Devido à globalização e à facilidade de movimento entre países e continentes, as doenças infecciosas podem se espalhar rapidamente e causar consequências graves em todo o mundo.
De olho nos impactos econômicos e de saúde globais causados pela pandemia do coronavírus e pelos surtos dos vírus H1N1, SARS, Ebola, Zika e H5N1 (gripe aviária), uma equipe de cientistas está propondo uma solução alternativa para reduzir as cargas virais em seus locais de transmissão.
Segundo um estudo, publicado na revista Molecular Therapy, para esses tipos de vírus, que são transmitidos com mais eficiência pela boca do que pelo nariz, a solução eficaz é um tipo de goma de mascar clinicamente carregada feita com feijão lablab (Lablab purpureus).
Conhecida no Brasil por diversos nomes como orelha-de-turco, orelha-de-padre, vagem-orelha-de-padre, feijão-de-pedra, feijão-cabrocusso, ervilha e ervilha-de-pobre, essa leguminosa é uma planta trepadeira que produz naturalmente em sua composição uma proteína de armadilha antiviral, a FRIL.
A FRIL é uma lectina, um tipo de proteína que se liga especificamente a certos açúcares. Essa propriedade bioquímica permite que a proteína do feijão reconheça e se ligue às estruturas glicoproteicas da superfície de certos vírus, impedindo-os de se conectar a células humanas e causar infecções.
Como surgiu a ideia de criar uma vacina em forma de chiclete?

A ideia de uma goma de mascar feita de feijão lablab surgiu originalmente no final de 2021, quando uma equipe da Faculdade de Odontologia da Universidade da Pensilvânia, liderada por Henry Daniell, primeiro autor do estudo atual, buscava uma solução de baixo custo contra o vírus da Covid-19.
Animados com os bons resultados obtidos durante a pandemia com o SARS-CoV-2, os autores voltaram sua goma de mascar turbinada com FRIL contra alguns vírus. Os alvos foram dois vírus da herpes simplex (HSV-1 e HSV-2) e duas cepas de influenza A (H1N1 e H3N2).
Os autores formularam a goma de mascar de forma a liberar a FRIL em quantidades suficientes nos locais de infecção viral. Os resultados mostraram que apenas 40mg em comprimidos de dois gramas reduziram cargas virais em mais de 95%, resultado parecido com o obtido com o vírus da Covid-19.
Isso significa que, mesmo fora do corpo, a proteína não perde sua função biológica durante o processamento, o armazenamento e o uso. Mesmo após ser mastigada e misturada com as enzimas da saliva, a FRIL entra em contato com os vírus na boca e na garganta, e deflagra o seu efeito antiviral.
O preparo da goma como medicamento seguiu as especificações da Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA). “Essas observações são um bom sinal para avaliar a goma de feijão em estudos clínicos em humanos, a fim de minimizar a infecção/transmissão do vírus”, diz Daniell em um comunicado.
Embora ainda não testado em humanos, o chiclete foi avaliado em um simulador de mastigação que imita a boca. Os testes mostraram que a proteína FRIL foi eficazmente liberada, com mais de 50% atingindo esse resultado em 15 minutos, sem sinais de toxicidade ou interações negativas.
Usando a goma de mascar para combater a gripe aviária

Os autores estão testando adicionar o pó de FRIL na ração de aves, buscando controlar a propagação do vírus em granjas • Freepik
Atualmente, Daniell e sua equipe investigam o uso do pó de feijão lablab para combater a gripe aviária, que afetou 54 milhões de aves na América do Norte em três meses, além de causar infecções humanas nos EUA e Canadá pelo vírus H5N1.
Estudos anteriores já mostraram que a FRIL em pó consegue neutralizar os vírus H5N1 e H7N9, cepas da influenza A responsáveis por surtos de gripe aviária em humanos e aves. Isso abre caminho para estratégias preventivas baseadas em ingredientes naturais.
A ideia é testar a adição do pó na ração de aves, buscando controlar a propagação do vírus em granjas. Esse tipo de abordagem pretende reduzir o impacto econômico e sanitário da doença, que ameaça a segurança alimentar global.
Se eficaz, esse tipo de iniciativa pode representar uma solução sustentável e acessível para conter surtos, diminuindo a dependência dos antivirais tradicionais. Além disso, reduziria riscos de transmissão para humanos, bloqueando na origem potenciais pandemias associadas a cepas aviárias.
“Uma proteína antiviral de amplo espectro (FRIL) presente em um produto alimentício natural (pó de feijão) para neutralizar não apenas os vírus da gripe humana, mas também a gripe aviária é uma inovação oportuna para prevenir sua infecção e transmissão”, conclui Daniell.