Crise nos Estados Unidos esvazia espaço para Brasil na agenda de Donald Trump

(Foto: Reprodução/ONU)

O Brasil deixou de ocupar espaço de destaque na agenda dos Estados Unidos nos últimos dias, em razão do foco da Casa Branca na crise orçamentária que ameaça paralisar parcialmente o governo e à prioridade conferida pelo presidente Donald Trump ao plano de paz para a Faixa de Gaza. A avaliação de analistas e interlocutores do governo Lula ouvidos pelo Globo é que esse cenário, mesmo que temporário, pode interferir nos preparativos para a esperada conversa entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anunciada pelo líder americano durante a reunião da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, há cerca de dez dias.


Segundo pessoas envolvidas com o tema em Brasília, a questão orçamentária deve ser resolvida nos próximos dias. Já o plano de paz pode ter um desdobramento breve, uma vez que o grupo palestino Hamas, que controla Gaza, informou que vai libertar os reféns israelenses e entregar Gaza, mas quer discutir outros termos da proposta com Trump.


Analistas apontam que a mudança reflete não apenas a centralidade das disputas domésticas, mas também um redirecionamento das prioridades externas da administração republicana. A reunião entre os dois mandatários, que poderá se dar por telefone, videoconferência ou à margem da cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), perdeu tração diante da sobreposição de temas mais urgentes na agenda de Washington.


— O governo americano está focado nisso e a toda a administração monitora como a paralisação impacta o Estado, inclusive com estudos sobre demissão de funcionários e relocação de forças militares. Na política externa, Trump mira a proposta de paz para o Oriente Médio. O Brasil saiu do primeiro plano nos últimos dias — afirma Lucas Martins, professor de História dos Estados Unidos e Estudos Globais na Temple University, em Filadélfia.


Integrantes do governo Lula observam, no entanto, que sair da mira dos EUA não deve ser considerado algo ruim para o Brasil. Nas palavras de um interlocutor, é preciso ficar fora do radar daqueles que compraram o discurso do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) dentro do Departamento de Estado e da Casa Branca, estimulando a aplicações de sanções contra cidadãos brasileiros, por causa do processo contra seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, no Supremo Tribunal Federal (STF).


Para Dawisson Belém Lopes, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Brasil não é mais a prioridade política de Trump. Ele pontua que Brasília resistiu bem às estocadas iniciais de Washington, o que deve levar a Casa Branca a mobilizar outros instrumentos.


— Do lado do Brasil, tampouco há senso de urgência. Não nos furtaremos a conversar, mas os danos infligidos pelos EUA estão bem delimitados. São mais setoriais (no comércio exterior) e individuais (uso da Lei Magnitsky) do que propriamente nacionais — afirma.


Lopes ressalta que esse cenário também é negativo para Eduardo, que está morando nos EUA desde março deste ano. O filho número 03 do ex-presidente conseguiu que a Casa Branca se posicionasse contra o governo Lula e, principalmente, o Judiciário brasileiro.


Entre os assuntos que vão pautar o diálogo entre Lula e Trump, o principal será o tarifaço imposto pelos EUA — com sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros — e as sanções a cidadãos do país, incluindo o ministro do STF, Alexandre de Moraes, em razão do tratamento dado a Bolsonaro. Esses pontos, considerados sensíveis pelo governo do Brasil, dependem de avanço político em Washington para sair da estagnação.


Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes destaca que, por outro lado, o Brasil não saiu da “agenda negativa” com os EUA.


Ele lembra que o Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) investiga o país por supostas práticas desleais relacionadas ao desmatamento, à corrupção, aos acordos comerciais com outros mercados, às tarifas elevadas de produtos como o etanol e às grandes empresas de internet americanas. Não escapam nem mesmo o PIX como meio de pagamento e a Rua 25 de março, em São Paulo. O processo está sendo conduzido com base a Seção 301, da Lei de Comércio dos EUA.


— Como está em andamento a investigação do USTR com base na Seção 301, entendo que o Brasil, infelizmente, não saiu da agenda negativa dos EUA. A tão aguardada reunião entre Trump e Lula segue sendo preparada e pode vir a produzir algum efeito sobre as tarifas exorbitantes impostas ao Brasil. Cabe destacar que a posição do governo brasileiro é contundente em relação ao conflito na Faixa de Gaza e nesse tema o governo Trump está sendo pressionado, inclusive por aliados mais próximos como o Reino Unido. A dificuldade orçamentária deve ser resolvida em poucas semanas e, portanto, não é algo que tenda a ocupar Trump por muito tempo — afirma.


O governo americano voltou suas atenções quase exclusivamente à possibilidade de um novo shutdown, provocado pela falta de acordo no Congresso. Para enfrentar o risco, a Casa Branca determinou que todos os órgãos monitorem de perto os efeitos da paralisação sobre o funcionamento do Estado. Estão em andamento estudos que abrangem desde a suspensão de serviços e demissões de servidores até cortes em áreas estratégicas.


Entre as preocupações está a eventual relocação de forças militares, caso o impasse fiscal se prolongue. De acordo com a imprensa americana, fontes do Pentágono confirmam que planos de contingência já foram preparados para assegurar a manutenção de bases estratégicas, embora haja risco de prejuízos às operações de rotina.


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