Gloria Perez fala de “engessamento” de novelas e culpa “cultura woke”

Gloria Perez • Reprodução

Gloria Perez, autora por trás de títulos como “O Clone” e “Salve Jorge“, encerrou seu contrato com a Globo após alguns conflitos com a emissora.


Em uma entrevista para a Folha de S. Paulo, Perez falou sobre um “politicamente correto” que, na opinião da escritora, está interferindo na criatividade de folhetins que vão ao ar. “Sempre achei que o politicamente correto engessa, reduz e elimina a possibilidade de conflito. Ao fazer isso, ele amordaça e empobrece o autor.”


“Como criador de histórias, você procura compreender e mostrar os sentimentos humanos em relação a um determinado assunto. Mas, hoje em dia, com essa coisa de não poder ofender um grupo, não poder ofender outro, você acaba fazendo uma novela sem conflito… Quando dizem ‘as novelas estão assim porque os talentos morreram e não aparecem outros’, eu discordo. Existem talentos, mas eles foram engessados.”


“A ‘cultura woke’ introduziu um cerceamento à imaginação“, continua e avalia que isso foi “arrasador para a dramaturgia”. Perez elabora que por receio de desagradar a audiência, temas sensíveis não podem ser abordados, o que ela considera que colocou a dramaturgia em uma “fórmula, retirando dela a capacidade de provocar”.


A autora, que entrou na Globo em 1979 como pesquisadora do departamento de teledramaturgia e 1983 colaborou na novela “Eu Prometo”, fez um paralelo entre o cerceamento de temáticas da época da ditadura militar e nos dias de hoje, o que avaliou estar ainda pior. Segundo ela, na época havia uma agente do regime militar responsável por limar as tramas: “Tinha uma censura comandada pela dona Solange. Só que agora nós temos uma multiplicidade de ‘Solanges’. Nas redes sociais, com raras exceções, cada pessoa é uma Solange diferente, julgando o outro.”


“Antes, você tinha uma censura. Agora, a censura está espalhada na sociedade. É muito pior.”


Perez revela os bastidores do fim de seu contrato com a Globo após um imbróglio sobre seu novo folhetim, “Rosa dos Ventos“, que teria como temática um assunto delicado, o aborto. De acordo com a dramaturga, a novela teria sido “barrada” e “adiada” por “medo de desagradar algumas áreas”. Apesar do interesse da Globo em estender seu contrato para mais um folhetim, ela recusou. ” A minha assinatura é lidar com temas delicados e trazer o público para a discussão. Se eu não puder fazer isso, eu acabo”, comentou na entrevista. “Eu sou incapaz de pensar engessada.”


Novelas que marcaram a televisão, como “O Clone”, “Salve Jorge” e “Caminho das Índias”, nos últimos anos se tornaram alvo de críticas que falam de um ‘retrato estereotipado desses países’. Ela defende que, apesar do público brasileiro ter uma visão negativa das novelas, ela se apega à boa recepção e aprovação dessas novelas nos países em que foram inspiradas.


Para ela, essas tramas que foram ao ar nos 2000, sequer chegariam ao público nos dias de hoje. “Foram novelas inovadores, que pressupõe correr riscos”, e dá como exemplo “Salve Jorge”, que além de tratar de tráfico humano, também trazia uma mulher de uma comunidade sendo prostituída, vivida por Nanda Costa. “Não imagino que essa ousadia fosse aprovada hoje.”


Por fim, ela revela alguns bastidores de sua última produção, “Travessia”, que marca um dos fracassos mais recentes da emissora no horário nobre e foi alvo de reprovação da audiência por escalar Jade Picon para o papel principal, que nunca havia trabalhado na televisão. Perez defende a influenciadora: “Ela deu vida a momento emocionante e não atrapalhou o enredo.


“‘Travessia’ foi um ponto fora da curva. Essa novela foi implodida por dentro. Não deu certo intencionalmente. Mas eu não quero falar sobre isso. Detestei não ver no ar aquilo que eu escrevi.”


Compartilhar

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
cedimp otimizado ezgif.com gif to avif converter

Últimas Notícias