Os golpes envolvendo serviços judiciários estão em alta. Somente em 2025, a Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recebeu mais de 600 denúncias sobre o “golpe do falso advogado”, uma das principais modalidades. Aproveitando a alta judicialização de demandas como precatórios, aposentadorias e benefícios, os criminosos se passam por um advogado e fazem cobranças indevidas a seus clientes.
A analista de TI do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Isabelle de Andrade, explica como os golpistas chegam às vítimas:
— Os primeiros insumos dos golpistas são geralmente vazamentos anteriores de dados, de empresa privada ou organização pública. Com robôs automatizados, os criminosos consultam processos das pessoas nos Tribunais. E aí passam ao convencimento das vítimas, por meio da engenharia social.
Intimidação e senso de urgência são sinais para pessoas abordadas por supostos advogados desconfiarem. Vale lembrar que muitas das informações usadas nessa fraude são de fácil acesso.
— A maioria dos processos no Brasil são públicos. O golpista pega uma foto do advogado em rede social, baixa a cópia do processo eletrônico para dar veracidade e entra em contato. E muita gente cai, fazendo pagamentos — diz o presidente da Seccional do Distrito Federal da OAB, Paulo Maurício Siqueira, revelando: — Organizações criminosas têm setores atuando nessa fraude. É uma epidemia.
A OAB-DF listou, ao todo, sete táticas dos criminosos relacionados a serviços judiciários. Além de dicas de como se proteger e o que fazer caso tenha prejuízo, como o EXTRA traz abaixo.
Advogados prejudicados
Além dos clientes de advogados, esses golpes prejudicam os profissionais verdadeiros, alerta a OAB-RJ. Por isso, ainda que não tenham controle total da situação, Luciana Pires, presidente da Comissão Especial de Combate ao Golpe do Falso Advogado, da seccional, chama os profissionais:
— O prejuízo desses golpes para os advogados é moral e institucional, pois coloca em xeque a credibilidade da advocacia. A gente orienta os advogados a alertarem seus clientes sobre esses golpes nos novos contratos celebrados e mandar cartilha a quem já é cliente, informando os cuidados necessários. A informação é o caminho.
‘Isso pode trazer perda de confiança’
Nesta semana, a advogada Jaquelina Costal recebeu mensagens de clientes desconfiadas de uma abordagem feita em seu nome, por outro número de WhatsApp. Usando sua foto, o criminoso alegava, para cada vítima, ter novidades do processo judicial delas e mandava o documento da petição inicial.
Identificando o golpe, uma das mulheres decidiu seguir a narrativa, para descobrir os próximos passos do bandido.
— O bandido falou que o valor de R$ 48 mil estava disponível em poder judicial e solicitou o Pix pelo qual a minha cliente desejava receber o dinheiro. Depois, disse que o banco ou o tribunal deveria contactá-la para confirmar a operação. Aí chegou mensagem de outro número, usando a logomarca do STJ, e ela parou de responder. Mas provavelmente pediriam dados pessoais ou cobrariam uma taxa para liberar a quantia — diz Jaqueline.
A advogada, logo que soube dos primeiros contatos, avisou a todas as clientes sobre o perigo, e ninguém caiu no golpe. Mas lamenta o uso de seu nome na tática.
— Apesar de não ser minha culpa, é muito complicado também para o advogado quando isso acontece. Meu trabalho é voltado para mulheres, muitas delas já em situação de vulnerabilidade. E isso pode trazer uma perda de confiança no profissional e até uma busca de responsabilização do escritório — diz.
OAB-RJ cria comissão de combate
O golpe do falso advogado tem sido debatido em todo o país. No Rio de Janeiro, a seccional da OAB criou, nesta semana, a Comissão de Combate ao Golpe do Falso Advogado, para avançar no diálogo com 52 delegados, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça. A Polícia Civil, por sua vez, anunciou que os casos registrados desse golpe serão investigados por um núcleo de combate a crimes cibernéticos, recém-criado.
