O Supremo Tribunal Federal (STF) formou nesta quarta-feira (10) maioria para condenar Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O voto do ministro Luiz Fux consolidou o placar de 3 a 0, ao acompanhar Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Em sua justificativa para votar pela condenação do tenente-coronel, Fux diz que o militar “estava diretamente envolvido no financiamento de atos para manutenção de pessoas nos acampamentos e para prática de atos violentos criminosos destinado a inviabilizar o funcionamento regular dos Poderes e do Estado de Direito”.
Fux destacou mensagens trocadas por Cid no fim de 2022 como evidência de sua participação ativa na conspiração. Em uma delas, o militar reconhece que estava “com a cabeça a prêmio”, mas que continuaria atuando “pelo Brasil”.
“Os fundamentos que me levam a essa conclusão são os seguintes: ao trocar mensagem em seu celular com Rafael Oliveira, o réu colaborador conversa sobre financiamento de manifestações para iniciar ou incentivar atos para abolir violentamente o Estado Democrático de Direito”, disse Fux.
O ministro também afirmou que Cid tinha conhecimento e participação direta na chamada Operação Copa 2022, que previa o assassinato de Alexandre de Moraes.
“Tanto é verdade que o colaborador esteve na reunião com o coronel De Oliveira e o general Braga Netto em que os R$ 100 mil foram disponibilizados fisicamente ao colaborador. No Palácio da Alvorada, que foi a última versão, mas pouco importa. Isso é um fato inequívoco”, afirmou.
Para Fux, a execução de um ministro do Supremo, precedida pelo monitoramento de sua rotina, configurava ato concreto com potencial para gerar a ruptura institucional pretendida.
“A execução de um ministro do Supremo, operação violenta que teve início material com o monitoramento realizado, certamente geraria esse resultado criminoso pretendido de abolir o Estado Democrático de Direito”, disse.
Divergência sobre organização criminosa
Apesar da condenação por tentativa de abolição, Fux divergiu da Procuradoria-Geral da República ao rejeitar o enquadramento de Cid no crime de organização criminosa armada.
Para ele, não há provas de que o réu tenha integrado um grupo estruturado e permanente, com pelo menos quatro pessoas, para praticar número indeterminado de crimes.
“Eu julgo improcedente o pedido de condenação de Mauro Cezar Barbosa Cid pelo crime de organização criminosa”, afirmou o ministro.
O magistrado também absolveu Cid das acusações de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado, relacionadas à depredação durante os atos de 8 de Janeiro.
Para Fux, não ficou comprovado que o ex-ajudante de ordens tenha determinado, participado ou se omitido de impedir as destruições ocorridas na Praça dos Três Poderes.
Crimes absorvidos
Fux também apontou que a conduta de golpe de Estado deve ser absorvida pela acusação de abolição violenta do Estado de Direito. Assim, não analisou separadamente essa imputação no caso de Cid.
Com o voto, o STF avança na consolidação da condenação dos oito réus do núcleo central da trama golpista. Ainda faltam os posicionamentos das ministras Cármen Lúcia e de Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma.
O julgamento em andamento
A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na quarta-feira (10) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.
Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram pela rejeição de todas as preliminares arguidas pelas defesas e pediram a condenação dos réus por todos os crimes imputados pela PGR. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.
Voto do ministro Alexandre de Moraes
Para o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.
Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.
O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.
Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.
Voto de Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus da chamada trama golpista.
Em sua fala, Dino rejeitou a tese das defesas de que as condutas seriam apenas “atos preparatórios”. Para ele, houve atos executórios concretos que configuram violência e grave ameaça, como bloqueios de rodovias, tentativas de fechar aeroportos e ataques às instituições. O ministro destacou que crimes de empreendimento — como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não exigem consumação para serem punidos.
O magistrado também foi categórico ao afirmar que os crimes imputados aos réus são insuscetíveis de anistia, por envolverem ações de grupos armados contra a ordem constitucional. Dino rechaçou ainda a ideia de uma “autoanistia” em favor de altos escalões de poder, lembrando que nunca houve precedente desse tipo na história do país.
Ao analisar a participação de cada réu, Dino adiantou que as penas não devem ser iguais, pois os níveis de culpabilidade variam. Bolsonaro e Walter Braga Netto foram apontados como líderes da organização criminosa, com maior responsabilidade. Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid também foram classificados com alta culpabilidade, enquanto Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira tiveram participação considerada de menor importância.
Próximos passos
O processo segue agora para os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.
A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.