Corte Eleitoral do Acre vê racismo em contrato e advogado pontua “enorme equívoco” de juiz

Foto: reprodução

Uma sessão do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC) gerou repercussão nacional ao expor contratos de serviços advocatícios e contábeis do Partido Republicanos com valores diferenciados por gênero e cor da pele. O juiz federal Jair Facundes, que compõe a Corte Eleitoral, classificou as cláusulas como “ofensivas” e configuradoras de racismo, determinando o envio do caso para investigação por órgãos como o Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No entanto, o advogado Marcos Paulo Gomes, contratado do partido naquele período, rebateu as críticas em nota oficial, argumentando que os contratos atendem estritamente às resoluções do TSE sobre cotas para candidaturas de mulheres e pessoas negras, sem qualquer discriminação individual.


Durante a 72ª Sessão de Julgamento, presidida pelo desembargador Lois Carlos Arruda e realizada na última terça-feira (30), após a análise da prestação de contas do Republicanos nas eleições municipais em Manoel Urbano, Facundes destacou dois contratos da executiva nacional que estipulavam valores totais distintos para categorias de candidatos: homens não negros, homens negros, mulheres não negras e mulheres negras. Segundo o juiz, isso representaria uma cobrança maior por serviços idênticos baseada em raça e gênero, o que ele comparou, de forma ilustrativa, a um restaurante discriminando clientes pela cor da pele. “Isso me pareceu tão ofensivo que no primeiro momento eu parei e digo ‘não’, acho que eu que ando com muita sensibilidade”, disse Facundes durante a sessão. O desembargador Francisco Djalma classificou o fato como “um crime racial” e “um absurdo”.


Os valores citados nos contratos de contabilidade foram:

Homens não negros: R$ 20.500,00;


Homens negros: R$ 97.400,00;


Mulheres não negras: R$ 14.600,00;


Mulheres negras: R$ 52.300,00.


Já nos contratos advocatícios:


Homens não negros: R$ 44.000,00;


Homens negros: R$ 378.788,68;


Mulheres não negras: R$ 40.500,00;


Mulheres negras: R$ 184.947,17.


A corte decidiu encaminhar o processo para apuração no MPF, Procuradoria dos Direitos do Cidadão, PF e TSE, além de órgãos como o Conselho Regional de Contabilidade. O procurador Vitor Hugo Teodoro, do MPF, sinalizou que o caso pode ter desdobramentos criminais, criticando o sistema de fundo eleitoral como “bem problemático”.


Em nota emitida ao ac24horas, o advogado Marcos Paulo Gomes, responsável pelo contrato, expressou “absoluto espanto” com a repercussão e defendeu que as críticas decorrem de um “enorme equívoco” na interpretação dos contratos. Segundo ele, os valores não são cobrados individualmente de forma discriminatória, mas representam totais para grupos de candidatos, conforme exigido pela Resolução TSE nº 23.607/2019 e pela Portaria TSE nº 678/2024, que regulam a destinação de recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário para cotas de gênero e raça.


“O que ocorre é que, ao firmar os referidos contratos, os partidos políticos assinam um instrumento único para todas as candidaturas de negros e outro para todas as candidaturas de brancos, sendo que os contratos são dos valores totais a serem pagos, nos exatos termos das normas de regência do Tribunal Superior Eleitoral”, explicou Gomes. Ele enfatizou que a separação por rubricas de gênero e raça é obrigatória devido às exigências da Justiça Eleitoral, que demandam contas bancárias distintas para cada categoria a fim de garantir o cumprimento das cotas mínimas – como os 30% para mulheres e percentuais proporcionais para pessoas negras.


Gomes destacou que “o valor individualizado para cada candidato é exatamente o mesmo e isso está no contrato e não foi observado”. As diferenças nos totais, segundo o advogado, refletem apenas a quantidade de candidatos em cada grupo, não uma cobrança maior por raça ou gênero. Ele criticou a “exposição pública, inclusive de forma jocosa em uma corte de justiça”, e anunciou que recorrerá nos autos para esclarecer o caso, além de acionar órgãos correcionais para investigar a conduta dos magistrados.