Uma inovação no sistema de petições ao Judiciário, lançada neste mês no Distrito Federal, também pode inspirar outras regiões do Brasil. Em acordo com a OAB-DF, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal autorizou a separação de processos públicos em duas petições: uma com os fatos e outra com os dados sensíveis das pessoas, como endereço e telefone. Essa segunda é mantida sigilosa.
Além disso, em toda cópia de processo disponível no site do tribunal é incluída uma tarja, com o nome de quem realizou o download. O objetivo é possibilitar a checagem do nome do advogado pela vítima abordada com o documento por um criminoso. O espaço também contém um alerta para golpes.
As estratégias
Falso advogado – Com nome, foto e número de inscrição de um profissional na OAB, o criminoso cria um perfil falso para entrar em contato com as vítimas. Ele informa sobre um suposto processo judicial e solicita um pagamento para liberar a indenização.
Clonagem de WhatsApp – A transferência da conta para outro celular pode ser feita através do informe de um código de confirmação de identidade, cedido pelo advogado ao criminoso por meio de táticas de engenharia social. Tomado o controle da ferramenta, o golpista tem acesso aos contatos salvos e pede dinheiro a clientes, além de acessar informações pessoais e sigilosas para extorsão.
Cobrança de honorários – Alegando a existência de processo judicial, o criminoso pede pagamento imediato para custas processuais, honorários ou outros encargos inexistentes.
Liberação de valores judiciais – O golpista comunica valores de ações judiciais a serem liberados, como precatórios e revisões de aposentadoria, mas exige uma suposta taxa administrativa para isso.
Representação jurídica – O golpista se passa por representante de uma pessoa ou empresa em uma ação judicial e cobra por serviços inexistentes.
Liberdade – Familiares de presos são contactados, geralmente, com o pedido de pagamento de “fiança” ou “honorários advocatícios” para a liberdade do detento.
Pendência judicial – Para obter dinheiro de empresas, criminosos entram em contato com setores financeiro ou jurídico alegando pendências judiciais ou a necessidade de pagamento imediato para evitar bloqueios, multas ou execuções fiscais, muitas vezes com documentos falsificados.
Fique atento – Verifique a inscrição na OAB. Todo advogado precisa ter um registro válido na OAB. A consulta pode ser feita no site https://cna.oab.org.br, informando o nome ou número da inscrição.
Como se proteger
Confirme com fontes oficiais
Golpistas criam narrativas com promessas e tentam criar senso de pressa e urgência. Não faça pagamentos sob pressão. Se receber contato sobre processo ou liberação de valores, consulte logo o advogado. Ligue para o escritório e peça para falar diretamente com ele. Para confiar em informações de Tribunais, cartórios ou órgãos responsáveis, recorra a canais oficiais de contato.
Consulte seu processo
Se for informado de um processo judicial em seu nome, consulte o site do Tribunal correspondente usando seu CPF ou o número do processo.
Informe-se
A OAB-RJ lançou uma cartilha com dicas de proteção. Acesse oabrj.org.br, selecione a aba “Publicações” e clique em “Cartilhas Temáticas” ou “Publicações”.
‘Caí no golpe, o que fazer?’
Se você suspeita de que foi vítima de um golpe, é importante agir rapidamente para tentar reduzir os danos e auxiliar as autoridades na identificação dos criminosos. Segundo a OAB-DF, o primeiro passo é avisar ao banco para tentar bloquear ou reverter a transação.
Além disso, guarde provas. Faça cópias das conversas, com número de telefone, foto e comprovantes de pagamento. Em seguida, registre um boletim de ocorrência (BO) na polícia. Outra medida é informar a OAB do seu estado, especialmente se o nome de um advogado foi usado no golpe.
Caso a identidade de um advogado ou o nome de um escritório real tenha sido usado, avise-os sobre o uso indevido. A rapidez na denúncia e na coleta de provas é fundamental para auxiliar nas investigações e na responsabilização dos golpistas.