Polipílula contra hipertensão pode reduzir em 39% a recorrência de AVC, aponta estudo

(Rovena Rosa/Agência Brasil)

O uso de uma pílula tripla de anti-hipertensivos em complemento ao tratamento habitual da hipertensão diminuiu em 39% o risco de recorrência de todos os tipos de acidente vascular cerebral (AVC) em pacientes com casos prévios do quadro hemorrágico.


O impacto na prevenção de um novo AVC hemorrágico, que é o mais grave, foi ainda maior, com redução de risco em torno de 60%. Os resultados são do estudo Trident, coordenado pelo The George Institute for Global Health, da Austrália, e conduzido no Brasil pelo Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.


De acordo com a neurologista Sheila Martins, chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento e coordenadora da pesquisa, a polipílula é uma mistura de baixas doses de telmisartana, anlodipina e indapamida, que são vendidos no Brasil de forma isolada.


A união dos medicamentos permite o uso de apenas uma pílula ao dia, diz ela, facilitando a adesão ao tratamento.


Além disso, utilizar doses mais baixas de diferentes medicamentos é vantajoso porque diminui a probabilidade de efeitos adversos – algo mais comum com doses elevadas.


Outro benefício, explica a pesquisadora, é que como cada substância tem um mecanismo de ação, o efeito na redução da pressão tende a ser mais rápido.


Segundo Sheila, que também é presidente Rede Brasil AVC e ex-presidente Organização Mundial de AVC, já existem várias versões de polipílulas, mas nenhuma com a mesma combinação usada no estudo.


Como a pesquisa foi feita

O Trident é o maior estudo de prevenção secundária do AVC hemorrágico no mundo, com 1.670 pacientes, todos com histórico do quadro. Desses, 833 receberam a polipílula, enquanto 837 tomaram o placebo. Ambos os grupos seguiram com o tratamento preventivo padrão prescrito pelos médicos após o AVC. Os participantes foram acompanhados por três anos para avaliar o efeito das intervenções.


O trabalho foi liderado pelo professor Craig Anderson, do George Institute for Global Health, que apresentou os resultados preliminares no dia 22 de outubro, durante o World Stroke Congress, em Barcelona. A expectativa é de que a pesquisa completa seja publicada no primeiro semestre de 2026.


Mais de 500 pesquisadores de 61 hospitais localizados em 12 países participaram do trabalho. No Brasil, ele foi liderado pelo Hospital Moinhos de Vento, com financiamento do Ministério da Saúde através do PROADI-SUS.


O que é a hipertensão?

A hipertensão é uma doença crônica degenerativa não contagiosa, define Sheila. Ela representa um grande problema de saúde pública e, muitas vezes, é silenciosa – quando se manifesta, já é em forma de um infarto ou AVC. Apenas 40% dos hipertensos no Brasil são diagnosticados, e uma minoria tem a pressão tratada e controlada. A doença, além disso, é cada vez mais comum em jovens.


O médico Nelson Dinamarco, presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), destaca que o quadro necessita de controle e acompanhamento eficazes. “Entre os efeitos colaterais estão as chamadas lesões de órgão-alvo, que incluem infartos, AVCs e também insuficiência cardíaca, doenças renais crônicas e outras alterações.”


De acordo com ele, o tratamento é dividido em dois tipos: não farmacológico e farmacológico. “O primeiro compreende a adesão a mudanças do estilo de vida, como reduzir o consumo de sal, gordura e fritura, parar de fumar e beber e praticar atividades físicas regulares e supervisionadas, além de controlar o estresse”, detalha.


“Para o tratamento farmacológico, há várias classes de remédios que podem ser associados. Hoje, o indicado é começar com um ou dois medicamentos e agregar outros ao longo do tempo. Mas é bom destacar que o tratamento é individualizado”, aponta.


O dilema da adesão ao tratamento

O reconhecimento da hipertensão é o primeiro desafio a ser superado, mas está longe de ser o único. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) evidenciou que, depois do diagnóstico, a adesão ao tratamento é outra grande barreira para o controle da hipertensão. O estudo acompanhou 253 participantes e, desses, 90,1% afirmaram que tomavam remédios para controlar a pressão alta. Os medicamentos, no entanto, foram detectados na urina de apenas 32,4% deles.


Em entrevista ao Estadão, João Roberto Gemelli, presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DHA/SBC), afirmou que isso acontece porque a hipertensão, muitas vezes, é uma doença assintomática. Assim, os pacientes hipertensos tendem a abandonar o uso contínuo dos medicamentos ao longo do tempo, o que pode levá-los novamente a quadros graves de pressão elevada.


Uma das estratégias citadas por ele para superar a situação é a prescrição de uma medicação de dose única diária, com ação prolongada de 24 horas e poucos efeitos colaterais.


Esse é justamente o objetivo dos pesquisadores do Trident: unificar o tratamento em uma única pílula. De acordo com Alexandre Vieira, diretor médico da Funcional Health Tech, o uso de combinações fixas já é recomendado pelas diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, da Sociedade Europeia de Hipertensão e da Organização Mundial da Saúde (OMS).


Para ele, as polipílulas representam um avanço importante. “O objetivo é simplificar o tratamento e facilitar o uso contínuo. As evidências indicam que esquemas mais simples aumentam a adesão e melhoram o controle da pressão arterial, principalmente entre idosos e pessoas com múltiplas doenças crônicas.”


Vieira destaca, no entanto, que a baixa adesão é um retrato do contexto em que os pacientes vivem, e não apenas do uso de vários medicamentos. “Rotinas instáveis, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, baixo nível de escolaridade, falta de apoio familiar, estresse crônico e insegurança alimentar pesam muito mais na adesão do que a quantidade de medicamentos”, pondera.


“O problema real está no entorno social do paciente. Não adianta oferecer uma pílula única se o indivíduo vive em um ambiente que não sustenta o cuidado. A adesão depende de muito mais do que disciplina”, frisa.


Interrupção do tratamento

Segundo Vieira, interromper o tratamento, mesmo que por poucos dias, rompe o equilíbrio de um sistema que precisa estar sempre sob controle.


“Nos primeiros dias sem medicação, ocorre um efeito de rebote. A pressão volta a subir de forma abrupta, e esse pico aumenta o risco imediato de infarto e AVC, por exemplo, especialmente em pessoas que já têm doença cardíaca pré-existente. Há casos em que a suspensão repentina de anti-hipertensivos pode causar arritmias e até crises hipertensivas graves”, diz.


“Com o passar do tempo, as consequências se acumulam. A pressão elevada de forma intermitente acelera a deterioração das artérias e aumenta a sobrecarga sobre o coração, os rins e o cérebro. O músculo cardíaco se espessa, os vasos perdem elasticidade e os rins começam a perder capacidade de filtração”, explica, reforçando que o tratamento depende da constância.


Dinamarco acrescenta que todo mundo deve medir a pressão com regularidade. “Não acredite que é só tomar o remédio e está tudo certo. As pessoas também precisam fazer sua parte.”


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