A Portaria TSE nº 678, citada por Gomes e publicada em 20 de agosto de 2024, divulga percentuais de candidaturas de mulheres e pessoas negras para destinação de recursos, enfatizando a necessidade de cotas para promover igualdade e representatividade. O documento, assinado pela ministra Cármen Lúcia, reforça que os partidos devem observar critérios estatutários na distribuição, sujeitos ao controle da Justiça Eleitoral.


Procurado pelo ac24horas, o presidente do Republicanos no Acre, deputado federal Roberto Duarte, afirmou que os contratos foram gerenciados pela executiva nacional e não passaram pelo diretório estadual. “Com certeza a executiva nacional trabalhou dentro dos regramentos legais”, declarou Duarte, expressando confiança na regularidade dos termos.


Veja a nota de Marcos Paulo Gomes na íntegra:

Causou absoluto espanto a enorme repercussão do julgamento de prestação de contas na 72ª Sessão do Tribunal Regional Eleitoral do Acre, em que um dos membros da Corte, sem a exata compreensão da matéria, teceu severas críticas acerca de contratos de honorários advocatícios firmados com partido político para representação de candidaturas nas eleições municipais de 2024.


Em sua compreensão, a existência de valores diferentes para candidaturas negras e candidaturas brancas seria um ato de preconceito ou, de qualquer modo, uma burla às regras do Tribunal Superior Eleitoral para os gastos com as candidaturas de pessoas autodeclaradas como negras.


Em verdade, toda essa celeuma decorre de um enorme equívoco, pela falta de atenta leitura de todos os termos dos contratos.
Ao analisar os dados dos contratos elaborados pela Executiva Nacional do Republicanos, dito magistrado concluiu que se estava a cobrar valores maiores para candidatos negros do que para candidatos brancos, quando, em verdade, os valores cobrados foram exatamente os mesmos para todos os candidatos.


O que ocorre é que, ao firmar os referidos contratos, os partidos políticos assinam um instrumento único para todas as candidaturas de negros e outro para todas as candidaturas de brancos, sendo que os contratos são dos valores totais a serem pagos, nos exatos termos das normas de regência do Tribunal Superior Eleitoral, sendo que os valores individuais para cada candidato é exatamente igual, o que não foi observado pelo magistrado, que se limitou a mencionar os valores globais previstos.


Primeiramente, está sendo feito um juízo de valor apenas pelo fato de no contrato constar valores separadas para gênero e raça. Isso só ocorre por causa da própria justiça eleitoral, que exige que tais valores devem ser repassados para cumprimentos de cotas, conforme estabelecido pela resolução do TSE n° 23.607/2019 e portaria do TSE n° 678/2024.


Assim, como existem contas bancárias distintas por cada gênero e raça, o contrato foi feito detalhado da mesma forma, por isso foi emitida uma nota fiscal para cada gênero e raça, pois cada nota fiscal deveria ser paga por uma conta separada.


Por isso, é absolutamente falso que se tenha cobrado mais ou menos de algum candidato em razão de cor, sexo ou qualquer outro atributo ostentado pelos candidatos, sendo que a diferença de valores é apenas em razão da quantidade total de candidatos de cada sexo. Mas o valor individualizado para cada candidato é exatamente o mesmo e isso está no contrato e não foi observado.


A discrepância de valores para negros se dá justamente pelo fato de existirem mais que o dobro de candidatos pardos e negros em detrimento de brancos.


Outrossim, é inaceitável que haja uma exposição pública, inclusive de forma jocosa em uma corte de justiça, com acusações levianas do cometimento do crime de racismo em meio a uma sessão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre, induzindo outros juízes a erro na interpretação das cláusulas contratuais totalmente lícitas, de quem executou seu trabalho nos exatos termos da legislação, o que também será objeto de averiguação pelos órgãos correcionais próprios.


Marcos Paulo Gomes
Advogado – OAB/AC 4.566



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