O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira (10) o julgamento sobre o suposto plano de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 30 réus. Na sequência dos depoimentos, a Corte iniciou o interrogatório do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Logo no início da sessão, o advogado Matheus Milanez, que representa o general, informou que seu cliente ficará em “silêncio parcial”, respondendo apenas às perguntas formuladas pela própria defesa. Heleno optou por não responder aos questionamentos do ministro relator Alexandre de Moraes.
Moraes questiona sobre agenda golpista revelada por revista
O ministro Alexandre de Moraes tentou obter respostas de Heleno sobre uma agenda revelada pela revista VEJA, que continha anotações do militar com um plano para coagir a Polícia Federal. O documento registra um compilado de medidas que poderiam tolher o trabalho da corporação e, no limite, levar à prisão de delegados.
Segundo as anotações, o plano consistia em unir o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Presidência da República para, a pretexto de combater supostas decisões judiciais exorbitantes, impedir que a polícia cumprisse determinadas ordens judiciais.
O roteiro detalhado pelo ex-ministro funcionaria da seguinte forma: primeiro, o Ministério da Justiça identificaria uma linha de atuação para a PF; na sequência, instada pela pasta, a AGU apontaria que tipo de decisão judicial seria legal ou ilegal; e, por fim, o presidente da República daria força normativa à nova regra, que previa, por exemplo, prender em flagrante um delegado que se dispusesse a cumprir uma ordem judicial previamente classificada como ilegal pela AGU.
Heleno manteve-se em silêncio diante dos questionamentos sobre o documento.
Carona em avião da FAB levanta suspeitas
Outro ponto de suspeita contra o general envolve uma carona em avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O ex-chefe da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, relatou em depoimentos anteriores à Polícia Federal que Heleno pediu uma carona da FAB, em pleno sábado, para voltar a Brasília depois de uma convocação do ex-presidente Bolsonaro.
Baptista Júnior afirmou que “ficou preocupado” com a situação porque, dias antes, ele havia presenciado reuniões de cunho golpista. Essa declaração reforça a tese da acusação sobre a existência de encontros para discutir medidas contra o resultado das eleições.
Heleno esclarece expressões polêmicas
Ao responder apenas às perguntas de sua defesa, Heleno esclareceu que expressões como “soco na mesa” e “virada de mesa”, usadas por ele, foram ditas de “forma figurada” durante reunião ministerial para expressar preocupações com a segurança do processo eleitoral.
O general também afirmou que seria impossível infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em qualquer instituição no curto prazo durante as reuniões mencionadas pela acusação.
“Decisões de cunho político ficavam entre eu e meus assessores”, declarou Heleno, afirmando que nunca cogitou medidas inconstitucionais e que “não havia clima para politizar o GSI”.
Acusações contra o general
Augusto Heleno é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos principais mentores da trama golpista articulada no Palácio do Planalto após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. O general integra o chamado “núcleo 1” da denúncia, composto por oito pessoas consideradas centrais na suposta conspiração para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em março deste ano, a defesa de Heleno pediu absolvição sumária ao STF, alegando que não há “elementos mínimos” que apontem seu envolvimento direto ou indireto com os fatos citados na acusação. “Não há uma testemunha que aponte seu envolvimento, não há uma conversa de WhatsApp sua para qualquer pessoa tratando da empreitada criminosa aqui denunciada”, argumentou a defesa na ocasião.
Contradições nos depoimentos
A versão apresentada pela defesa de Heleno contrasta com as declarações de dois dos principais comandantes militares do período: Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Júnior (Aeronáutica). Ambos confirmaram à PGR que Bolsonaro discutiu com eles a chamada “minuta do golpe”, um documento que previa a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo relatos colhidos durante a fase de investigação, Heleno teria participado de reuniões no Palácio da Alvorada onde foram discutidas alternativas para contestar o resultado das eleições. Em uma dessas ocasiões, o general teria sugerido “montar um sistema para acompanhar os dois lados”, incluindo Lula, mas alertou: “O problema todo disso é se vazar”.
Próximos depoimentos
Após Heleno, serão ouvidos, por ordem alfabética: Jair Bolsonaro, ex-presidente da República; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.
O depoimento de Bolsonaro é aguardado como um dos momentos mais importantes do julgamento, especialmente após as revelações feitas pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, que confirmou o envolvimento direto do ex-presidente na elaboração de documentos para embasar um golpe de Estado.