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Injeção que impede contaminação por HIV é aprovada nos Estados Unidos; entenda

(Pixabay)

A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, aprovou nesta semana o medicamento lenacapavir, vendido sob o nome comercial de Yeztugo, pela farmacêutica Gilead Sciences, como um esquema de profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP), ou seja, para prevenir uma infecção pelo vírus.


O remédio é considerado inovador por ser injetável e demandar apenas duas aplicações ao ano para garantir uma eficácia de quase 100%. Hoje, o esquema de PrEP disponível, inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017, envolve comprimidos orais que precisam ser tomados diariamente. Eles também reduzem o risco de uma infecção a quase zero, porém o fato de ser um tratamento diário é um entrave para a adesão.


O lenacapavir recebeu o sinal verde nos EUA para adultos e adolescentes com o único requisito de pesarem pelo menos 35 kg. Daniel O’Day, presidente e diretor Executivo da Gilead Sciences, descreveu a aprovação como “um dia histórico na luta de décadas contra o HIV” e disse que o medicamento “oferece uma oportunidade muito real de ajudar a acabar com a epidemia”.


O professor de Doenças Infecciosas da Universidade Emory e co-diretor do Centro de Pesquisa para Aids da instituição, nos EUA, Carlos del Rio, afirmou que o lenacapavir pode ser uma “poderosa ferramenta” para “aumentar a adesão e a persistência da PrEP”.


“Uma injeção duas vezes por ano poderia resolver muito bem as principais barreiras, como a adesão e o estigma que os indivíduos em regimes de dosagem de PrEP mais frequentes, especialmente a PrEP oral diária, podem enfrentar. Também sabemos que, em pesquisas, muitas pessoas que precisam ou querem a PrEP preferem uma dosagem menos frequente”, complementou, em nota.


Grupos que trabalham com HIV e Aids celebraram o aval ao medicamento. Winnie Byanyima, diretora executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV/AIDS (Unaids) e subsecretária-geral da ONU, disse se tratar de “um momento de grande avanço” fruto de um investimento de décadas.


A organização internacional de prevenção ao HIV AVAC lembrou que a prestigiosa revista científica Science nomeou o lenacapavir como “descoberta do ano” em 2024, quando os primeiros dados de eficácia começaram a ser publicados. Mitchell Warren, diretor executivo da AVAC, disse que o remédio tem de fato “o potencial para transformar a resposta ao HIV”.


O lenacapavir já era vendido, mas com o nome comercial de Sunlenca e aprovado apenas para o tratamento de casos de HIV multirresistentes, não como estratégia de prevenção para pessoas não infectadas. Porém, devido aos desafios na PrEP oral, pesquisadores têm buscado alternativas de profilaxias injetáveis de longa duração e decidiram testar o medicamento.


Até então, o mais avançado a oferecer uma prevenção duradoura era o cabotegravir, da GSK, que precisa ser aplicado a cada dois meses. Ele chegou a ser aprovado pela Anvisa em junho do ano passado, mas o elevado preço é um desafio para o acesso. Agora, o lenacapavir surge como uma estratégia promissora por promover a alta eficácia, mas com somente uma aplicação a cada semestre.


Eficácia de quase 100%

Um primeiro estudo clínico com o lenacapavir, chamado de Purpose-1, analisou o tratamento entre 5,3 mil mulheres cisgênero (que se identificam com o gênero atribuído a elas ao nascerem) na África do Sul e na Uganda. Nenhuma das que receberam o medicamento foram infectadas durante cerca de dois anos, enquanto 55 diagnósticos foram observados nos grupos que usaram a PrEP oral. A eficácia das injeções foi considerada de 100%.


Outro estudo mais diverso, o Purpose-2, englobou 3,3 mil participantes de diferentes gêneros, como homens cis e pessoas trans, e de diferentes etnias em 88 centros de pesquisa no Peru, Brasil, Argentina, México, África do Sul, Tailândia e Estados Unidos. No final do estudo, dois casos de HIV foram identificados entre os que receberam o lenacapavir, e 9 entre os que tomavam PrEP oral.


Comparando com a incidência do HIV em uma amostra separada de 4,6 pessoas da população geral, que não receberam os medicamentos, os resultados mostraram uma eficácia de 96% associada às injeções semestrais. Além disso, confirmou que a estratégia é mais eficaz que os comprimidos. Ambos os trabalhos foram publicados na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM).


Um dos problemas, no entanto, é o preço. Em outubro, a Gilead anunciou acordos com seis fabricantes para produzir e vender versões genéricas do medicamento em 120 países de alta incidência de HIV e com recursos limitados, principalmente os de média e baixa renda. A comercialização só poderá ser feita após aval das agências reguladoras nos locais. O Brasil ficou de fora.


O anúncio veio depois que organizações como a Unaids se posicionaram pedindo que a farmacêutica garantisse o amplo acesso ao medicamento. Isso porque o lenacapavir é protegido por patente e custa cerca de US$ 40 mil por ano para cada paciente, o equivalente a cerca de R$ 220 mil na cotação atual. Porém, segundo uma publicação na The Lancet HIV, uma versão genérica poderia custar apenas de $35 a $46, até cerca de R$ 253.


Para Winnie Byanyima, da Unaids, o lenacapavir “pode ser a ferramenta de que precisamos para controlar as novas infecções, mas somente se tiver um preço acessível e for disponibilizado a todos que possam se beneficiar”. “Se esse medicamento revolucionário continuar inacessível, ele não mudará nada. Peço à Gilead que faça a coisa certa. Reduza o preço, expanda a produção e garanta que o mundo tenha uma chance de acabar com a Aids”, continuou.


Mitchell Warren, da AVAC, também frisou que “o progresso científico só importa se a inovação realmente chegar às pessoas” e defendeu que a aprovação nos EUA seja acompanhada por uma implementação “ousada, estratégica, eficaz e equitativa”. “Caso contrário, o mundo corre o risco de desperdiçar essa oportunidade com a PrEP, como já aconteceu com outras opções nos últimos 12 anos”, continuou.


Por que injeção não é vacina?

Embora o remédio seja uma injeção para prevenir uma doença infecciosa, o lenacapavir não é uma vacina. Isso porque, assim como a PrEP em comprimidos, ele não induz o sistema imunológico a produzir anticorpos e células de defesa contra o HIV. Ele é um antiviral que bloqueia os “caminhos” que o vírus utiliza para se replicar e, para isso, precisa permanecer em constante circulação no organismo.


De forma mais detalhada, uma vacina é feita com o material genético de um vírus ou bactéria para que o sistema imune o reconheça a partir daquele fragmento e, com isso, passe a produzir as defesas contra ele. Dessa forma, simula a exposição àquele agente infeccioso para gerar a resposta imune, que se mantém ao longo do tempo.


Já no caso da PrEP, é um remédio que não induz uma resposta ativa do sistema imunológico. Ele combate o vírus, sendo usado também para tratar pessoas que já vivem com a infecção. Nessa estratégia, o objetivo é manter a droga em constante circulação no sangue para, se a pessoa entrar em contato com o vírus, ela já estar presente e rapidamente atacá-lo, antes mesmo que ele se instale e cause a infecção no organismo.


Por isso, caso a administração da PrEP seja interrompida, a proteção desaparece. Já as vacinas, por outro lado, podem até demandar novas doses de reforço para elevar a resposta do sistema imune ao longo do tempo, mas a proteção em algum nível se mantém duradoura. Não existem vacinas aprovadas contra o HIV no mundo.


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