Depois de chegar ao menor nível da série histórica em 2023, ano em que o Brasil vivenciou uma forte redução da pobreza com o aumento dos programas de distribuição de renda, o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil avançou 2,1% no ano passado, com 34 mil jovens a mais, subindo para 1,65 milhão, segundo o IBGE.
O dado consta da pesquisa Pnad Contínua: Trabalho de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (2024), que já traz os dados atualizados de acordo com as projeções populacionais apuradas pelo Censo de 2022.
O levantamento aponta que a fatia de pessoas no trabalho infantil, do total de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos no país, subiu a 4,3%, ou 0,1 ponto percentual acima do registrado em 2023.
Em paralelo a esse aumento, porém, o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos nos piores trabalhos, que constam da lista TIP (Trabalho Infantil Perigoso), recuou 5,1% frente ao ano anterior, para 560 mil. Caiu também a taxa de informalidade de adolescentes de 16 e 17 anos. Nos dois casos, os dados de 2024 estão no patamar mais baixo desde 2016.
O ano de 2023 foi marcado por uma forte redução da pobreza, com 8,7 milhões de pessoas deixando essa situação, como reflexo de um aumento nos programas de distribuição de renda iniciado ainda em 2022. Pouco antes das eleições presidenciais, em agosto de 2022, o valor do Auxílio Brasil foi elevado de R$ 400 para R$ 600. Este patamar foi mantido em 2023, na nova versão do programa, rebatizado de Bolsa Família após a vitória de Lula nas eleições.
Mais jovens trabalhando
Em 2024, de uma população de 37,9 milhões de pessoas de 5 a 17 anos, 1,95 milhão exerciam atividades econômicas ou visando consumo próprio do domicílio. No ano anterior, eram 1,85 milhão. Cresceu, assim, o total de pessoas dessa faixa etária trabalhando no país. Nem todos, porém, configuram trabalho infantil.
O retrato trazido pela alta de 2024, contudo, pode não representar uma mudança de tendência na redução do trabalho infantil verificada desde 2016, como explica Gustavo Geaquinto Fontes, analista da pesquisa do IBGE.
No ano de início da série, o percentual de crianças e adolescentes em trabalho infantil no Brasil alcançava 5,2%, somando 2,10 milhões de pessoas. Esse número, entre 2016 e 2024, teve queda de 21,4%.
— Em 2024, teve uma variação positiva de 2,1%. Ainda assim, permanecendo num nível bastante abaixo do que a gente observa ao longo da série — explica Fontes. — Permanece uma certa tendência de queda. Está cedo para afirmar se é uma reversão de tendência. Pode indicar certa estabilidade.
É preciso considerar, continua ele, que em 2023 houve uma diminuição de 14,7% no contingente de pessoas em trabalho infantil, chegando ao menor patamar da série. A pesquisa foi interrompida em 2020 e 2021, durante a pandemia. E, em 2022, trouxe uma alta nos dados.
Para o pesquisador, será preciso avaliar o resultado de 2025 para entender melhor o movimento deste ano:
— Eu não sei apontar o motivo (para o aumento). O que eu posso afirmar é que foi basicamente entre os homens e no grupo mais velho, de 16 e 17 anos de idade. Não ocorreu para as mulheres. Entre a população feminina, houve queda. Para as crianças mais novas, permaneceu próximo da estabilidade — destacou Fontes.
Renda menor nas piores formas de trabalho
As crianças e adolescentes que exerciam atividade econômica fora do trabalho infantil — ou seja, atuavam, por exemplo, como menor aprendiz ou tinham mais de 16 anos com emprego formal, situações que não são consideradas trabalho infantil — ganhavam em média, em 2024, R$ 1.083 por mês.
Já crianças e adolescentes no trabalho infantil tinham renda média de R$ 845. E aqueles que exerciam as piores formas de trabalho infantil, receberam ainda menos: R$ 789 mensalmente.
— Ou seja, além de estarem exercendo ocupações de maiores riscos ocupacionais, maiores riscos de gerar algum tipo de prejuízo às crianças, elas também tinham um rendimento menor do que aquelas que não estavam situação de trabalho infantil — diz Fontes. — No trabalho infantil, o rendimento médio é de R$ 845.
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Esse rendimento médio no trabalho infantil subiu em comparação ao de 2023, quando foi de R$ 806. Há disparidade por sexo e raça. No ano passado, o rendimento médio das mulheres nessa situação de trabalho caiu 4,54% na comparação com o de 2023, para R$ 693, enquanto o dos homens subiu 8,45%, para R$ 924.
Nas três faixas etárias avaliadas pela pesquisa — 5 a 13 anos, 14 e 15 anos e 16 e 17 anos — houve recuo na renda das trabalhadoras do sexo feminino. Na primeira faixa, o rendimento delas caiu a menos da metade (-53,12%) em relação ao de 2023, para R$ 165. O deles também recuou, mas em 15,86%, a R$ 244.
A exemplo do que ocorre no mercado de trabalho como um todo, pessoas declaradas como pretas e pardas também têm rendimento médio menor no trabalho infantil. Em 2024, ficou em R$ 789, abaixo dos R$ 943 recebidos pelos declarados brancos. Houve, contudo, entre pretos e pardos, aumento de 6,9% no rendimento, enquanto entre os jovens brancos no trabalho infantil, a alta foi de 3,17%.
Impacto do Bolsa Família
Para crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que vivem em domicílios que recebem o Bolsa Família — 13,8 milhões, ou 36,3% da população total nessa faixa de idade —, a variação no contingente em trabalho infantil ficou praticamente estável, com alta de 0,28%, alcançando 717 mil. Esse número, porém, representa 43,5% dos que se enquadram no trabalho infantil no país.
Entre as crianças e adolescentes fora do chapéu do Bolsa Família, o percentual em situação de trabalho infantil subiu de 4,2% para 4,3%, entre as que estão em lares que recebem o benefício essa taxa recuou de 5,3% para 5,2%.
Os dados do IBGE mostram que o trabalho infantil afeta profundamente a frequência escolar. Porém, este impacto é menor nos domicílios que recebem o Bolsa Família.
No total, 97,5% das pessoas com 5 a 17 anos são estudantes. Entre os que estão no trabalho infantil, esse percentual cai para 88,8%, mostrando o impacto em escolarização.
Entre as crianças e jovens em famílias que recebem o benefício social e estão no trabalho infantil, o percentual médio de frequência escolar sobe para 91,2%.