Organizações sociais, instituições públicas e privadas e políticos se posicionaram em relação à megaoperação que resultou em ao menos 119 mortos — entre os quais quatro policiais — nos complexos da Penha e do Alemão, na última terça-feira. Em carta pública coletiva com o título “Segurança pública não se faz com sangue”, 28 instituições de direitos humanos, entre elas a Anistia Internacional Brasil, a Justiça Global e a Redes da Maré, repudiam a ação mais letal da história do Rio de Janeiro, afirmando que “a morte não pode ser tratada como política pública”.
O documento segue dizendo que “a perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro”. A carta ainda afirma que a operação não apresenta “elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios”, mas, “pelo contrário, aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal”.
A deputada estadual Renata Souza (PSOL) divulgou uma lista com 12 ações que tomará por conta da mega operação. Entre elas, a parlamentar solicitará ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a “apuração da operação, fiscalização do uso da força letal e levantamento dos impactos civis, com base na ADPF 635”. Além disso, Renata Souza apresentará denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) e ao Relator Especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais para “requerer acompanhamento internacional e aplicação do Protocolo de Minnesota para perícia independente e responsabilização” no caso das mortes.
O Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas também se posicionou a respeito da operação. “Compreendo perfeitamente os desafios de ter que lidar com grupos criminosos violentos e bem organizados como o Comando Vermelho; no entanto, a longa lista de operações que resultaram em muitas mortes — que afetam desproporcionalmente pessoas de ascendência africana — levanta questões sobre a forma como essas operações são conduzidas”, disse Volker Türk, titular da organização, em texto publicado no site.
A Fiocruz divulgou um manifesto, ao lado de outras 43 instituições públicas e entidades civis, afirmando que a operação policial “evidenciou a insustentabilidade das políticas estaduais de segurança”.
No documento, a organização diz que os impactos da violência armada no Rio vão além das estatísticas de criminalidade: intensificam “uma crise de natureza socioeconômica” que subtrai “a integridade física e mental de comunidades inteiras”, levando a “um problema de saúde pública”.
Ignorar o conflito armado “é irresponsabilidade administrativa, tratá-lo via necropolítica é alimentá-lo”, afirma o manifesto.
Nas redes sociais, o Instituto Marielle Franco fez uma publicação, afirmando que “o governador faz de corpos estendidos seu palanque político”. O texto diz que estamos vivendo “sob um regime de Apartheid social e racial”, e que a morte está sendo usada como instrumento de poder, “negando humanidade, nome e o direito a um enterro digno” a inúmeras vidas.
Com o apoio de outras entidades de direitos humanos, a instituição apresentou denúncia à ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alertando para o descumprimento da lei e das condenações internacionais sobre a letalidade policial. No documento, a organização diz que “não há justiça no Brasil” e que, por este motivo, estão buscando a “justiça internacional para pôr fim à política de extermínio”.
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) disse “acompanhar com preocupação a operação coordenada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro”. O documento também reafirma que “o enfrentamento ao crime organizado deve ser conduzido com base em inteligência, planejamento estratégico e, sobretudo, na preservação da vida”.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB também publicou uma nota, repudiando as ações policiais. Segundo o documento, “a Carta Magna de 1988 estabelece que a segurança pública é dever do estado, direito e responsabilidade de todos”. No entanto, “o cumprimento dessa missão constitucional não autoriza a adoção de práticas que resultem em violação de direitos humanos, execuções sumárias ou tratamento desumano e degradante”, reforça a instituição.
O órgão ainda reitera a necessidade do Governo do Estado tornar público “o planejamento e a execução da denominada ‘Operação Contenção’, de modo a permitir o controle social e institucional das ações estatais’.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), em nota, repudiou a operação policial realizada nos Complexos do Alemão, da Penha e do Chapadão, que, segundo eles, “já somam diversas violações de direitos fundamentais”.
O órgão também expressou sua solidariedade “às famílias das vítimas, às comunidades atingidas e aos movimentos e organizações locais de direitos humanos, reafirmando o seu compromisso com a defesa intransigente da vida e da dignidade”.
Em nota, a Defensoria Pública do União (DPU) afirmou que as “ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade”.
No texto, A DPU defende que “o combate ao crime deve ocorrer dentro dos limites da legalidade, com uso proporcional da força, transparência na apuração dos fatos e garantia do devido processo legal”, reafirmando seu compromisso com a proteção da vida e com o enfrentamento à violência institucional.