Oito décadas após as bombas que devastaram Hiroshima e Nagasaki, o mundo volta a conviver com a crescente ameaça de uma escalada nuclear. A promessa de desarmamento, que parecia possível após o fim da Guerra Fria, perdeu força. Nos últimos anos, o número de ogivas prontas para uso aumentou, e o cenário geopolítico atual é marcado por instabilidade, disputas de influência e pelo enfraquecimento de acordos multilaterais.
Segundo o SIPRI (Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo), havia cerca de 12.100 ogivas nucleares no mundo em 2024, das quais aproximadamente 3.900 estavam prontas para uso imediato — um aumento em relação aos anos anteriores.
Quem tem o botão?
Nove países possuem oficialmente armas nucleares:
- Estados Unidos: cerca de 5.200 ogivas
- Rússia: cerca de 5.580 ogivas
- China: 500 ogivas (em rápido crescimento)
- França: 290 ogivas
- Reino Unido: 225 ogivas
- Paquistão: 170 ogivas
- Índia: 170 ogivas
- Israel: cerca de 90 ogivas (não declaradas oficialmente)
- Coreia do Norte: entre 30 e 50 ogivas, com foco crescente em mísseis balísticos
A maior parte do arsenal global continua concentrada nos Estados Unidos e na Rússia, herdeiros da corrida armamentista da Guerra Fria. No entanto, o crescimento da capacidade da China, a opacidade em relação ao arsenal israelense e os avanços do programa nuclear iraniano despertam preocupações cada vez maiores.
Rússia: ameaça explícita
A guerra na Ucrânia trouxe a ameaça nuclear de volta ao discurso político. Desde a invasão em 2022, o presidente Vladimir Putin tem feito menções recorrentes ao arsenal atômico russo — inclusive posicionando armas nucleares táticas em Belarus e ameaçando o Ocidente em caso de envolvimento direto no conflito.
Mais do que retórica, a Rússia abandonou em 2023 sua participação no New START, o último tratado bilateral com os EUA que limitava o número de ogivas estratégicas. Sem verificação mútua e com tensões crescentes, o risco de erro de cálculo entre as potências voltou a preocupar analistas.
Irã: às portas do arsenal
O programa nuclear do Irã é outro foco de tensão. Desde a saída dos EUA do Acordo Nuclear em 2018, durante o governo Trump, Teerã acelerou o enriquecimento de urânio e restringiu o acesso de inspetores internacionais.
O país ainda nega ter intenção de produzir uma bomba, mas já ultrapassou diversos limites técnicos impostos pelo acordo. Em 2024, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) alertou que o Irã possui urânio enriquecido suficiente para fabricar múltiplas ogivas em pouco tempo, caso tome essa decisão política.
Israel: silêncio estratégico
Israel nunca admitiu oficialmente possuir armas nucleares, mas é amplamente aceito que o país mantém um arsenal de cerca de 90 ogivas, operado de forma independente e fora de qualquer tratado internacional.
Essa ambiguidade estratégica tem sustentado a dissuasão contra países vizinhos, especialmente Irã e Síria. Em um eventual confronto direto com Teerã — cenário que voltou ao centro do debate após a guerra em Gaza e os ataques aéreos mútuos em abril de 2025 —, o fator nuclear pode escalar rapidamente.
China: o novo competidor
Outro vetor de preocupação é o avanço acelerado do programa nuclear chinês. Nos últimos cinco anos, o número de ogivas chinesas quase dobrou. Relatórios do Pentágono indicam que a China pode ultrapassar mil ogivas até o fim da década, com foco em capacidade de segundo ataque e lançamento via mísseis balísticos intercontinentais.
Ao mesmo tempo, Pequim se recusa a aderir a tratados de controle de armas, alegando que seu arsenal ainda é muito menor que o dos EUA e da Rússia. A ascensão nuclear chinesa já influencia a postura estratégica dos americanos, que passaram a considerar cenários de dissuasão “trilateral”.
Fim da era dos tratados
Boa parte da estabilidade nuclear da Guerra Fria foi construída sobre acordos de controle de armas. Nos últimos 20 anos, essa arquitetura ruiu:
- O Tratado INF (armas de alcance intermediário) foi abandonado pelos EUA e pela Rússia em 2019.
- O Tratado Céus Abertos, que permitia sobrevoos de reconhecimento, também foi suspenso.
- O New START, último acordo ativo, está congelado desde 2023.
Ao mesmo tempo, países com armas nucleares não reconhecidas, como Israel e Coreia do Norte, não participam de nenhum regime de controle.
O relógio do juízo final
O Relógio do Juízo Final, mantido pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, está atualmente a 90 segundos da meia-noite — o ponto mais próximo do colapso global desde sua criação em 1947. A ameaça nuclear, aliada à crise climática e ao avanço da IA em aplicações militares, está entre os principais motivos.
O mundo de 2025 não é mais o mesmo de 1945 — mas a sombra de Hiroshima ainda paira. A diferença é que, agora, o risco não vem apenas de uma superpotência, mas de múltiplos atores, com agendas diversas e pouca margem para diálogo.