O papel das taxas de participação em coletivos de brecholeiras em Rio Branco

Foto: Alice Leão

Em meio ao crescente interesse pela moda sustentável e pelo empreendedorismo local, os coletivos de brecholeiras – vendedoras de itens de segunda mão – têm se destacado em Rio Branco como importantes espaços de congregação e geração de renda. Esses grupos, majoritariamente compostos por mulheres, organizam feiras e eventos em locais públicos, como o Horto Florestal e o Lago do Amor, fomentando a economia criativa e a integração comunitária. No entanto, o debate sobre as contribuições financeiras das expositoras para cobrir custos operacionais tem ganhado atenção, especialmente após uma denúncia recente sobre possíveis cobranças irregulares no Horto Florestal. Este artigo, produzido a partir de entrevistas realizadas entre segunda-feira (22) e sexta-feira (26), busca esclarecer, de forma informativa, como esses coletivos funcionam, sem julgar ou estigmatizar as iniciativas que beneficiam milhares de acreanas.


O Horto Florestal, um parque público administrado pela Prefeitura de Rio Branco, é um dos espaços mais utilizados para esses eventos. De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMEIA) uma denúncia recebida na semana passada tratava de supostas cobranças para a utilização do local. “A secretaria recebeu denúncia referente à realização de cobranças por parte de terceiros para participação em eventos no Horto Florestal. Esclarecemos que o espaço do Horto Florestal é público e não há qualquer cobrança por parte da SEMEIA para a realização de eventos no local. Pelo contrário, a Secretaria disponibiliza gratuitamente a estrutura existente, como acesso à água, energia elétrica e banheiros, a fim de apoiar iniciativas que promovam cultura, lazer e integração da comunidade. Reforçamos o compromisso da Prefeitura de Rio Branco em garantir a transparência e o uso democrático dos espaços públicos”, afirmou a SEMEIA.


Diante dessa situação, organizadoras de coletivos locais enfatizam que as taxas cobradas não se referem ao uso do espaço público em si, mas sim a despesas necessárias para a viabilização dos eventos, como aluguel de mobiliário, segurança, divulgação e limpeza. Gélly Café, organizadora do Encontro das Brecholeiras, que foi o alvo da denúncia, negou veementemente qualquer cobrança irregular e destacou o caráter autônomo das iniciativas. “Esclareço que a informação recebida não procede e se trata de calúnia. Em nenhum momento o Encontro das Brecholeiras realiza cobrança pelo uso de espaços públicos. As taxas previstas em nossos editais de inscrição dizem respeito exclusivamente à estrutura necessária para a realização do evento, como aluguel de mesas e cadeiras, segurança, vigia noturno, e divulgação”, explicou Gélly.


Gélly Café, organizadora do Encontro das Brecholeiras – Foto: David Medeiros

Ela reforçou o esforço pessoal envolvido para a realização dos eventos. “Todo esse trabalho é feito com muito esforço e dedicação pessoal. Eu me empenho diariamente para movimentar a moda sustentável, fomentar o empreendedorismo local e dar visibilidade aos brechós e pequenos negócios, sem receber nenhum tipo de retorno financeiro proporcional a todo o trabalho que realizo”, afirmou.


Questionada sobre a possibilidade de uma expositora dispensar certos serviços e não pagar a taxa, Gélly argumentou pela importância da contribuição coletiva: “Com todo respeito, mas essa pergunta não faz o menor sentido. O Encontro das Brecholeiras é um coletivo organizado, com regras definidas em edital, construídas em reunião e aprovadas pelos próprios integrantes. A taxa de inscrição não se refere apenas a uma mesa ou a uma arara, mas a todo o conjunto de custos que viabilizam o evento: segurança, vigia noturno, sonorização, divulgação, infraestrutura e organização. Se cada pessoa resolvesse ‘abrir mão’ de determinados serviços, simplesmente não haveria condições de realizar um evento coletivo estruturado. Quem não concorda ou não se enquadra nos requisitos do edital não é obrigado a participar, mas não faz sentido querer usufruir do espaço e da visibilidade sem contribuir da mesma forma que os demais”.


Outros coletivos adotam abordagens semelhantes, mas com flexibilidade para casos de vulnerabilidade. Neide Alves, organizadora da ASSEMEART (Associação de Empreendedores e Artesãos), descreveu como o grupo lida com as contribuições: “Acontece assim, a gente da diretoria entrou num acordo de toda feira que tiver alguém que não tá tendo condições de pagar, tipo uma mulher que não pode, um homem mesmo, que a gente tem homem e tem mulher, e a gente na nossa feira agrega pessoas que não são associadas também, que precisam estar ali junto com a gente. E aí a gente dá gratuidade para aquelas pessoas, tipo toda feira que a gente executa, a gente vê um empreendimento que não tem condição de pagar a taxa e a gente já deixa ele no 0800, entendeu? A gente tem feito isso, às vezes faz com mais de uma pessoa, dependendo da necessidade”.


Neide também mencionou a ausência de prestações de contas formais em alguns casos, baseadas na confiança mútua: “Não, a gente não faz nem toda vez que a gente faz prestação de conta não, porque a gente gasta tudo na hora mesmo e todo mundo já conhece o meu trabalho há muito tempo, sabe como é que eu faço, então dificilmente eu tenho prestação de conta. Todo mundo está sempre me vendo lisa mesmo, então sabe que eu não tenho como estar gastando. E agora para os associados a gente presta conta né, tem que fazer a prestação de conta da associação, a gente tem que fazer, apesar de que associação não tem dinheiro nenhum, nem conta bancária tem”.


A Associação de Mulheres Empreendedoras Elas Fazem Acontecer Acre, atuante há seis anos, vai além das feiras e oferece capacitações para mais de 10 mil mulheres. Em nota, a presidente Lidianne Cabral esclareceu o propósito das taxas. “As taxas de participação não têm caráter de cobrança governamental, mas sim de contribuição solidária entre as expositoras. Esses valores são destinados a garantir logística e comodidade, como limpeza do espaço, segurança, banheiros adequados, energia elétrica, divulgação em mídias locais, confecção de materiais de comunicação (cards, banners etc.), além de sorteios e brindes que fortalecem a interação com o público”, esclareceu.


A associação destaca o impacto social diferenciado dos encontros. “As feiras representam, sobretudo, uma forma digna de trabalho para mulheres que muitas vezes encontram barreiras no mercado formal, como mães atípicas e mães solo. As taxas existem justamente para possibilitar que esses eventos aconteçam, criando alternativas reais de emprego e renda em um estado ainda carente de oportunidades”, apontou Cabral.


Do lado governamental estadual, a Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete) atua como facilitadora. “A secretaria tem atuado para a promoção de feiras e eventos de empreendedorismo de economia solidária. Em alguns casos, a Sete se responsabiliza pela organização da feira com a publicação de edital, seleção do empreendedor por meio sorteio e a contratação de serviços de infraestrutura como fornecimento de energia elétrica e estrutura física, como palco e tendas. No entanto, a Sete não interfere nas políticas internas dos coletivos. Cada coletivo tem a liberdade de definir suas próprias regras e formas de gestão interna, enquanto a Sete atua como um facilitador, fornecendo apoio para que esses movimentos possam estar presentes em espaços públicos, quando este estiver sob os cuidados do Estado”, informou a pasta em nota ao ac24horas.


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