A decretação da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intensificou o embate político entre a oposição e o Judiciário. Agora, aliados do ex-presidente articulam uma ofensiva contra a Corte, com foco em projetos que buscam enfraquecer seus poderes ou alterar sua composição.
Nos bastidores, quatro propostas estão em discussão: impeachment de ministros do STF, limitação de decisões monocráticas, fixação de mandatos para ministros e ampliação do número de cadeiras na Corte. O movimento tem motivação política, mas enfrenta obstáculos jurídicos relevantes, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
Aumento no número de ministros
Entre as propostas mais polêmicas, está a ideia de ampliar o número de ministros do STF, atualmente fixado em 11. A medida, que exigiria uma emenda à Constituição, poderia alterar o equilíbrio entre os Poderes, segundo juristas. Especialistas afirmam que uma Corte mais numerosa teria menor coesão e influência, abrindo espaço para disputas político-partidárias.
Para o professor Pedro Serrano, da PUC-SP, a medida desequilibraria a estrutura entre os Poderes, além de esbarrar em cláusulas pétreas da Constituição.
“Seria uma forma do Legislativo interferir no equilíbrio entre os Poderes. Uma corte mais diluída é uma corte com menos poder”, diz Serrano. “Mesmo que fosse aprovada, a mudança seria inconstitucional e provavelmente barrada no próprio STF.”
Além disso, lembra Serrano, como os ministros são indicados pelo presidente da República, a oposição teria pouco a ganhar ao aprovar a medida sob um governo petista. “É uma jogada de risco alto e retorno incerto.”
Impeachment de ministros
Outra proposta discutida é a retomada dos pedidos de impeachment contra ministros do STF, especialmente Alexandre de Moraes. Serrano é categórico ao apontar ilegalidade nessa estratégia:
“Buscar responsabilização individual de juízes por interpretações jurídicas é ferir de morte a independência do Judiciário. A menos que se comprove corrupção ou desvio grave, isso não pode ser feito. Não existe crime hermenêutico.”
O professor Rubens Beçak, da Faculdade de Direito da USP, por sua vez, destaca que seria legítimo discutir prazos para análise dos pedidos pela Presidência do Senado, mas reconhece que a proposta, neste momento, tem caráter mais político do que administrativo.
Juristas alertam, porém, que interpretar leis ou decisões judiciais de forma controversa não configura crime de responsabilidade. A responsabilização só seria admissível em casos extremos, como corrupção ou desvio de conduta comprovado.
A tentativa de usar o mecanismo para punir decisões judiciais cria o risco de interferência política direta no Judiciário, o que seria inconstitucional, segundo os especialistas.
Outra ideia em debate é a fixação de mandatos para os ministros do Supremo, seguindo o modelo de países como Alemanha, por exemplo. A proposta busca evitar que ministros ocupem o cargo por décadas, criando maior rotatividade e previsibilidade.
Contudo, especialistas apontam que a medida só teria efeitos no longo prazo e não afetaria os ministros já nomeados. Para a oposição, isso reduz o apelo político da proposta no curto prazo.
Limitação de decisões monocráticas
Entre todas as pautas levantadas, a limitação das decisões monocráticas é a que encontra maior respaldo técnico e político. Parlamentares questionam o fato de um único ministro do STF poder suspender decisões tomadas por ampla maioria no Congresso. A crítica é recorrente no meio jurídico e já levou a mudanças internas no regimento da Corte.
Hoje, decisões liminares precisam ser submetidas ao plenário ou à turma na primeira sessão seguinte. Ainda assim, há cobrança para que essa regra seja respeitada também em casos de grande repercussão, como o da prisão domiciliar de Bolsonaro — que ainda não foi levada ao colegiado.
“O clima no Supremo já não é tão favorável a ele. Talvez por isso ele evite levar a decisão à turma — o dissenso pode se tornar mais visível”, sugere Beçak.
Separação de poderes
Apesar da movimentação política, juristas alertam que muitas das propostas da oposição ferem cláusulas pétreas da Constituição, especialmente o princípio da separação dos Poderes. Segundo especialistas, mesmo que o Congresso aprove mudanças estruturais no STF, o próprio Supremo pode barrá-las por meio do controle de constitucionalidade.
Esse embate pode resultar em uma crise institucional, com disputas jurídicas e questionamentos sobre a legitimidade das decisões dos Poderes.
Ainda assim, os professores alertam que, em um ambiente de elevada tensão institucional, medidas juridicamente frágeis podem avançar caso obtenham apoio político suficiente. É o que o professor Pedro Serrano chama de “micro-poder constituinte” — quando a adesão majoritária se sobrepõe às garantias constitucionais.
Para Beçak, o atual embate entre Congresso e STF é uma “dupla armadilha”: o Judiciário se expôs ao protagonismo excessivo, e a oposição explora a prisão de Bolsonaro como um caso de vitimização política.
“O Supremo caiu na armadilha de Moraes. O julgamento que poderia isolar Bolsonaro agora reacende apoio ao ex-presidente. E o Congresso, em vez de buscar equilíbrio, ameaça as instituições com propostas radicais.” Nesse cenário, argumenta, o risco de erosão democrática aumenta, com o uso de mecanismos legais para fragilizar o sistema de freios e contrapesos.
Bolsonaro fora do jogo?
Por fim, Beçak avalia que Bolsonaro está fora do jogo político institucional e deve continuar inelegível. Mas ainda serve como instrumento de mobilização da direita — e como justificativa para o endurecimento da oposição contra o STF.
“Ele já era inelegível, e agora deve ser cada vez mais considerado carta fora do baralho. Mas o dano político à democracia institucional já foi feito.”