Com deficiência visual, jovem realiza sonho e se forma em Direito na UFAC

Na última quarta-feira (30), a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, testemunhou um momento inspirador com a colação de grau de Bruno Feliciano, 25 anos, que se formou em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC), campus Cruzeiro do Sul. O que torna essa conquista ainda mais extraordinária é que Bruno é deficiente visual, com 100% de perda de visão desde o nascimento, devido a uma toxoplasmose contraída por sua mãe durante a gravidez. Sua trajetória, marcada por determinação, apoio familiar e adaptações no ambiente acadêmico, é um exemplo de superação e resiliência.


Ao ac24horas, Bruno conta que decidiu que queria ser advogado aos 9 anos, inspirado por programas de televisão e pelas visitas ao Juizado de Pequenas Causas em Rio Branco, onde acompanhava o pai, que trabalhava no local. “Eu me interessei já naquela época pela faculdade de Direito. Com 9 anos, eu já decidi que queria ser advogado”, conta. A partir dessa decisão, ele aprendeu o sistema Braille e dedicou-se aos estudos, enfrentando os desafios impostos pela deficiência visual com o objetivo claro de ingressar no curso de Direito.


Em março de 2020, no início da pandemia, Bruno realizou seu sonho ao ser aprovado na UFAC. O curso, com duração de cinco anos, foi concluído em 2025, com a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em abril. Sua pesquisa abordou um tema de grande relevância social: as barreiras enfrentadas por pessoas que não conseguem acessar direitos previdenciários devido à falta de conhecimento, dificuldades com aplicativos ou analfabetismo. “Minha pesquisa foi nesse sentido, para ajudar essas pessoas a terem seus direitos efetivados”, explica.


Apesar da determinação, Bruno enfrentou obstáculos, especialmente relacionados ao acesso a materiais didáticos. “Alguns materiais eram desatualizados, então não conseguia ter acesso com o leitor de tela do dispositivo”, relata. No entanto, ele destaca o empenho dos professores, que foram fundamentais para sua formação. “Todos, sem exceção, se preocupavam em saber quais eram minhas dificuldades e adaptavam o material para que eu pudesse lê-lo com o leitor de tela.”


Entre os docentes que marcaram sua trajetória, Bruno cita a coordenadora do curso, professora Fabiana David Carlos, que o acompanhou de perto, cobrando-o para garantir que ele absorvesse o conteúdo. “Ela sempre se preocupou em me assistir de todas as formas”, diz, com gratidão.


Além do suporte acadêmico, o apoio familiar foi essencial. Bruno destaca o papel de seu pai, que desde a infância o incentivava a perseguir seus sonhos, mesmo nos dias mais difíceis. “Chovendo forte, ele me levava pra aula, mesmo quando eu não queria. Ele dizia que eu precisava me esforçar mais que os outros por causa da minha deficiência”, lembra. Durante quase toda a graduação, o pai o acompanhava até o ponto de ônibus às 18h e o buscava às 23h, um gesto de dedicação que marcou sua jornada.


Outro pilar foi sua noiva, Antônia Lívia, estudante do décimo período de Enfermagem na UFAC, que o auxiliou em tarefas como formatação de trabalhos e digitalização de materiais. “Ela me ajudava a estudar, fazia a digitação de trabalhos que não tinham como ser adaptados. Ela foi minha madrinha na colação de grau e me entregou o canudo”, conta, emocionado. O pai de Bruno também foi seu padrinho na cerimônia, simbolizando o apoio constante de ambos.


A cerimônia de formatura foi um marco na vida de Bruno. Escolhido como juramentista pela turma, ele liderou o juramento do Direito, um momento que descreve como “simplesmente fantástico”. Outro gesto marcante foi sua decisão de descer a rampa da solenidade sozinho, usando apenas sua bengala, como um símbolo de independência. “Queria mostrar que, apesar da minha deficiência, eu tinha a capacidade de ser independente e prosseguir na minha vida profissional com as minhas pernas”, afirma. Para Bruno, esse ato não foi apenas funcional, mas carregado de significado, representando sua autonomia e determinação.


Com o diploma em mãos, Bruno agora se prepara para a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Tô estudando há meses pra essa prova e tô bem confiante. Vai dar certo, se Deus quiser”, diz, com otimismo. Sua confiança é fruto de uma trajetória acadêmica impecável, sem reprovações, e de um esforço contínuo para superar as barreiras impostas pela deficiência.


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