Plano de Lula para a COP30 na Amazônia corre risco de se tornar um caos logístico

O Parque da Cidade, principal local da cúpula COP30, em construção em Belém, em maio. Fotógrafo: Alessandro Falco/Bloomberg

A cúpula climática das Nações Unidas deste ano, marcada para novembro no Brasil, foi planejada para fazer história ao reunir líderes mundiais, diplomatas e cerca de 50 mil outros participantes no coração da floresta amazônica. Agora, o evento corre cada vez mais o risco de ser definido por um iminente fiasco logístico.


Com menos de 100 dias para o evento, o Brasil está sob críticas de países preocupados com a escassez de quartos de hotel e os altos custos de acomodação em Belém, a cidade-sede escolhida por sua proximidade com a floresta, e não por sua infraestrutura turística. A secretaria brasileira da COP30, como a cúpula é conhecida, adiou uma reunião marcada para quarta-feira para tratar das questões de hospedagem; nova data ainda não foi anunciada.


Um projeto de saneamento em Belém, a cidade na Amazônia que receberá cerca de 50 mil participantes na cúpula climática da ONU em novembro. Fotógrafo: Alessandro Falco/Bloomberg

Em uma carta de 19 páginas, revisada pela Bloomberg News, enviada do Brasil a vários países membros da ONU participantes da COP30, os organizadores rejeitaram a ideia de mudar a sede da cúpula. “Não haverá local alternativo, pois a COP30 não será transferida de Belém”, afirmou a carta, porque a cidade-sede “já possui um número suficiente de leitos para acomodar todos os participantes esperados.”


A carta incluía respostas a 48 perguntas de várias delegações nacionais participantes da cúpula, e quase metade delas tratava de preocupações sobre o alto custo e a baixa disponibilidade de acomodações. Um porta-voz da COP30 recusou-se a confirmar a carta.


Até 8 de agosto, os organizadores disseram ter mapeado 53 mil leitos em Belém e áreas próximas: 14.547 em hotéis, 6.000 em dois navios de cruzeiro, 10.004 em aluguel de temporada por meio de imobiliárias e 22.452 pelo Airbnb. O governo afirma que mais opções serão adicionadas às plataformas oficiais de reserva BNetwork e Qualitours.



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Os preços das acomodações dispararam, superando os de hotéis de luxo no Rio de Janeiro. Reservar o apartamento de um quarto “Doce Lar” em Belém, recentemente listado no Booking.com para os 11 dias da cúpula climática, custaria impressionantes 1,4 milhão de reais (US$ 267.380). Um quarto com cama king-size e vista para o mar no icônico Copacabana Palace, no Rio, custaria 96.223 reais.


Crescem os temores de que esses preços excluam nações mais pobres. Pacotes especiais com tarifas reduzidas foram garantidos para delegações de pequenas ilhas e dos países mais pobres, categorias que incluem mais de um terço dos membros da ONU. O governo brasileiro afirmou que essas delegações receberão 15 quartos individuais com preços entre US$ 100 e US$ 200 por noite. Os demais países têm garantidos 10 quartos individuais por delegação, com preços entre US$ 200 e US$ 600.


“O Brasil é uma democracia com economia de mercado, o que impõe limites às intervenções na rede hoteleira, propriedade privada e sites de intermediação de aluguel privado”, escreveram os organizadores na carta.


As respostas do Brasil até agora pouco tranquilizaram os participantes. As preocupações logísticas têm cada vez mais dificultado o progresso nas negociações em andamento sobre a agenda e ameaçam descarrilar a visão original por trás da realização do evento em Belém — uma iniciativa destinada a envolver um grupo mais diverso de vozes, incluindo comunidades indígenas.


“Uma crise logística como essa é a antítese de uma COP do povo, uma COP inclusiva”, disse Claudio Angelo, coordenador de políticas internacionais do Observatório do Clima, uma coalizão da sociedade civil sobre o clima. “Esta COP corre o risco de ser a mais excludente da história da convenção climática da ONU.”


Críticos como Angelo alertam que os obstáculos logísticos podem minar a legitimidade de quaisquer acordos alcançados em Belém, especialmente se impedirem a participação daqueles sem recursos financeiros. Os organizadores levam esse risco a sério. “Começamos a falar sobre acomodação justamente porque isso se tornou uma questão política”, disse o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, a jornalistas no início de agosto. “De fato, isso impacta as negociações. Estamos discutindo, é inevitável.”


Um quarto em reforma em maio no Tivoli Maiorana Jr. Hotel, um antigo prédio do governo federal em Belém. Fotógrafo: Alessandro Falco/Bloomberg

Dois navios de cruzeiro — o Costa Diadema e o MSC Seaview — serão usados como hotéis flutuantes atracados no Porto de Outeiro, cada um abrigando cerca de 3.000 hóspedes. Mas a dependência de navios localizados a 20 quilômetros do local da COP gerou preocupações de que os participantes alojados ali fiquem isolados devido aos deslocamentos. “A viagem não levará mais do que 30 minutos”, escreveram os organizadores na carta.


O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi quem decidiu realizar a COP30 em uma cidade com infraestrutura precária na Amazônia, em vez de São Paulo e Rio, que tradicionalmente sediaram eventos de grande porte. Diante da pressão internacional para mudar o local da cúpula, ele se recusa a recuar.


“Decidimos realizar a COP em Belém para que as pessoas possam ver o que a Amazônia realmente é”, disse Lula em discurso na semana passada em Brasília.


Confrontado com desafios de infraestrutura, o Brasil decidiu anteriormente dividir a programação da COP30. A cúpula de líderes de dois dias, que reúne chefes de Estado nas negociações climáticas anuais, será realizada antes das negociações principais, que começam em 5 de novembro, permitindo que as negociações oficiais se iniciem em 11 de novembro. Espera-se que isso alivie a pressão por acomodações para os chefes de Estado e suas equipes.


O capítulo do Pará da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis está priorizando as delegações da COP e denuncia o que chama de campanha “escancarada” contra a realização da cúpula em Belém. O grupo oferece 535 quartos em hotéis cinco estrelas, com preços entre US$ 100 e US$ 300 por noite, e está incentivando os membros das delegações a compartilharem acomodações, segundo o presidente da associação, Tony Santiago.


Santiago reconheceu que os hotéis em Belém aumentaram as tarifas em média de três a quatro vezes, embora Corrêa do Lago tenha mencionado uma média de 10 a 15 vezes. O representante dos hotéis disse que os aumentos extremos de preços já estão sendo revertidos à medida que os quartos não vendidos se acumulam.


“Há preconceito contra Belém, contra a Amazônia”, disse Santiago. “As pessoas acham que a COP deve ser em um hotel de luxo com todo conforto. Isso é hipócrita. Quando se trata de clima, você tem que vir à Amazônia, ver a floresta, sentir o clima.”


© 2025 Bloomberg L.P.


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