumprimento da obrigação de envio de documentos ao sistema LICON, que garante transparência das despesas; concentração atípica de despesas em 2024, quando a empresa recebeu mais de R$ 22 milhões. As falhas, segundo o TCE, comprometem a legalidade, a transparência e a economicidade do contrato.
O relatório preliminar indica como responsáveis o então presidente do Iteracre, Francisco Romário de Oliveira Costa, a atual presidente do Iteracre, Gabriela Câmara, além de chefes de controle interno, fiscais e gestores diretamente ligados ao contrato. O tribunal aponta que todos podem ser responsabilizados solidariamente pelos danos ao erário.
Diante das irregularidades, a área técnica da Corte de Contas recomendou comunicação imediata à Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) para sustar o contrato nº 26/2024; citação dos gestores envolvidos para apresentação de defesa quanto ao indício de superfaturamento de R$ 17,5 milhões; que o Iteracre passe a realizar licitações próprias e planejadas, em vez de recorrer de forma sistemática à adesão de atas de registro de preços.
“Diante do exposto na análise, conclui-se que a adesão à Ata de Registro de Preços nº 02/2024 – SECULT/PA e a subsequente execução do Contrato nº 26/2024 pelo ITERACRE estão eivadas de um conjunto de irregularidades graves, que comprometem a legalidade, a economicidade e a efetividade da contratação. As principais constatações desta auditoria são”, diz trecho do relatório assinado pela auditora de Controle Externo, Daphne de Oliveira Peres.