O promotor Thalles Ferreira, titular da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania do Ministério Público do Acre (MPAC), visitou nesta sexta-feira (31) a comunidade do Papouco, em Rio Branco, e reforçou a exigência de que qualquer proposta de remoção de famílias daquela região seja devidamente fundamentada e precedida de diálogo efetivo. A visita ocorre em meio à tensão vivida por dezenas de famílias que podem ser transferidas para o conjunto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida, no bairro Rosa Linda, sob justificativas de que a área do Papouco tem risco de deslizamento, prática de drogas, e outros crimes.
O despacho assinado por Ferreira no dia 10 de outubro, ao qual o ac24horas teve acesso, reforça que cabe ao poder público municipal e estadual demonstrar de forma técnica e documental a necessidade e a legitimidade de qualquer remoção. Isso inclui, segundo o texto, apresentar laudos, estudos de impacto social, mapeamento de áreas de risco e planos de reassentamento que garantam a proteção integral das famílias afetadas.
“Qualquer remoção, seja para construção de uma obra pública ou por risco, deve ser precedida de um diálogo franco com a comunidade”, afirmou o promotor em entrevista ao ac24horas, mencionando em seguida: “O Ministério Público não comunga com discursos rasos que se limitam a marginalizar pessoas que moram em locais de vulnerabilidade.”
Na prática, o documento firmado pelo promotor funciona como um ato de controle e cobrança de transparência, obrigando os órgãos públicos a comprovar que as medidas anunciadas não violam direitos humanos nem configuram remoções forçadas, vedadas pela legislação e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Ferreira enfatizou que o ônus da prova sobre a necessidade das remoções é do Estado. Ou seja, é o poder público quem deve justificar, com base em critérios técnicos e sociais, o porquê de famílias serem retiradas de suas casas. “O que estamos observando é que, ao invés de transparecer a inquestionável violação de direitos, a política de higienização da cidade obtém o endosso de pessoas com interesses distantes, bem como se reveste de invólucros dignificantes e redentores, a exemplo de longíquos conjuntos habitacionais para os quais se propõe a remoção de pessoas em extrema vulnerabilidade”, pontuou.

Foto: Thalles Ferreira/cedida
Durante a visita, o promotor constatou falhas graves de infraestrutura e ausência do poder público na comunidade. Ruas sem pavimentação, ausência de coleta regular de lixo, esgoto a céu aberto e falta de atendimento constante de saúde e assistência social foram alguns dos problemas verificados. Segundo Ferreira, o cenário evidencia abandono estatal, o que contraria o princípio da função social do território urbano.
“Na visita ao bairro, que não é a primeira vez, foi constatado um total abandono do Poder Público, o que é inadmissível. Queremos um diálogo justo e não soluções açodadas”, disse.
O representante do MPAC frisou ainda que o Ministério Público tem dever legal de fiscalizar políticas públicas e que continuará acompanhando o caso até que sejam garantidas as condições mínimas de cidadania aos moradores, independentemente de permanecerem ou não na área.
“Nosso dever, enquanto promotor de Direitos Humanos e Cidadania, é acompanhar se o bairro é atendido pelo município e estado com equipamentos públicos essenciais e políticas de inclusão social”, completou.
O despacho de Ferreira também cita o papel da função social da propriedade como argumento central: o promotor questiona a razão de haver tantos imóveis abandonados no centro de Rio Branco, enquanto o poder público propõe deslocar famílias inteiras para regiões periféricas e distantes.
“Queremos entender os anseios da população, a intenção do Município e também o porquê de tantos imóveis no centro da cidade estarem abandonados e destruídos, sem cumprirem a função social da propriedade”, destacou.
Na avaliação do promotor, a eventual remoção de moradores sem provas claras de risco ou necessidade pública pode configurar violação de direitos fundamentais, especialmente o direito à moradia digna, à cidade e à participação social. O órgão defende que a urbanização e a regularização fundiária sejam priorizadas antes de qualquer ação de despejo.
Ferreira finalizou ressaltando que a atuação do Ministério Público será pautada pelo equilíbrio entre segurança pública, dignidade humana e responsabilidade estatal, e que haverá articulação entre os promotores e o sistema de justiça para evitar medidas arbitrárias. “A articulação entre os promotores e o sistema de justiça será inevitável”, concluiu.