Faltando uma semana para a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos entrar em vigor, o governo federal parece distante de um acordo comercial com o presidente Donald Trump.
A sobretaxa, anunciada no último dia 9, começa a valer no dia 1º de agosto.
A avaliação de representantes do setor produtivo que participaram de diversas reuniões com o governo é unânime: a tarifa é insustentável e inviável para a indústria e o agronegócio nacional.
A falta de interlocução entre Brasília e Washington é o grande desafio a ser superado. Entre membros do alto escalão, até o momento, houve apenas uma conversa, de 50 minutos, entre o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick.
Segundo o vice-presidente, a conversa, que aconteceu no último sábado (19), foi longa e proveitosa. Apesar de revelar que a contato aconteceu, Alckmin não deu mais detalhes sobre quais foram os argumentos e opiniões do representante de Trump.
Apesar desse contato com o alto escalão de Trump, o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admite dificuldades para dialogar com seu equivalente americano, o secretário do Tesouro, Scott Bessent.
Ele também afirmou que as informações estão concentradas na assessoria da Casa Branca — ou seja, a palavra final, independentemente da posição dos técnicos, é do próprio Trump.
A despeito dos esforços, a equipe econômica alega que os canais de comunicação estão obstruídos por políticos e influenciadores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mais de 100 empresários ouvidos
Incluindo integrantes da indústria, do agronegócio e de big techs americanas, o governo já se reuniu com mais de 100 representantes do setor produtivo. As reuniões acontecem no contexto do comitê interministerial criado pelo governo para formular a resposta brasileira à tarifa.
O grupo iniciou as atividades em 15 de julho.
Nos últimos encontros com representantes do setor privado, Alckmin, que comanda o comitê, sinaliza que o próximo movimento do governo deve ser pedir o adiamento da entrada em vigor da tarifa. A intenção é solicitar um prazo extra de 60 a 90 dias.
No pedido, o governo deve argumentar que já há produtos brasileiros em portos ou em navios a caminho dos Estados Unidos, o que seria danoso para os contratos em vigência de produtores dos dois países. O governo admite, no entanto, que a possibilidade do pedido ser aceito pelos EUA é remota.
Individualmente, cada setor também faz pedidos específicos para a abertura de cotas que isentem seus produtos das alíquotas. Os setores da carne bovina e do suco de laranja apresentaram pedidos com o mesmo objetivo, por exemplo.
A possibilidade de o Brasil aplicar medidas de reciprocidade em resposta a Trump tem sido descartada, ao menos momentaneamente, por Alckmin. A estratégia do governo brasileiro, apesar do tom mais duro adotado em algumas falas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é tentar conter os danos, segundo relatos.
Isso porque muitas tecnologias essenciais usadas pela indústria e produtores brasileiros são americanas. Soma-se isso ao fato de que, caso o Brasil taxe produtos dos EUA, Trump já sinalizou que poderia retaliar com tarifas ainda mais pesadas.
Outro ponto levado pelo setor privado nas reuniões é a necessidade de abrir canais de diálogo e enviar uma missão de autoridades a Washington para tratar diretamente do tema.
Uma missão de senadores embarca rumo aos EUA nesta sexta-feira (25) com o intuito de tentar abrir portas nas negociações. A ideia é marcar reuniões com congressistas americanos que tenham influência na Casa Branca. As reuniões acontecem entre os dias 28 e 30 de julho.
Mobilização do setor privado
Essa iniciativa já recebeu o aval de Alckmin, que vê nela uma oportunidade para abrir diálogo e exercer pressão interna nos Estados Unidos, já que, em alguns casos, os mercados são complementares.
Empresas dos EUA que trabalham com a logística de produtos brasileiros, por exemplo, podem ir à falência caso a tarifa entre em vigor.
A estratégia, no entanto, pode enfrentar obstáculos, já que nem o setor privado, nem os senadores envolvidos têm acesso direto à Casa Branca.
Apesar de toda dificuldade, alguns setores começam a ver uma luz no fim do túnel. O setor mineral é o mais otimista.
Na última quarta-feira (23), autoridades brasileiras do setor mineral e um representante do governo dos Estados Unidos se reuniram para debater um possível acordo entre os países na área dos minerais críticos e a tarifa de 50% anunciada por Donald Trump sobre produtos brasileiros.
A agenda foi solicitada pelos americanos. Autoridades brasileiras ouvidas pela reportagem avaliam que os minerais — sobretudo as terras raras — podem receber um tratamento especial no contexto das tarifas.
A movimentação ocorre em meio a uma corrida global pelos minerais críticos, insumos essenciais para a produção de baterias, semicondutores e tecnologias de ponta.
Hoje, esse mercado é dominado quase exclusivamente pela China. Reduzir a dependência em relação a Pequim tem sido uma das prioridades da nova gestão Trump.