O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou nesta terça-feira (2) que os atos investigados no processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados evidenciam a existência de uma “nítida organização criminosa” dedicada a tentar impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.
“A cooperação entre os denunciados para esse objetivo derradeiro, sob a coordenação, inspiração e determinação do ex-presidente da República, torna nítida a organização criminosa em seu significado penal”, afirmou Gonet ao iniciar sua sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o procurador-geral, os fatos descritos na denúncia não foram “devaneios utópicos” nem iniciativas isoladas, mas sim uma sequência articulada de ações voltadas à ruptura democrática.
“Não podem ser tratados como atos de importância menor, como aventuras inconsideradas. O que está em julgamento são atos que devem ser considerados graves enquanto quisermos manter a vivência de um Estado democrático de direito”, afirmou Gonet.
O procurador-geral ressaltou que punir tentativas frustradas de golpe é fundamental para evitar novas ameaças às instituições.
“Punir a tentativa frustrada de ruptura com a ordem democrática estabelecida é imperativo para a estabilização do regime e expõe a tenacidade da cidadania pela continuidade da vida pública”, disse.
Segundo Gonet, Bolsonaro usou sua posição como presidente para mobilizar militares e pressionar comandantes das Forças Armadas a avalizar medidas de exceção. “O Presidente da República, comandante maior das Forças Armadas, reuniu os mais altos militares das três forças para dar-lhes a conhecer seus planos.”
Para Gonet, as tentativas frustradas de golpe precisam ser reprimidas criminalmente para evitar novos episódios autoritários. “Não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizada”, disse.
O chefe da PGR frisou ainda que o crime de golpe de Estado não exige um decreto oficial ou ordem assinada pelo então presidente para se configurar.
“A tentativa se revela na prática de atos e ações dedicadas ao propósito da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, com apelo ao emprego da força bruta, real ou ameaçada. Não é preciso um esforço extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso.”
Na abertura de sua fala, Gonet frisou que o julgamento representa um momento em que a democracia brasileira se coloca em “defesa ativa” contra investidas violentas.
“O Brasil assume a sua defesa ativa contra tentativa de golpe apoiada em violência ameaçada e praticada. A ordem exposta na Constituição dispõe de meios institucionais para atacar investidas contra ela própria. O controle de constitucionalidade é uma dessas formas.”
O julgamento
A sustentação de Gonet ocorreu após a leitura do relatório do processo feita pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, que levou cerca de 1h40. Moraes destacou que “nenhuma tentativa de obstrução” afetará a imparcialidade do Supremo e afirmou que a fase de instrução da ação penal revelou “materialidade e indícios de autoria” dos crimes atribuídos a Bolsonaro e seus aliados.
O procurador-geral tem até duas horas para defender a condenação dos oito réus. Em seguida, cada advogado de defesa terá uma hora para se manifestar. Depois disso, inicia-se a votação: Moraes será o primeiro a votar, seguido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Eles respondem a cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações está suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.