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Facções criminosas no Acre: como o equilíbrio frágil é mantido entre PCC, Comando Vermelho e Bonde dos 13

O Acre, com sua vasta malha de rios e florestas, continua sendo um ponto estratégico no mapa do narcotráfico internacional. Autoridades policiais revelam que o Estado não é o destino final das drogas, mas uma mera passagem para rotas maiores, com foco no Vale do Juruá como epicentro de operações. Lá, o Comando Vermelho (CV) investe a maior e melhor parte de seu poderio bélico, como fuzis, protegendo da “concorrência” as margens de rios e caminhos em meio à densa floresta. Neste cenário, a Polícia Civil avança em investigações integradas e descapitalização de bens, na intenção de enfraquecer o topo da pirâmide das facções.


Segundo Pedro Paulo Buzolin, coordenador da Divisão Especializada de Investigações Criminais Especiais (DEIC) da Polícia Civil do Acre, o interesse das facções não está nas cidades de baixa renda e população reduzida do estado, mas nas “rotas do tráfico que estão na mata, no rio”. O Vale do Juruá emerge como o principal corredor: drogas produzidas no Peru, especialmente na região de Pucallpa – onde a população é escassa e o controle é frouxo -, entram pelo Rio Solimões e seguem para o Amazonas, abastecendo portos no Suriname e Guiana para exportação à Europa. “É muito melhor trafegar pela Bolívia do que pelo Brasil”, explica Buzolin.


No Alto Acre, fronteira com a Bolívia e o Peru, o fluxo é menor para o centro do país, com grandes apreensões em Costa Marques (RO), mas sem o volume do Juruá. Apreensões na BR-364 e BR-317 são pontuais e visam o mercado local, com raras toneladas de cocaína. Maconha, outrora importada do Mato Grosso, agora é cultivada no Peru com tecnologia avançada, invertendo o fluxo para o sul. Em terras peruanas, por exemplo, se implantaram tecnologias para cultivo de coca e maconha em espaços cada vez mais confinados, maximizando os lucros como no Brasil, no mercado legal, é ensinado por cursos e visitas técnicas da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).


O delegado-geral da Polícia Civil, José Henrique Maciel, complementa que essas rotas demandam proteção armada. “Eles investem em armamento de maior poderio na região do Vale do Juruá, em razão do avanço do transporte da droga”, diz. Os homicídios no Estado, em grande parte, resultam de disputas territoriais: “Quem estiver mais bem armado se defende ou avança no território do outro. Um revólver contra um fuzil, a chance é maior para quem tem o fuzil”. Vídeos divulgados pelas próprias facções, como um amplamente circulante na internet, mostram o uso de armamentos de grosso calibre nas margens do Rio Juruá. “Eles estão com armamento pesado fazendo a proteção das rotas do tráfego”, afirma Buzolin. Diferente de São Paulo, onde fuzis são ostentados nas ruas urbanas, no Acre o foco é estratégico em blindar carregamentos contra rivais ou forças de segurança. No Juruá, o CV lidera essa escalada.


Maciel reforça: “Eles estão cada vez mais com poderio de arma, tanto para o enfrentamento com as forças quanto entre eles”. Essa dinâmica explica o “boom de homicídios” entre 2016 e 2017, com mais de 948 casos no Estado – um pico impulsionado por mudanças no Paraguai, onde a morte de Jorge Rafaat abriu espaço para o PCC, forçando o CV a migrar para o norte, enfraquecendo a atuação do grupo criminoso Família do Norte (FDN) no Amazonas.


As três facções

O Acre abriga três facções principais, cada uma com origens e estratégias distintas, moldadas pelo interesse financeiro nas rotas.


Comando Vermelho (CV): De origem carioca, domina o Vale do Juruá e o Alto Acre. Controla a entrada de drogas pelo Peru e Paraguai, com domínio no fluxo fluvial para o Amazonas.


Primeiro Comando da Capital (PCC): Paulista e mais hierárquico, tem presença fraca no Acre. Prefere rotas inferiores via Mato Grosso do Sul para abastecer o Sudeste, evitando o “ar” acreano. “O PCC não demonstra tanto interesse aqui pelo ar. Tem uma quantidade pequena na região do Alto Acre”, diz Buzolin. Há influência no Baixo Acre, mas sem domínio territorial expressivo.


Bonde dos 13 (B13): Facção regional, nascida no Acre, é a mais enfraquecida. Seu último reduto é a Cidade do Povo, com “resistência” pontual em Sena Madureira. “O Bonde ainda tem uma resistência na Cidade do Povo”, relata Buzolin. O B13 surgiu em meio a migrações de facções em Porto Velho (RO), mas perdeu força após o racha interno da FDN.


Ainda de acordo com as autoridades, os grupos operam como “empresas” financeiras, priorizando rotas sobre domínios urbanos, mas hoje, há relativa tranquilidade. “Eles estão relativamente tranquilos porque o interesse financeiro foi alcançado”, observa Buzolin.


Fracasso da aliança Bonde dos 13 (B13) e Terceiro Comando Puro

Em 2023, o B13 tentou se aliar ao Terceiro Comando Puro (TCP), do Rio de Janeiro, para contrabalançar o CV e o PCC. A união, divulgada nacionalmente, chegou ao Acre com pichações e movimentações. Um acreano ligado ao B13 foi preso na Maré (RJ) em incursão policial, sinalizando a ambição. No entanto, a aliança ruiu rapidamente. “Foi uma junção que se espalhou pelo país, mas a tendência foi retornar o afastamento”, afirma Maciel.


Avanços no combate: integração e descapitalização

Apesar dos desafios, as autoridades destacam progressos no enfrentamento. A Polícia Civil investe em qualificação de pessoal, aquisição de equipamentos e integração de forças. “Avançamos com capacitação, valorizando o pessoal, e cooperações como entre o Grupo Especial de Operações em Fronteiras do Acre (GEFRON), Polícia Militar, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP), através do Sistema Integrado de Segurança Pública do Acre (SISP)”, enumera Maciel. Outras parcerias com a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), uma estrutura de cooperação criada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), tem rendido apreensões significativas com a atuação da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal.


Buzolin enfatiza a mudança cultural na atuação policial, “não só prender, mas descapitalizar”, através do foco em identificação patrimonial que inclui apreensões expressivas de valores, casas, propriedades rurais e gado. “São investigações mais trabalhosas, demandando aporte tecnológico”, diz, citando laboratórios de informática em desenvolvimento.


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