Pauta única da oposição desde o início do ano, a anistia aos envolvidos em atos golpistas ganhou nas últimas semanas novos negociadores, mas que são velhos conhecidos da política nacional. O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), o ex-presidente Michel Temer e o ex-deputado João Paulo Cunha estão entre os que passaram a manter conversas nos bastidores para tentar um acordo. Os três já presidiram a Câmara no passado.
Escolhido pelo atual presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), como relator do projeto em discussão no Congresso, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) recorreu a Temer e Aécio como seus conselheiros para elaborar uma proposta intermediária, que pudesse romper resistências. A primeira iniciativa do trio foi trocar o nome como o projeto vinha sendo chamado, de PL da Anistia para PL da Dosimetria. Em vez de um perdão, a ideia é reduzir penas a ponto de tirar condenados da cadeia — o que pode incluir o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em conversas reservadas, Temer ofereceu-se para construir uma proposta que seja aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Próximo aos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, ele tem buscado um tom de moderação sobre o tema que parte do Congresso não quer assumir publicamente. Procurado, ele não quis comentar.
Já Aécio tem se apresentando como alguém não alinhado nem ao bolsonarismo nem ao lulismo e, justamente por isso, poderia arbitrar o impasse:
“O fato de eu não estar alinhado nem com o bolsonarismo nem com o petismo fez com que o Hugo (Motta) e o Paulinho (da Força) pedissem que eu ajudasse. Nosso objetivo é tirar este tema da frente, que vem contaminando a pauta do Congresso.”
Planos eleitorais
No caso de Aécio, o cálculo é também eleitoral. Após ser absolvido pelo STF em ações relacionadas à Lava-Jato, ele voltou a ocupar espaços políticos e deve assumir a presidência do PSDB no próximo mês. Aécio discute com Paulinho da Força firmar uma federação do partido com o Solidariedade e, ao mesmo tempo, ensaia se lançar como candidato ao governo de Minas, estado que já comandou por dois mandatos.
Outro nome que voltou à cena é João Paulo Cunha. Condenado no mensalão, preso e depois indultado no governo Dilma Rousseff, o ex-deputado do PT se mantém ativo nos bastidores de Brasília, agora como advogado. Ele tem aberto seu escritório para receber parlamentares e discutir alternativas jurídicas para a anistia. Sua reaparição carrega simbolismo: ele tem se apresentado como alguém que já sentiu o peso de uma condenação e hoje tenta aconselhar congressistas do PT e do MDB, partidos cujos líderes, Lindbergh Farias (RJ) e Isnaldo Bulhões (AL), respectivamente, já se colocaram contra a anistia.
Em reuniões reservadas, Cunha tem repetido que há um consenso silencioso de que algumas penas aplicadas pelo STF aos envolvidos no 8 de Janeiro foram desproporcionais. O mesmo argumento que é repetido entre articuladores da anistia. Procurado, ele não se manifestou sobre os encontros.
Cautela no Congresso
Apesar das intensas conversas nos bastidores, a votação do projeto segue indefinida. Após a derrubada da PEC da Blindagem no Senado, integrantes do Centrão afirmam ser necessário cautela e um acordo que envolva os senadores.
Líderes do grupo falam em “trauma” causado pelo episódio e repetem não haver possibilidade de Motta colocar em votação um projeto de altíssimo desgaste sem ouvir de Davi Alcolumbre (União-AL) que haverá reciprocidade. Deputados chegaram a usar a expressão “não carregar outro caixão” para explicar por que não pretendem assumir sozinhos o risco de aprovar uma proposta que depois seja enterrada na Casa vizinha.
Paulinho da Força se queixa da falta de engajamento de aliados e chegou a citar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como ausente.
“Quero conversar com ele, mas ainda não me atendeu”, disse Paulinho.
A avaliação no Palácio dos Bandeirantes é que Tarcísio voltará a se envolver nas negociações apenas depois de visitar Bolsonaro hoje. O encontro deve servir de bússola para o bolsonarismo, que, mesmo mantendo o discurso de anistia ampla, trabalha nos bastidores para reduzir penas ao mínimo possível.